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CAPITULO 2. ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO

2.1. Paradigma de Investigação

O desenvolvimento do conhecimento tem sido abordado de várias formas ao longo da história da ciência. Esta evolução foi orientada por um conjunto de valores, convicções e normas partilhadas pelos membros da comunidade na qual os investigadores se inseriam(Guba & Lincolin, 1994), isto é, pelo paradigma adotado. Um paradigma pode ser visto pela forma como o investigador “…aborda o mundo com um conjunto de ideias, uma estrutura (teoria, ontologia) que especifica um conjunto de questões (epistemologia) que são examinadas de formas específicas (metodologia). “A rede que contém os pressupostos ontológicos, epistemológicos e metodológicos…” (Denzin & Lincoln, 2000, p. 18) do investigador pode ser denominada de paradigma.

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O paradigma enforma o pensamento, implícito ou explícito, de uma investigação, ou seja, deve ser entendido como um sistema de crenças, pressupostos e princípios, intrinsecamente relacionados, que nos ajudam a perceber a natureza da realidade investigada (pressuposto ontológico); o modelo de relação entre o investigador e o investigado (pressuposto epistemológico) e a forma como se realiza a aproximação da realidade (pressuposto metodológico) (Guba & Lincoln, 1994).

O conjunto básico de crenças que caracterizam um paradigma orientam-nos para a ação, e por isso, ao optarmos por um paradigma em detrimento de outro não estamos senão a olhar para uma dada face da realidade. No entanto, a mesma realidade poderá revelar outra perspetiva, se a olharmos de forma diferente. Relativamente à Enfermagem, as reflexões acerca dos paradigmas associados são importantes para responderem às questões da disciplina e para ajudarem a compreender a forma como se faz a ciência. Neste caso, temos assistido a um desenvolvimento da disciplina baseado em diferentes paradigmas, não só numa lógica de rutura e de prevalência de uns paradigmas sobre os outros, mas também numa lógica colaborativa, com a finalidade de viabilizar o desenvolvimento do conhecimento face à diversidade dos fenómenos com interesse para a disciplina (Monti & Tingen, 1999; Meleis, 2007). A enfermagem necessita das visões proporcionadas por diferentes paradigmas para a resolução dos problemas clínicos complexos com que os enfermeiros se debatem no seu dia-a-dia. Uma visão unívoca é reducionista, ao passo que a existência de múltiplos paradigmas na Enfermagem aumenta a riqueza da exploração porque encoraja a criatividade, estimula o debate, a troca de ideias e a diversidade de olhares (Monti & Tingen, 1999).

Neste sentido, Meleis (2007) pretende ultrapassar a discussão, acerca deste ponto, propondo a integração das diferentes visões paradigmáticas para o desenvolvimento da disciplina e da profissão, com base num consenso em torno das áreas essenciais que caracterizam o domínio da Enfermagem. Salienta que há aspetos onde existe acordo, como no desenvolvimento do conhecimento, que deve estar centrado na

prática clínica, que em conjunto com a investigação, a educação e o ensino devem

incorporar a disciplina de Enfermagem. Há, igualmente, aspetos onde prevalece o desacordo, como por exemplo, as metodologias que são mais congruentes com as

79 áreas de Enfermagem ou o seu posicionamento filosófico. Neste contexto, diferentes visões paradigmáticas têm contributos diferentes para o desenvolvimento do conhecimento. Simultaneamente, uma outra característica única tem a ver com o facto de, como profissão, existir num sistema aberto e ser influenciada e responsável pelas necessidades das sociedades, a todo o tempo. Dessa forma, não se poderá excluir um paradigma em favor de outro, devendo considerar-se preferível a integração de todos, o que facilitará o dinamismo na produção do conhecimento. Para Meleis (2007, p. 3) “As disciplinas devem ser dinâmicas, para responderem às necessidades e mudanças emergentes da sociedade e a novas exigências impostas pelos movimentos populacionais e à transformação de ordem global”.

Quando implementamos uma investigação não podemos unicamente conhecer os aspetos metodológicos, o paradigma deve orientar o investigador nos aspetos ontológicos e epistemológicos, ou seja, é a questão onto-epistemológica, que se refere à natureza do problema, que leva à decisão metodológica, tendo em conta as orientações epistemológica/filosófica e processual. Porém, estes aspetos devem estar sempre intrinsecamente relacionados, e o investigador deve aplicar posturas ajustadas aos pressupostos que sustentam o paradigma de investigação e o nível ontológico deve orientá-lo para a seleção de posturas consonantes com os planos epistemológicos e metodológicos.

Para o desenvolvimento deste estudo partimos de um pressuposto inicial que seria possível avançar no sentido de um modelo de ação dos enfermeiros capaz de potenciar a autonomia dos clientes dependentes para o autocuidado, durante o tempo de internamento na Unidade de Convalescença. Este modelo de intervenção deveria ser útil, para a prática, dando resposta às necessidades de autocuidado e promovendo o potencial de recuperação dos clientes. Por isso, adotamos um paradigma construtivista como orientação para o desenvolvimento da investigação.

Deste modo, a problematização das questões investigáveis surge da análise reflexiva da prática dos enfermeiros junto das pessoas em situação de dependência para o autocuidado. Estas sustentam a ação e a inovação como elementos fulcrais da produção de conhecimento, num processo contínuo de construção de

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significados que permite a inclusão da informação e a capacidade de a utilizar em novas situações.

Numa perspetiva construtivista importa lidar com os dados que emergem dos processos de mudança num determinado contexto, onde se assume que investigador e objeto de estudo não são entidades independentes, nem as variáveis passíveis de controlo e manipulação (Silva, 2006). O construtivismo tem tido sempre a preocupação com a detenção da experiência vivida pelos atores sociais, dando prioridade à compreensão dos fenómenos e não à explicação causal dos mesmos. O investigador tem uma participação ativa enquanto criador dos objetos estudados, ou seja, não é neutro e o mundo vivido é uma representação construída a partir da interação dos agentes de investigação e dos agentes investigados (Silva, 2006; Sousa, 2006; Marques, 2011; Sousa, 2012; Padilha, 2013).

Com origem em Immanuel Kant (1724-1804), a visão construtivista do conhecimento coloca em evidência o papel daquele que pretende conhecer, não como um sujeito passivo, exterior à realidade, mas alguém que constrói uma interpretação da realidade, defendendo que a realidade em torno do sujeito é também uma construção. Deste modo, justifica-se que a adoção por esta visão residiu não apenas na natureza da investigação propriamente dita, mas também no percurso que desenvolvemos com a preocupação de crescimento e envolvimento dos interessados nos resultados da investigação. A responsabilidade do conhecimento produzido foi repartida com os enfermeiros, através da sua participação na criação dos sentidos da realidade e do uso que fazem do saber adquirido. O nosso papel enquanto investigador centrou-se na análise e na construção de novas representações da realidade e na transferência aos enfermeiros do conhecimento que se foi adquirindo. Face ao objetivo proposto para este estudo: desenvolver conjuntamente com os enfermeiros, que trabalham o contexto dos cuidados continuados, um modelo de intervenção promotor da autonomia da pessoa dependente para o autocuidado e construir esse conhecimento, só era possível através do envolvimento ativo do investigador com os enfermeiros que se encontravam a prestar cuidados no contexto específico. Para isso, era necessário identificar o modelo em uso onde se

81 desenvolviam os cuidados, definindo e implementando a mudança na forma e conteúdo considerada adequada.

Contudo, importava caracterizar a dependência para o autocuidado dos clientes internados na Unidade Convalescença, conhecer os dados que os enfermeiros consideram relevantes para identificação diagnóstica no domínio do autocuidado, quais as intenções que direcionam as suas ações; e quais as intervenções que implementam face às necessidades em cuidados, identificadas. Interessava igualmente conhecer os fatores que interferem com as suas opções e, portanto, influenciam a sua gestão assistencial.

Antevíamos como possível a necessidade de processos de mudança na conceção de cuidados com enfoque no autocuidado, num contexto de investigação em que o investigador e os enfermeiros analisassem os dados, refletindo sobre e na ação e fazendo emergir um modelo de intervenção, promotor da autonomia dos clientes dependentes para o autocuidado. Desta forma, as escolhas metodológicas deviam ter por base exclusiva a necessidade em desvendar o que estava oculto e a sua adequação para alcançar essa aspiração.

Importava também ter presente que a pesquisa se desenrolou num dado local, com uma cultura e organização, num certo período de tempo e circunstâncias, com umas determinadas pessoas, investigador e os enfermeiros envolvidos na investigação o que, por si, fez emergir dados que importava saber gerir, j á que num processo construtivista, não é possível nem desejável controlar ou manipular qualquer das variáveis envolvidas. Dada a envolvência do investigador e dos enfermeiros na investigação, nos processos de pesquisa e de mudança, tinha que existir uma reengenharia de dinâmicas e a geração de consensos entre ambos, necessários à construção interpretativa dos dados que iam emergindo de todo o processo de análise.

A natureza qualitativa desta investigação não constituiu obstáculo para a inclusão de procedimentos estatísticos. A utilização deste tipo de procedimentos foi fundamental. Foram utilizados dados combinados provenientes de um instrumento de avaliação da dependência para o autocuidado, de entrevistas, de notas de campo e da análise documental produzida pelos enfermeiros durante a conceção de cuidados, no período

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em que decorreu o trabalho de campo. Sem esta complementaridade, não seria possível obter os dados que pretendíamos. A lógica de triangulação, neste caso de técnicas e dados, permite ao investigador usar, entre outros, a estatística e reflete uma tentativa de melhor entendimento do objeto de estudo (Denzin & Lincoln, 1994). Pretendíamos partir da realidade dos cuidados de enfermagem numa unidade de cuidados continuados e, com os enfermeiros que os concebem e implementam, identificar o modelo em uso, as oportunidades de mudança e as estratégias de resposta a essas necessidades. Como em outras pesquisas (Silva, 2006; Sousa, 2006; Marques, 2011; Pereira, 2011; Sousa, 2012; Padilha, 2013), a Investigação-ação (IA) pareceu-nos um processo adequado já que nos interessava uma metodologia que se fundamentasse no facto dos processos sociais complexos serem melhor compreendidos quando estudada e observada a mudança num dado contexto da prática clínica.