• Nenhum resultado encontrado

CAPITULO 3. DIAGNÓSTICO DE SITUAÇÃO E OPORTUNIDADES DE

3.6. Análise à documentação dos enfermeiros

3.6.1. Enunciados de diagnóstico e resultados de enfermagem no domínio do

Na discussão dos resultados da análise efetuada à documentação dos enfermeiros, apresentaremos algumas notas de campo que reportam as ideias e justificam as opções, durante o processo de documentação, dos enfermeiros que integraram a investigação. Estas opiniões surgiram no decorrer de duas reuniões efetuadas no final da primeira fase da IA, referente ao diagnóstico de situação, onde apresentamos os resultados dos estudos que temos vindo a descrever.

3.6.1. Enunciados de diagnóstico e resultados de enfermagem no domínio do autocuidado

O gráfico 3 apresenta a distribuição dos focos de atenção de nível mais específico que integram o domínio do autocuidado. As atividades de autocuidado identificadas como mais frequentes reportam os enunciados diagnósticos/resultados associados a 10 focos de atenção deste domínio: “vestir-se e despir-se” 248 (16,6%); “uso do sanitário” 243 (16,3%); “higiene” 237 (15,9%); “transferir-se” 222 (14,9%); “andar com auxiliar de marcha” 147 (9,8%); “mover-se em cadeira de rodas” 121 (8,1%); “alimentar-se” 101 (6,8%); “andar” 92 (6,2%); “posicionar-se” 82 (5,5%) e “elevar- se” 1 (0,1%).

172

Gráfico 3 - Frequência dos focos de atenção no domínio do autocuidado enunciados pelos enfermeiros (1º momento de avaliação)

A análise dos 1494 enunciados de diagnóstico/resultados descritos permitiu verificar que 588 (39,4%) correspondem ao juízo diagnóstico de dependência, cuja distribuição se encontra associada a diferentes níveis: dependente em grau elevado;

dependente em grau moderado; dependente em grau reduzido e independente. Estes

juízos de diagnóstico e resultados de enfermagem encontravam-se operacionalizados (na parametrização existente no backend do sistema de apoio à tomada de decisão dos enfermeiros) da seguinte forma:

Dependente em grau elevado: A pessoa, independentemente, não inicia nem completa nenhuma atividade inerente à ação.

Dependente em grau moderado: A pessoa não inicia todas as atividades inerentes à ação ou não as completa de forma independente.

Dependente em grau reduzido: A pessoa tem capacidade neuromuscular para auto iniciar e completar, independentemente, as atividades inerentes à ação; no entanto requer orientação e/ou incentivo à iniciativa.

Independente: a pessoa inicia todas as atividades inerentes à ação.

A tabela 28 apresenta a distribuição absoluta e relativa dos diferentes enunciados de diagnóstico para cada foco de atenção, no domínio do autocuidado, tendo por base o juízo de dependência. Estes têm por objetivo traduzir as necessidades de cuidados em enfermagem, da pessoa, no domínio do autocuidado, nomeadamente a substituição e

248 243 237 222 147 121 101 92 82 1

173 a ajuda de pessoa para fazer face às atividades de autocuidado que realizava diariamente, sendo que esta necessidade de ajuda advém da perda de autonomia em níveis que impossibilitam a pessoa de realizar as atividades de autocuidado por si.

Tabela 28 - Atribuição do juízo dependência por domínio do autocuidado (1º momento de avaliação)

Domínios do autocuidado: Focos de atenção Juízos diagnósticos Total Dependente em grau elevado Dependente em grau moderado Dependente em

grau reduzido Independente

Usar o sanitário 7 (6,9%) 60 (58,8%) 31 (30,4%) 4 (3,9%) 102 (100%) Vestir-se e despir-se 8 (9%) 54 (60,7%) 26 (29,2%) 1 (1,1%) 89 (100%) Transferir-se 8 (9%) 53 (59,6%) 26 (29,2%) 2 (2,2%) 89 (100%) Higiene 7 (8,6%) 54 (66,7%) 19 (23,5%) 1 (1,2%) 81 (100%) Alimentar-se 6 (11,5%) 24 (46,2%) 21 (40,4%) 1 (1,9%) 52 (100%) Andar 1 (2,1%) 33 (68,8%) 14 (29,1%) 0 48 (100%)

Andar com auxiliar de marcha 0 46 (97,9%) 0 1 (2,1%) 47 (100%)

Usar cadeira de rodas 0 37 (92,5%)0 0 3 (7,5%) 40 (100%)

Posicionar-se 5 (12,8%) 23 (59%) 11 (28,2%) 0 39 (100%)

Elevar-se 0 1 (100%) 0 0 1 (100%)

Total 42 (7,2%) 385 (65,5%) 148 (25,1%) 13 (2,2%) 588 (100%)

De acordo com a tabela, podemos ver que o nível de diagnóstico, mais enunciado pelos enfermeiros, foi dependente em grau moderado, com 385 (65,5%) enunciados, o que quer dizer que o cliente ou não inicia a atividade de autocuidado, ou não a completa de forma independente, traduzindo a necessidade de ajuda de pessoa. O nível de diagnóstico dependente em grau reduzido surgiu associado a 148 (25%) enunciados de diagnóstico no domínio do autocuidado, o quer dizer que a pessoa tem capacidade a nível dos processos corporais para auto iniciar e completar, independentemente, as atividades inerentes à ação, no entanto, requer orientação e ou incentivo para a ação.

174

O juízo independente surgiu associado a 13 (2,2%) enunciados de resultados no domínio do autocuidado, o que traduz a capacidade para realizar as atividades de autocuidado de forma autónoma.

Através da análise efetuada aos enunciados de diagnóstico no domínio do autocuidado, verificamos a ausência de dados que sustentassem o juízo de diagnóstico.

Durante o processo de conceção dos cuidados torna-se necessário promover a sistematização na recolha de dados e garantir a integridade referencial entre dados, diagnósticos, objetivos e as intervenções de enfermagem. Estes aspetos foram comentados pelos enfermeiros que alertavam para a ausência de um processo sistematizado: “A avaliação da dependência para o autocuidado estava programada

em SOS” (NC1); “Só avaliávamos quando considerássemos necessário, por isso, não era feito de forma sistemática” (NC2); “Penso que este aspeto não é vantajoso, pois torna-se mais difícil percebermos as pequenas mudanças que vão ocorrendo nas pessoas num curto espaço de tempo, por exemplo numa semana” (NC3); “Esta avaliação por nível de dependência também não é muito objetiva, pois cada um de nós decide associar o nível que lhe parece mais correto e não fica registado o que condicionou essa decisão” (NC4).

A baixa representatividade na documentação, em alguns dos domínios do autocuidado, como por exemplo o autocuidado “banho”, levou-nos a questionar os enfermeiros sobre o que justificaria não apresentar dados relativamente a este domínio mais específico do autocuidado “higiene”. Os enfermeiros salientaram que quando procediam a um juízo diagnóstico face ao autocuidado “higiene”13 tinham como referência a descrição específica do autocuidado “banho”14, pelo que não

13 Autocuidado “higiene” é um tipo de autocuidado com as características específicas: encarregar-se de manter um padrão continuo de higiene, conservando o corpo limpo e bem arranjado, sem odor corporal, lavando regularmente as mãos, limpando as orelhas, nariz e zona perineal e mantendo a hidratação da pele, de acordo com os princípios de preservação e manutenção da higiene (ICN, 2002, p.55)

14 Autocuidado “banho” é um tipo de autocuidado higiene com as características específicas: enxaguar o próprio corpo, total ou parcialmente, por exemplo, entrando e saindo da banheira, juntando todos os objetos necessários ao banho, obtendo a água ou abrindo as torneiras, lavando e secando o corpo. (ICN, 2002, p. 55)

175 procediam à caraterização de um enunciado diagnóstico sustentado no autocuidado “banho”. O mesmo pressuposto sustentou a ausência do uso de atividade diagnóstica para o autocuidado “arranjar-se”15, cujo referencial era tido para a avaliação do foco autocuidado “higiene”, ou seja, os enfermeiros não tinham até ao momento reconhecido necessidade do uso destes domínios mais específicos de autocuidado. No entanto, as atividades desenvolvidas pelos enfermeiros na prestação de cuidados dirigida aos enunciados diagnósticos de dependência para o autocuidado “higiene”, refletiam uma perspetiva global dos conceitos e das atividades de cada um dos domínios do autocuidado (embora não estejam documentadas), onde se verificava que as intervenções de enfermagem planeadas tinham, por exemplo, em atenção as atividades que concretizam o autocuidado “banho”, tais como: “juntando todos os objetos para o banho, obtendo água ou abrindo as torneiras e lavando ou secando o corpo” (ICN, 2002, p. 55), bem como as atividades que concretizam o autocuidado “arranjar-se”: “tomar cuidado com a apresentação, manter o cabelo, a barba e bigode bem cuidados, lavados, penteados, cortar as unhas, manter a roupa limpa, sem cheiro, verificar a aparência no espelho” (ICN, 2002, p. 55).

Verificamos também que não se observava qualquer documentação associada ao autocuidado “elevar-se”. Face a esta constatação, os enfermeiros justificaram-na com o facto de terem sempre como referência prévia o foco de atenção de enfermagem equilíbrio corporal, ou seja, “estabilidade do corpo e coordenação dos músculos, ossos e articulações para o estabilizar como um todo ou parte, no sentido de o movimentar” (ICN, 2011, p. 52)., pelo que qualquer enunciado diagnóstico documentado incorporaria um compromisso do foco de atenção equilíbrio corporal. Em síntese, diríamos que o autocuidado foi a área de atenção à qual os enfermeiros mais recorreram para descrever as necessidades de cuidados dos clientes. No entanto, a falta de sistematização de atividades de diagnóstico inerentes ao foco autocuidado, podia de alguma forma influenciar a qualidade do processo de diagnóstico. A

15

Autocuidado “arranjar-se” é um tipo de autocuidado higiene com as características específicas: tomar cuidado com apresentação, manter o cabelo, a barba e bigode bem cuidados, lavados, penteados, lisos ou frisados, limpar cortar e limar as unhas, aplicar desodorizante, cosméticos e pinturas, manter a roupa limpa, sem cheiro e arrumada, verificar a aparência no espelho (ICN, 2002, p. 55).

176

presença de um agrupamento de dados que favorecesse o esboço mental de inferência diagnóstica e a especificação dos diagnósticos validados era fundamental para a nomeação de diagnósticos de enfermagem com os seus descritores específicos e essencial para fundamentar os diagnósticos com evidência (Alfaro-Lefevre, 2005). A inexistência de uma estratégia partilhada de atividades de diagnóstico baseada num conhecimento formal não permitiu verificar a coerência dos diagnósticos a partir dos dados utilizados, pois a estratégia utilizada para a recolha de dados era sustentada pela visão de cada enfermeiro. “…Cada um avalia como sabe e como acha

melhor…” (NC5).

É evidente que a não utilização de um instrumento que sistematizasse a avaliação da dependência para o autocuidado poderia levar às dificuldades inerentes de uma atividade diagnóstica com características subjetivas como: a falta de rigor no gradiente de dependência; a identificação da necessidade de cuidados das pessoas com desvalorização de aspetos relevantes para a promoção da autonomia e a utilização de um discurso menos efetivo na continuidade dos cuidados.

Procedemos de seguida à análise das restantes dimensões diagnósticas associadas ao foco de atenção de enfermagem “autocuidado”, tendo verificado que, dos 1494 diagnósticos enunciados, no âmbito do autocuidado, 906 (60,6%) estavam relacionados com a dimensão do conhecimento16 e da aprendizagem de capacidades17 com a especificação, para adquirir estratégias adaptativas no autocuidado, e tinham associado o juízo de “demonstrado” e “não demonstrado” (ICN, 2002). Salienta-se que na parametrização do SAPE, o juízo de demonstrado é operacionalizado por fenómeno de enfermagem que é evidenciado como um comportamento publicamente observável (ICN, 2002).

16 Conhecimento é um conteúdo específico do pensamento com base em sabedoria adquirida ou em informação e competências aprendidas, domínio e reconhecimento da informação (ICN, 2002). 17

Aprendizagem de capacidades é um processo de adquirir competências no domínio de atividades práticas associada a treino, prática e exercício (ICN, 2002).

177 A tabela 29 apresenta a distribuição absoluta e relativa de enunciados de diagnóstico no domínio do conhecimento e da aprendizagem de capacidades, referente aos focos de atenção, no domínio do autocuidado, tendo por base o juízo de “demonstrado”.

Tabela 29 - Enunciados de diagnóstico na dimensão do conhecimento e da aprendizagem de capacidades por domínio do autocuidado (1º momento de avaliação)

Domínios do autocuidado Conhecimento /aprendizagem de capacidades Não demonstrado Conhecimento /aprendizagem de capacidades Demonstrado Total Vestir-se e despir-se 80 (50,3%) 79 (49,7%) 159 (100%) Higiene 78 (50%) 78 (50%) 156 (100%) Usar o sanitário 74 (52,5%) 67 (47,5%) 141 (100%) Transferir-se 68 (51,1%) 65 (48,9%) 133 (100%)

Andar com auxiliar de

marcha 51 (51%) 49 (49%) 100 (100%)

Usar cadeira de rodas 40 (49,4%) 41 (50,6%) 81 (100%)

Alimentar-se 26 (53,1%) 23 (46,9%) 49 (100%)

Andar 23 (52,3%) 21 (47,7%) 44 (100%)

Posicionar-se 22 (51,2%) 21 (48,8%) 43 (100%)

Total 462 (51%) 444 (49%) 906 (100%)

A leitura da tabela 29 permite concluir que a frequência de enunciados de diagnóstico no domínio do conhecimento e da aprendizagem de capacidades, com o juízo de não demostrado, é muito semelhante à frequência de enunciados de resultado, com o juízo de demonstrado. Os enunciados de resultado traduzem, por isso, melhoria do conhecimento e da capacidade para lidar com situações de dependência, no sentido da promoção da autonomia para o autocuidado.

No entanto, como pretendíamos identificar as estratégias adaptativas que foram ensinadas e treinadas com os clientes, que tinham permitido os ganhos em conhecimento e em capacidades, recorremos à análise de conteúdo das notas gerais de enfermagem. Contudo, não obtivemos qualquer registo, facto justificado pelos enfermeiros através dos seguintes comentários: “…Até podíamos escrever em notas

178

estratégia com o seu cliente para o momento e pronto…” (NC6); “Acho que deveria ser efetivamente documentada a estratégia que estamos a desenvolver com a pessoa” (NC7); “E se a estratégia que estamos a desenvolver estivesse já parametrizada, por exemplo, associada às intervenções, como norma para realizar a intervenção?” (NC8); “Parece- me uma boa ideia. Penso que assim a continuidade que poderíamos obter no ensino e no treino da estratégia adaptativa seria muito mais efetiva para a pessoa” (NC9); “É verdade. Já ouvi os clientes dizerem: «ontem ensinaram-me desta forma, hoje você ensina de outra forma». O que pode ser complicado para as pessoas…” (NC10).

A ausência no serviço de produtos de apoio, capazes de promover a autonomia em alguns dos domínios do autocuidado foi, na opinião dos enfermeiros, um aspeto dificultador no processo de planeamento de estratégias adaptativas, face aos défices apresentados pelos clientes, como nos referiram alguns enfermeiros: “…Acho que podíamos ter aqui umas escovas com cabos longos para ajudar os

clientes a lavarem as costas…” (NC11); “Além disso existem muitos outros equipamentos que promovem a independência das pessoas no vestir-se e no arranjar-se, por exemplo.” (NC12).

Deste modo e reportando-nos aos dados deste relatório, percebemos que existiam outros fatores de influência no processo de recuperação da autonomia para o autocuidado. Alguns desses fatores vão muito para além do compromisso dos processos corporais que condicionaram o grau de dependência no autocuidado identificado pelos enfermeiros. Avançamos na análise à documentação dos enfermeiros, no sentido de identificar outros focos de atenção, para além do conhecimento e aprendizagem de capacidades, que revelassem elementos relacionados com respostas humanas à situação de dependência, pelo reconhecimento da elevada influência destes elementos na concretização do potencial de recuperação da autonomia para o autocuidado das pessoas dependentes. A tabela 30 apresenta a frequência destes diagnósticos documentados pelos enfermeiros, que traduzem respostas humanas à situação de dependência, como fatores intrínsecos de influência no processo de recuperação da autonomia

179 dos participantes (referenciados no estudo prévio apresentado no ponto 3.4.), num total de 25 enunciados diagnósticos.

Tabela 30 - A frequência dos diagnósticos que indicam respostas humanas à situação de dependência

Diagnósticos Frequência

Ansiedade presente 3

Autocontrolo: medo ineficaz 2

Personalidade lábil presente 6

Tristeza presente 10

Aceitação do estado de saúde diminuída 2

Auto estima diminuída 2

Total 25

De acordo com os dados da tabela percebemos que esta foi uma área de atenção dos enfermeiros pouco documentada no SAPE. Durante a apresentação do facto, os enfermeiros revelaram que os conteúdos das atividades de diagnóstico realizadas eram definidos individualmente, baseando-se sobretudo na experiência e na formação de cada enfermeiro e nas oportunidades do contexto. Para além disso, no momento da conceção de cuidados, as áreas de atenção prioritárias variavam entre avaliação do grau de dependência para o autocuidado, as prescrições terapêuticas e a gestão de sinais e sintomas. A identificação de respostas humanas à situação de dependência e, por conseguinte, os fatores de influência na recuperação da autonomia para o autocuidado foram uma área muito pouco considerada no processo de conceção de cuidados, como nos reporta a seguinte afirmação: “Sabemos que são

áreas importantes, mas estamos sempre mais preocupados com as questões da dependência para o autocuidado e em identificar situações que possam indicar agravamento da situação” (NC13).

Esta baixa representatividade no SAPE de focos de atenção que traduzem respostas humanas à situação de dependência estava associada à dificuldade expressa pelos enfermeiros em identificarem, nomearem e procederem à documentação de diagnósticos de enfermagem nestes domínios, referindo: “…Também são tão

180

subjetivos que temos dificuldade em os documentar” (NC14); “Nunca tinha falado desta forma em respostas humanas e em fatores de influência no autocuidado, nunca tinha pensado desta forma”. (NC15).

Deste modo, a análise à documentação dos enfermeiros permitiu perceber um modelo de conceção de cuidados, distante de um modelo centrado nas respostas humanas à situação de dependência para o autocuidado, onde se engloba também os fatores de influência na promoção da autonomia, reforçado pela afirmação de um enfermeiro que refere: “…Não documentamos muito sobre estas áreas…” (NC16).