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CAPITULO 1. A PROMOÇÃO DA AUTONOMIA DA PESSOA

1.2. A investigação sobre o autocuidado

1.2.2. Fatores que influenciam o autocuidado

Pensar em estratégias facilitadoras da promoção da autonomia da pessoa dependente para o autocuidado requer conhecimento sustentado acerca do assunto, pelo que, torna-se inevitável perceber quais os fatores identificados pela literatura que influenciam o autocuidado das pessoas. Dos estudos analisados, muitos tinham por finalidade identificar ou relacionar esses mesmos fatores. Pelo que se percebeu, estes fatores não surgem isoladamente, aparecem muitas vezes em simultâneo e interagindo uns com os outros (Borg, Hallberg, & Blomqvist, 2006). Assim, um evento súbito que leva a pessoa a depender de outra pode ser considerado um marco ou ponto de referência para a identificação desses mesmos fatores (Proot et al., 2000b).

Na literatura foi possível encontrarmos inúmeros fatores capazes de influenciar o envolvimento e a atividade de autocuidado das pessoas, podendo facilitar ou dificultar a prática do autocuidado, remetendo para aspetos que podem ser

43 intrínsecos ou extrínsecos à pessoa, isto é, estarem relacionados com a pessoa ou com o ambiente (Proot et al., 2000b).

Assim, e de acordo com a literatura (Proot et al., 2000b; Backman & Hentienen, 2001; Orem, 2001; Chou & William, 2004; Sacco-Peterson & Borel, 2004; Callaghan, 2006; Hoy et al., 2007; Petronilho, 2012), consideramos como fatores relacionados com a pessoa:

Fatores físicos - capacidades psicomotoras e estado funcional;

Fatores psicológicos - personalidade, autoestima, perceção da autoeficácia, motivação, força de vontade, autoconceito, autodisciplina, confiança, satisfação com a vida, iniciativa e responsabilidade;

Fatores cognitivos - capacidade para aprender, memória, capacidade de procurar informação e capacidade de tomar decisões;

Fatores demográficos - idade e sexo.

Por outro lado, como fatores relacionados com o ambiente incluímos:

Fatores sociais - as redes de suporte formal (profissionais de saúde) e a rede de suporte informal (família, amigos e vizinhos);

Fatores económicos - condições económicas

Os fatores considerados como facilitadores do envolvimento e da prática de autocuidado referidos encontravam-se relacionados: com uma maior capacidade funcional para desempenhar o autocuidado; destreza no desempenho; melhores estilos de vida; um envelhecimento mais ativo; uma melhor aceitação do futuro; melhores relações familiares; melhor satisfação com a vida e a perceção positiva de autoeficácia (capacidade para se auto cuidar). Este último está relacionado com um sentimento pessoal de sucesso perante um conjunto de competências desencadeadas como resposta a uma determinada situação, que permite aos indivíduos aumentar a capacidade para desempenhar atividades de autocuidado, com maior controlo das situações relacionadas com a vida e conquista dos objetivos pessoais (Backman & Hentienen, 1999; Hoy et al., 2007; Petronilho, 2012). É de salientar que os indivíduos com uma maior perceção de bem-estar identificam melhor os seus objetivos de vida, têm maior dedicação aos mesmos e maior sensação de sucesso na

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sua concretização, em contrapartida, a sua ausência conduz à perda do sentido de vida e apatia (Nair, 2003).

Ainda na vertente dos fatores que facilitam o autocuidado, os estudos revelaram que o sexo feminino está associado a melhores comportamentos de saúde, melhor autoeficácia e maior capacidade de autocuidado. No entanto, estes aspetos vão diminuindo à medida que a pessoa vai envelhecendo (Callgahan, 2005). Também os fatores cognitivos relacionados com a capacidade de aprendizagem, a memória, a organização pessoal, os conhecimentos adquiridos e a capacidade de procurar informação são considerados como fatores facilitadores do autocuidado (Jaarsma et al., 2000; Proot et al., 2000a; Proot et al., 2000 b; Chou & William, 2004; Bridget, McGill, Stuart, Dorothy, & Nora, 2009).

Outros fatores evidenciados como facilitadores do autocuidado foram o apoio proporcionado pela família, amigos e vizinhos que é considerado vital (Sacco- Peterson & Borel, 2004; Wykes, Pryor, & Jeewody, 2009), a disponibilidade de acesso a recursos materiais e um maior nível de suporte social. Paralelamente, o apoio dado pelos profissionais de saúde foi considerado como fundamental para motivar as pessoas para o autocuidado (Nair, 2003).

Outros estudos revelaram aspetos considerados dificultadores do envolvimento e da prática de autocuidado, nomeadamente, a existência de uma personalidade “pessimista”, que poderá fazer com que estes clientes não procurem cuidados de saúde, dado considerarem que não vale a pena fazer mais nada, tornando-se pouco recetivos às terapêuticas de saúde (Backman & Hentienen, 1999; Jaarsma et al., 2000). Neste âmbito, enquadram-se indivíduos com história de vida mais dura, pior atitude face ao envelhecimento, pior satisfação com a vida, menos comportamentos de autocuidado. São também referenciados outros aspetos como dificultadores do autocuidado: sentimentos de tristeza; a depressão; a angústia; a falta de esperança; o agravamento dos sintomas; a solidão; o medo; o baixo nível educacional; a falta de recetividade e as expectativas negativas; o estado emocional negativo e o sentir-se um leigo (Proot et al., 2000b; Backman & Hentienen, 2001; Bridget et al., 2009). Por último, destacamos a referenciação de outros fatores dificultadores para o autocuidado, como: as más condições habitacionais; a baixa capacidade

45 financeira ou baixo nível socioeconómico; o contexto das instituições (rotinas nos cuidados, limitações de tempo, falta de privacidade e falta de envolvimento da família); estratégias dos profissionais de saúde (atitudes de paternalismo, falta de informação, avaliação e deliberação); e as estratégias da família (atitudes de superproteção) (Proot et al., 2000b; Proot, Abu-Saad, Van Oorsouw, & Stevens, 2002; Bridget et al., 2009).

O perfil de autocuidado surge na literatura como sendo um fator de influência para o autocuidado dos idosos. Backman and Hentienen (1999) realizaram um estudo de natureza qualitativa com uma amostra de 40 idosos com idade igual ou superior a 75 anos, que viviam no domicílio. Este estudo teve como objetivo desenvolver um modelo explicativo sobre o perfil de autocuidado dos idosos. O autocuidado destes idosos centrava-se sobretudo no cuidar da sua condição de saúde e na realização das atividades de vida diária, sendo considerado como pré-requisitos do autocuidado: a capacidade funcional; a experiência de vida; a personalidade; a atitude para com os outros; o processo de envelhecimento; as expetativas futuras e a autoestima. Dos resultados do estudo emerge um modelo que engloba quatro perfis de autocuidado, com razões e significados diferentes para a ação: Autocuidado responsável (responsible self-care); Autocuidado formalmente guiado (formally guided self-care); Autocuidado independente (independent self-care); Autocuidado abandonado (abandoned self-care)(Backman & Hentienen 1999; Backman & Hentienen, 2001; Backman et al., 2007; Zeleznik, 2007; Zeleznik, D.; Zeleznik, U.,& Stricevic, 2010). O Autocuidado responsável engloba pessoas que se responsabilizam por todas as

atividades de vida diária, cuidam da saúde e da doença (responsáveis pelo regime terapêutico, medicamentoso e de tratamento), interessam-se por saber o motivo dos seus sintomas, os benefícios e as complicações do regime terapêutico proposto pelo profissional de saúde. Assim, com base na informação, conhecimento e significado que atribuem, podem tomar as melhores decisões sobre a adesão ou a não adesão ao que lhe é proposto. Os idosos com este perfil de autocuidado, quando percecionam algo de errado na sua saúde, têm uma atitude ativa, procurando imediatamente o apoio que consideram necessário e a informação relacionada com as causas dos seus sintomas, reconhecendo-se nos idosos um envolvimento muito ativo com os

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profissionais de saúde. As atividades diárias são encaradas por estas pessoas como tarefas realizadas com muito prazer. Neste perfil de autocuidado, as pessoas incorporam estilos de vida saudáveis, como manter uma dieta saudável, interesse na prática de exercício físico e preocupações com o ambiente. O pré requisito para este perfil de autocuidado é a orientação positiva face ao futuro e uma perspetiva positiva face ao envelhecimento, mesmo que em algum momento das suas vidas os idosos experienciem acontecimentos menos positivos, mas que são reconhecidos e valorizados como momentos de aprendizagem significativos. Durante a sua vida ativa, há uma valorização da sua vida laboral e sentem-se respeitados. Uma vez que dedicaram grande parte do seu tempo à atividade profissional, após a reforma, desejam ocupar os seus tempos livres na concretização de projetos que tiveram necessidade de adiar, considerando o facto de serem idosos uma nova forma de liberdade. Estas pessoas demonstram vontade para continuar a viver como agentes socialmente ativos e têm uma boa relação com a rede familiar e os amigos, reportam experiências positivas no passado, têm confiança no futuro e aguardam o apoio vindo dos outros se assim for necessário.

O autocuidado formalmente guiado engloba os indivíduos que cumprem as

recomendações no sentido da promoção da saúde e as tarefas de vida diária de uma forma acrítica e rotineira. Estas pessoas revelam uma atitude passiva, não se empenhando em obter informação para melhor compreensão acerca do regime terapêutico prescrito, nomeadamente: efeitos secundários da medicação, preparação semanal da medicação, a razão do tipo de alimentos sugeridos e a evitar na dieta recomendada. Este perfil de autocuidado é determinado por idosos que ao longo do seu ciclo vital tiveram experiência de cuidadores, o que ao longo do tempo os levou a terem dificuldades em identificar as suas próprias necessidades. São idosos que experimentam um envelhecimento realista, aceitam de forma tranquila e com resignação a deterioração e as limitações físicas e cognitivas associadas ao processo de envelhecimento como sendo normal. Assim, apesar de se empenharem em manterem-se ativos, desempenham as rotinas diárias e mantêm-se o mais tempo possível nos seus lares, perspetivando que no futuro terão de ter apoio, podendo este passar pela institucionalização.

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O autocuidado independente – baseia-se no desejo dos idosos em ouvir a sua própria voz. Colocam grandes dúvidas sobre as recomendações terapêuticas dos profissionais

de saúde, pois gerem os seus processos de saúde-doença e as atividades de vida diária de uma forma muito independente. Não procuram os profissionais de saúde quando confrontados com algo de errado em relação à sua saúde e bem-estar, tentando encontrar respostas por si próprias e de acordo com as suas experiências de vida e crenças (de saúde e socioculturais). Muitas das vezes parecem ignorar ou não querem mesmo valorizar sinais e sintomas de doenças. Consideram as experiências ao longo da vida a melhor escola da vida. Os idosos com este perfil de autocuidado foram sempre independentes e determinados ao longo da sua vida relativamente à sua saúde, à sua atividade profissional ou mesmo nas suas relações sociais. O significado por eles atribuído à sua independência é manterem-se vivos, negando o próprio envelhecimento e o próprio futuro. Revelam uma autoeficiência, um autocontrolo e um autoconceito positivos, e revelam um forte desejo de permanecerem em casa até à morte, considerando o seu lar o lugar mais seguro para permanecerem, não valorizando o apoio da rede social de apoio.

O autocuidado abandono engloba os indivíduos que revelam falta de

responsabilidade e desamparo, não são capazes de gerir o quotidiano, nem de cuidarem de si próprios. Existem fatores condicionantes que estão relacionados com o agravamento da sua condição de saúde (ex. dificuldade ou incapacidade para ler, ouvir, realizar as atividades de vida diária, gerir o regime medicamentoso e mesmo alterações da memória). Os idosos com este perfil de autocuidado demonstram normalmente uma condição psicológica comprometida caracterizada por tristeza, solidão, baixa autoestima e amargura; referem ter perdido o sentido da vida e revelam desejo de renúncia. Muitas vezes, revelam histórias de uma vida dura com sofrimento e relatam que foram pouco respeitados e pouco compreendidos ou mesmo abandonados pelos outros, descrevendo uma vida permanentemente difícil, associada à perda de pessoas significativas, perceção de baixa saúde física, perceção de baixo suporte social ou mesmo inexistente. Estes idosos apresentam atitudes negativas em relação ao processo de envelhecimento e têm redes sociais muito limitadas. Em relação ao futuro, embora manifestem o desejo de desistir da vida, sentem medo

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desse mesmo futuro com a probabilidade de perder o controlo sobre a sua própria vida, associada ao declínio da sua condição física, mental e mesmo da própria morte. Pelo exposto, os perfis de autocuidado responsável, independente e formalmente guiado podem ser entendidos como sendo facilitadores do autocuidado, requerendo o último mais suporte dos profissionais de saúde. O perfil de autocuidado de abandono é considerado inibidor, pois tal como o seu nome indica há um abandono do autocuidado (Backman & Hentienen, 1999; Backman & Hentienen, 2001; Backman et al., 2007; Zeleznik, 2007; Zeleznik et al., 2010).

Os fatores capazes de influenciar as atividades de autocuidado encontrados na literatura foram muitos, pelo que, se pode concluir que a vivência de uma situação de saúde/doença, que obriga a pessoa a tornar-se dependente de terceiros para realizar atividades de autocuidado que até aí desenvolviam sem dificuldades, é uma situação que dá origem a um processo difícil e lento de recuperar. Torna-se necessário que os profissionais de saúde, nomeadamente os enfermeiros, se apercebam das diversas variáveis que se relacionam com o fenómeno do autocuidado, para que a promoção da autonomia destas pessoas seja mais eficaz.