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CAPITULO 2. ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO

2.4. O desenho do estudo

Ao referir-se à IA, naturalmente que Lewin (1946) não pôde deixar de especificar a questão da mudança, porque uma e outra surgem em simultâneo nos seus trabalhos, com a necessidade de colaboração entre o investigador, os educadores, e os intérpretes da mudança. Desta forma, quando Lewin descreve o processo de mudança, considera três etapas, a primeira pode ocorrer quando alguns dos aspetos atuais da prática dão origem à insatisfação, culpa, ansiedade, apreensão e contrariedade nos participantes. Nesta fase, os atores começam a perceber que a mudança é necessária e importante para o sucesso do contexto. A etapa seguinte

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engloba a mudança e a passagem para outro nível. Um plano detalhado de mudança é construído e a mudança é executada, levando à alteração do estado do grupo. A última etapa ocorre quando as mudanças são incorporadas no grupo originando novos comportamentos e novos valores.

Neste estudo, para a consecução da mudança recorremos à utilização do modelo II de Argyris (1995), em detrimento do modelo I, que é descrito como conduzindo às seguintes consequências: relações defensivas, fraca liberdade de escolha, reduzida produção de informação válida e reduzida verificação pública de ideias, o que não beneficia a mudança. Apesar da evidência sugerir que as teorias em uso são consistentes com o Modelo I, a maior parte dos estudos expõem o Modelo II (Silva, 2006; Sousa, 2006; Marques, 2011; Padilha, 2013). Este modelo está alicerçado nos valores da informação válida, escolha livre e informada e vinculação interna à decisão; e nas estratégias de controlo partilhado dos processos e participação no desenho e na implementação da ação. O sucesso da sua utilização encontra-se demonstrado na implementação de mudanças em outros contextos de cuidados em Portugal (Silva, 2006; Sousa, 2006; Marques, 2011, Sousa, 2012; Padilha, 2013). Utilizamos as variáveis e estratégias do Modelo II, centradas na predisposição dos enfermeiros para a análise e gestão da informação, assente na disponibilidade para questionar o existente, na incorporação do seu ponto de vista, na explicitação das decisões tomadas e na disponibilidade para testar o seu contexto da ação (exposição à avaliação dos outros). Nesta pesquisa, a informação válida, a escolha livre e informada, e o comprometimento interno, foram os alicerces que potenciaram a defesa dos propósitos, a confrontação de ideias, de opiniões e de emoções. Estes alicerces viabilizaram a construção de soluções válidas que promoveram o compromisso interno dos enfermeiros.

Em simultâneo e de acordo com Silva (2006) viabilizamos um ambiente onde os participantes pudessem ser originais e pudessem experimentar o sucesso e o controle da situação; pudessem exercer um controlo partilhado dos processos e uma proteção de cada participante orientado para o desenvolvimento e para a produção direta de categorias observáveis. Tivemos ainda em consideração que o comportamento baseado em conhecimento se pode modificar principalmente através de processos

91 normativos/reeducativos, centrados na ideia que as normas constituem a base do comportamento e que a mudança ocorre através de um processo de reeducação, sendo para isso necessário que a reflexão profunda sobre as crenças e as práticas, através da partilha e do diálogo se tornem numa prática comum (Sousa, 2006).

Partimos para o trajeto de mudança convictos das dificuldades salientadas por Argyris & Shon (1982) em construir modelos de teorias em uso, baseadas na importância das pessoas pensarem e refletirem de forma crítica sobre as práticas, aspeto que não é habitual e contraria muito do que as pessoas aprendem acerca da compreensão e gestão dos comportamentos. Desta forma, foi nossa premissa insistir no desenvolvimento da atitude reflexiva por parte dos enfermeiros no sentido da interpretação dos seus contextos reais. Em todo o percurso tivemos presente que as formas mais participativas aumentam o envolvimento e os compromissos dos participantes pelo aumento da vinculação aos mesmos (Silva, 2006).

O estudo foi projetado de forma a integrar as cinco fases sequenciais da metodologia de IA, descritas anteriormente: diagnóstico, planeamento, implementação, avaliação e identificação do adquirido, tendo decorrido entre outubro de 2010 e outubro de 2013. As fases constituintes deste trajeto de IA estão inter-relacionadas, e cada uma procura dar resposta a objetivos específicos que descreveremos com mais pormenor. A partir desses objetivos surgiram as opções relativas às estratégias de recolha e de análise dos dados obtidos, bem como a síntese operativa que nos permitiu avançar para as fases seguintes.

A fase de diagnóstico (fase 1) corresponde à fase de identificação do problema e foi basilar e determinante para o evoluir de todo o processo. Decorreu entre outubro de 2010 a outubro de 2011. Nesta fase tínhamos como objetivo geral clarificar a natureza e o contexto do problema e identificar as oportunidades de mudança. Como objetivos específicos pretendíamos: (a) - Identificar as necessidades de cuidados decorrentes da dependência para o autocuidado, em dois momentos distintos do internamento na Unidade de Convalescença (admissão e alta) e, por conseguinte, caracterizar os ganhos em autonomia para o autocuidado adquiridos pelas pessoas durante este período de tempo, utilizando para isso um instrumento de avaliação da dependência para o autocuidado; (b) - Reconhecer fatores de influência no processo

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de recuperação da autonomia, inferidos pelos clientes, que vivenciaram uma transição saúde/doença face a um evento gerador de dependência para o autocuidado, pelo que foram realizadas entrevistas, no domicílio, de algumas pessoas que tinham estado internadas na Unidade de Convalescença; (c) - Caracterizar o modelo de cuidados em uso, para isso avaliamos a representatividade do foco autocuidado, na documentação dos enfermeiros, através da análise dos registos produzidos no sistema de informação de apoio à tomada de decisão, durante o período de tempo descrito. Seguidamente, surge a necessidade de um processo de reflexão onde foi integrada a evidência empírica e a teoria disponível sobre a temática. Desta forma, as oportunidades de desenvolvimento foram sendo identificadas, na medida em que acrescentavam mais propriedade teórica e adequação face ao modelo de cuidados em uso, reconhecendo-se assim a oportunidade de desenvolvimento e mudança da prática.

A fase de planeamento (fase 2), desenvolvida entre setembro de 2011 a dezembro de 2011, foi essencial para determinar as estratégias conducentes à mudança. Os resultados que emergiram na fase 1 foram disponibilizados e discutidos com os enfermeiros, viabilizando a identificação do problema e as oportunidades de intervenção e de desenvolvimento da prática clínica, através de uma dinâmica de reuniões previamente planeadas com os enfermeiros envolvidos na investigação. Os dados que iam sendo produzidos foram apresentados sequencialmente e planeadas as etapas seguintes. Nestes encontros, o fornecimento de informação válida aos enfermeiros, resultante da revisão da literatura e dos dados recolhidos no momento anterior, assumiu uma natureza relevante para as escolhas que foram necessárias realizar. Por outro lado, os dados e a interpretação dos mesmos foram partilhados de forma a proteger os participantes, o que denotou que os enfermeiros foram responsáveis pelas opções, permitindo vincularam-se à ação. Deste modo, foi possível identificar as oportunidades de desenvolvimento da prática de enfermagem e planear as estratégias de mudança das mesmas. Com estas estratégias estabeleceram- se formas de suporte à tomada de decisão, centradas no foco autocuidado e suas dimensões, preferencialmente sustentadas em atividades de diagnóstico que sistematizavam a recolha de dados.

93 As estratégias planeadas, consideradas as alternativas de ação para proporcionar o desenvolvimento ou resolver os problemas identificados, foram desenvolvidas na fase de implementação (fase 3) que decorreu entre janeiro 2012 a novembro de2012. No momento, tivemos a perceção de que as estratégias orientadas para as oportunidades de desenvolvimento deveriam, prioritariamente, ser aceites e integradas pelos enfermeiros da unidade, sendo também fundamental por parte destes profissionais a perceção da necessidade de mudança, a motivação para a mudança e o sentido de que eram capazes de o fazer (Sousa, 2006). Mediante a implementação das estratégias planeadas, estas foram sempre acompanhadas por discussões de grupo e até de esclarecimento individual com os enfermeiros, aspetos que se tornaram facilitadores do processo de mudança.

A consciência de que a transmissão de dados produzidos, por si só, dificilmente produziria modificações de atitudes e de que o défice de conhecimento poderia constituir um obstáculo à implementação de mudanças, surgiu a necessidade de na fase três desenvolver atividades formativas. Realçarmos a importância dos locais de trabalho para a construção de trajetórias profissionais e formativas, através de processos informais de educação, em particular dos saberes construídos na e sobre a ação, no que se traduziu num “olhar diferente sobre a formação em enfermagem” (Sousa, 2006, p. 152).

Por sua vez, surgiu a fase de avaliação do impacto da mudança (fase 4), entre maio de 2013 a dezembro de 2013. Nesta fase, o objetivo foi analisar o resultado das estratégias implementadas durante o processo de mudança e salientar a avaliação pré (que permitiu o diagnóstico de situação e identificação das áreas de intervenção) e a avaliação pós (com utilização dos mesmos instrumentos anteriores e associação das notas de campo). Por fim, procedemos à identificação do adquirido (fase 5), em dezembro de 2013 até setembro de 2014, momento final deste relatório. Esta traduziu-se na revisão dos resultados, após a sistematização do adquirido com as mudanças efetuadas nas práticas de enfermagem. A partir destes, apresentou-se o conhecimento gerado: um modelo de intervenção promotor da autonomia para o autocuidado.

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A figura 5 apresenta de forma esquemática os objetivos que se pretendiam atingir em cada uma das fases da IA, responsáveis pela viabilização do projeto em estudo.

Figura 5 - Representação esquemática do estudo