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3. RESULTADOS: PROFESSORES E A EDUCAÇÃO INFANTIL

3.2 FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL

3.2.1 Escolha profissional

Para alguns dos entrevistados, a carreira do magistério aconteceu em suas vidas como opção enquanto que para outros esta foi a única oportunidade de trabalho, uma vez que, ao buscarem outros caminhos, não foram bem sucedidos.

... eu fiz Pedagogia porque eu sempre quis. Sempre eu sabia que ia ser professora. Eu queria ter feito história pra também dar aula, mas queria trabalhar com criança. Então, não ia dar certo eu fazer história não... (Laura, EPU)

... como eu não esperava dar aula eu fiz científico, o nível médio normal, não queria dar aula, nunca pensei em dar aula (...) como eu consegui um estágio, não quis dar aula, eu falei: ah eu consegui o estágio que eu queria na minha área de direito pra quê que eu vou dar aula? Mesmo ganhando bem pouquinho né? (...) quando foi no

último ano de faculdade que aí começa a ver a questão de trabalho que não chegou, do concurso que eu não passei e a questão do dinheiro que o estágio já não tava dando mais, aí eu peguei falei assim: ah eu vou dar aula, pensando em termos financeiros mesmo. (Ligia, EPU)

É importante destacar que muitos foram os caminhos que levaram esses profissionais à carreira do magistério e, mais especificamente à educação infantil. Dos professores entrevistados, dez relataram que foi por opção o trabalho neste segmento, enquanto que, para sete a entrada na educação infantil se deu por acaso. Neste tópico os docentes apontam algumas das situações que os levaram a trabalhar com crianças pequenas.

... como não tinha vaga de 1ª a 4ª me colocaram lá. Então, fui meio assim que jogada na educação infantil (...) me colocaram lá, porque tinha a carência só em educação infantil. (Ana, EPU)

Foi meu primeiro emprego, aqui em Brasília. Foi por acaso, eu não tinha intenção de ser professora. (Carina, EPA)

Olha, quando eu vim trabalhar na educação infantil foi meio de supetão. Eu era professora substituta e substituía na quarta série e quando surgiu a vaga aqui na escola era pra primeiro período na época chamado pra crianças de quatro anos por isso eu fui... (Amanda, EPA)

As falas citadas corroboram a idéia de que a entrada na área de educação infantil e as escolhas dos profissionais não se devem exclusivamente à uma questão de opção, mas, sobretudo, à diversidade de situações que influenciaram diretamente ou não a entrada neste segmento.

Conforme já mencionado, para alguns docentes, o ingresso na educação infantil aconteceu por acaso. Aqui, faz-se necessário chamar atenção mais uma vez para os fatores que contribuíram para esta ‘opção não intencional’. A oportunidade de poder trabalhar próximo de casa, por exemplo, a possibilidade de ter a estabilidade que um emprego público oferece, a oportunidade de conseguir um emprego mesmo sem experiência aparece nos trechos a seguir como alguns dos motivos que orientaram esta escolha:

... eu tava namorando sério já aí eu falei agora vou parar e vou estudar e vou passar num concurso. Aí apareceu o concurso da Fundação Educacional aí eu falei ah vou passar nesse concurso da Fundação e vou ser professora. Fiz passei e comecei e por isso eu fui trabalhar na educação infantil. (Lúcia, EPA)

Porque eu vim fazer um estágio aí eles me deram a oportunidade de trabalhar. (...) eu precisava de fazer um estágio aí aqui me deu chance e eu fiquei. Era uma oportunidade de experiência porque nas outras escolas só contrata com experiência aí, aqui como me deu experiência e oportunidade fiquei até hoje. (Rosa, EPA) Na verdade assim, primeiro eu vim para esta escola porque era a que tinha vaga aqui no Plano, mais perto da minha casa que é aqui no Lago Sul, na verdade eu vim para essa escola por isso, não foi nem analisando se era primeiro, segundo. (...) eu fui de peito aberto, porque eu queria mudar mais para perto da minha casa, eu falei: eu vou porque é perto da minha casa... (Laura, EPA)

Ao relatarem suas primeiras experiências na educação infantil, os docentes mencionam seus sentimentos de angústia, medo, insegurança e até mesmo seus momentos de desespero. Nestes relatos também foram explicitadas as dúvidas e as incertezas desses profissionais, ao iniciarem suas carreiras. Aqui, novamente, muitos se ressentem ao fato de que não puderam realizar um trabalho de qualidade logo que entraram para o magistério. Todavia, na opinião dos professores, essas primeiras experiências são importantes na medida em que constituem parte da história de formação de cada um deles.

... quando a gente entra, a gente pega a pior turma. Eu tive vontade de chorar na primeira vez que eu entrei na sala de aula (...) para mim foi desesperador, foram 15 dias de desespero total, mas depois a gente vê que tudo é válido... (Laura ,EPU) ... você sente medo. Você entra numa sala e bate com vinte meninos na sua frente você fala meu Deus por onde eu começo? Você fica perdida, né? ... no primeiro dia você fica apavorada, no segundo, primeira semana, você vai ficando assim apavorada... (Luíza, EPA)

... eu vim apavorada, eu falei Meu Deus, será que eu vou dar conta? E aí quando eu vim nos primeiros dois meses foi bem difícil eles choravam muito eu fiquei me questionando ah meu Deus será que é isso mesmo... (Amanda, EPA)

... me mandaram pra uma turminha de primeiro período foi quando eu peguei uma turma de trinta e cinco crianças e foi muito difícil né? Tinha uma professora que também tinha entrado junto comigo e a gente não tinha assim a menor experiência era uma angústia... nossa era um pavor a gente não sabia assim como é nem como começar... eu ficava desesperada e ficava sem saber o que fazer mesmo. (Lúcia, EPU)

... eu não sabia como lidar com educação infantil o que fazer com as crianças. (...) no primeiro ano inclusive eu tinha pavor... (...) era um mundo novo para mim, então eu não sabia de nada, quase nada como lidar com uma criança desse tamanho... (Ana, EPU)

Entre os aspectos salientados para opção do trabalho na educação infantil, destaca-se a paixão por crianças. Inclusive esse motivo levou parte dos professores a irem atuar nesta área mesmo sem ter o conhecimento das atividades ali realizadas.

... eu só gostava de criança e não tinha a menor idéia nem do que que era ser uma profissional de educação infantil né? (Carolina, EPA)

Eu sempre gostei muito de criança, mas eu não tinha a menor idéia sinceramente eu não tinha a menor idéia, eu fui sem saber o que era o trabalho na educação infantil. (Laura, EPU)

De igual modo, o gostar de criança foi a razão que moveu um dos professores a mudar a sua atividade profissional. Para isso, a escolha do curso de Pedagogia foi feita como estratégia para trabalhar não só com educação, mas principalmente para trabalhar diretamente com criança o que, de acordo com o entrevistado, se justifica em nome da sua realização profissional.

... eu sempre gostei de criança né? Eu tenho que procurar uma coisa que me satisfaça né? Então, eu procurei mais a educação infantil por isso por gostar de criança e para trabalhar feliz. (...) eu decidi deixar o comércio e aí eu resolvi partir pra esse lado da educação infantil aí eu resolvi fazer a faculdade pra poder atuar nessa área, né? (Luíza, EPA)

Outro ponto que emergiu das entrevistas como tendo influenciado a decisão de atuar na educação infantil se refere ao encantamento pela descoberta das crianças. Para alguns dos professores, a rapidez com que a criança se desenvolve nesta fase, a vontade e o interesse que elas têm em conhecer as coisas é o que diferencia o trabalho realizado neste nível educativo. Além disso, os docentes consideram que a criança aprende com prazer, o que torna ainda mais gratificante o trabalho. As falas também indicam que o profissional se sente mais atuante trabalhando com crianças desta faixa etária.

Me encanta, principalmente essa descoberta que eu tenho a cada ano. Essa alegria que eles têm de descobrir as coisas, essa procura que eles têm esse interesse que eles têm, porque nos outros anos você tem que lutar para a criança querer assistir uma aula, agora eles não, eles vão com prazer, vão com vontade de aprender, com sede de aprender. (...) quando eu vejo uma criança que consegue aprender o nome, aquela felicidade, sai escrevendo o nome várias vezes para mostrar a descoberta para mim, nossa tem dias que emociona. Isso me fez querer ficar na educação infantil (Ana, EPU)

O que eu gosto mais é ver o desenvolvimento das crianças, só você ver o jeito que elas chegam e não precisa nem ver como elas saem no meio do ano já são outras crianças totalmente diferentes. É isso que me motiva. (Regina, EPU)

Eu vejo o engrandecimento das crianças a cada dia. Eu encanto quando eu vejo que a criança já consegue ler, a criança já consegue interpretar alguma coisinha sabe mesmo fazendo a pseudo leitura ele já consegue interpretar alguma coisinha, isso é que me fascina, amo. Por isso escolhi a educação infantil (Eduardo, EPA)

Por outro lado, alguns relatos evidenciam que a decisão de entrar na educação infantil aconteceu por influência de outras pessoas. Parte dos entrevistados revelou que a família exerceu importância significativa na escolha profissional e, mais especificamente a mãe. Ao analisar as histórias desses professores, podemos verificar que a trajetória seguida pela mãe ou outra pessoa da família de certo modo destinou o caminho profissional que deveria ser percorrido por eles.

Eu fiz magistério em 87 porque minha família é assim, família nordestina todo mundo é professora. Minha mãe queria que eu fosse ser professora como toda mãe, aí não teve jeito... (Lúcia, EPU)

Família, né! Na minha família todas são professoras e acabou que eu fui junto. (...) mas como a minha família já foi toda pra esse lado de pedagoga, então aí eu não tive como fugir, né... (Luíza, EPA)

... eu sempre gostei porque já trabalhava no Maranhão. Minha mãe também é professora, eu ajudava minha mãe lá e fui ficando... (Manuela, EPA)

... ai eu acabei escolhendo o magistério né? E assim as minhas irmãs a maioria toda também são professoras e isso me influenciou um pouco... (Ana, EPA)

Bem como eu já havia dito, minha mãe era coordenadora de uma escola onde eu estudei e que eu gostava muito dessa escola, era uma escola de educação infantil. Depois que eu terminei essa escola de educação infantil, eu continuei sendo monitor lá de diversas atividades que a gente fazia... (...) eu já tinha uma ligação com a educação infantil por causa da minha mãe e na verdade a minha tia também era professora... (Eduardo, EPA)

Ao falar sobre a escolha da profissão, encontramos depoimentos que expressam o amor e idealismo como razões que justificam a entrada na educação infantil. O sentimento de amor mencionado pelos docentes parece ser uma espécie de condição para se atuar na educação infantil. Isto porque segundo eles o amor justifica todas as lacunas que existem na profissão como o pouco prestígio, o baixo salário, a pouca profissionalização e as reais condições de trabalho. Aqui, é possível que o ideário da educação por amor seja utilizado pelos entrevistados apenas para explicar a escolha e a permanência na educação infantil.

Amar, em primeiro lugar a professora de educação infantil tem que amar. Se ela não amar ela não consegue. Se a professora sabe que vai pra educação infantil ela tem que amar a educação infantil... (...) eu acho que quando você tem uma profissão que é por amor, você não vê obstáculo. (Isabel, EPU)

... o professor assim de séries iniciais e de educação infantil ele só vai por amor mesmo. (Carla, EPU)

... eu sei que nessa área também não ganha muito entendeu? Se não for por amor, não adianta ficar na educação infantil... (Rosa, EPA)

Parece, então, que, além do amor, o que move alguns docentes é o fato de acreditar que a educação pode ser a solução para todas as coisas, especialmente neste início da vida escolar, onde a criança está se constituindo em todos os sentidos. Há um pensamento de que a criança é a esperança de mudança.

... minha opção pela educação infantil bate também com um certo ideal que eu tenho de querer trazer algumas coisas de melhora pro mundo. Eu acho que a melhor coisa que a gente pode fazer pra ajudar nisso é trabalhar com educação infantil porque eu acho que a educação infantil que tá formando as bases, as estruturas básicas pra formação do sujeito pensante, crítico, autônomo que vai ajudar a gente a melhorar. (...) essa escola me move a continuar porque eu vejo que aqui dentro eu posso mudar o mundo né? Me formar, formar as pessoas, as pessoas que eu gosto, formar o mundo né? Fazer reflexões importantes. (Eduardo, EPA)

... eu queria trabalhar com educação pra mudar essa história. (...) é difícil a gente mudar uma pessoa um pouco mais velha né? A gente trazer conceitos novos pra essas pessoas é mais difícil, mas pras crianças não. Elas têm uma cabeça aberta, elas tão abertas pra o que é novo, elas tão dispostas a experimentar não que elas tem que aceitar e aqui a gente tenta fazer muito isso, que elas não tem que aceitar o que é imposto elas tem que ter uma fala crítica. (...) eu acho que tem que surgir novas pesquisas pra ver se a gente consegue acordar a sociedade pra importância da educação infantil e o mais importante pra educação é o amor que eu vejo. (Bernardo, EPA)

... eu explico tudo o que eu penso, as coisas que eu acho que eu devia passar. A questão ambiental ecológica, a questão do negro, a questão das pessoas que estão numa situação diferente da nossa porque a gente trabalha numa escola de elite. Eu realmente penso que eles estão ai pra mudar o mundo... (Amanda, EPA)

A noção de ‘talento’ é mencionada com freqüência nos discursos dos participantes. Para alguns docentes, ser professor deste segmento implica ter o que eles chamam de dom. Neste sentido, pode-se perceber que eles consideram a habilidade de trabalhar com crianças como algo extraordinário. Essa compreensão de que é preciso ter talento para ser professor de educação infantil de uma certa maneira encobre a necessidade de profissionalização da categoria.

Se você não gostar, se você não tiver dom pra lidar com criança, pra ser professora, se você não tiver paciência você não consegue. (...) você tem que ter esse dom de ser professora, porque isso aí acho que é um dom né? Como eu já vi pais falando: tia você tá de parabéns porque eu não tenho esse dom. Eu não tenho esse talento pra lidar com criança... (Luíza, EPA)

Ao utilizar o termo ‘dom’, os professores parecem querer supervalorizar as atividades que eles desempenham. Além disso, há uma idéia subjacente de que apenas as pessoas providas desse dom poderão exercer esta profissão. Segundo um entrevistado, embora seja importante a formação, a pessoa nasce professor. Essa concepção nos remete ao conceito de magistério como vocação, sacerdócio, destino. Nesta perspectiva, o ser professor implica ser destinado e não, necessariamente, ter domínio de conhecimentos diversos.

... eu não acho que todas as pessoas formadas em magistério ou coisas afins são professores. Eu acho que pra ser professor, eu acho, eu tenho a impressão que você nasce assim sabe? Eu acho que não tem formação que faça você ser. Algumas pessoas descobrem isso e realmente a formação ajuda, mas eu acho que formar um professor é só uma parte. Professor ele já nasce né? Porque o professor de educação infantil tem que ter essa singularidade... (Carolina, EPA)

Conheço pessoas que não tem magistério e que seriam, dariam ótimos professores de educação infantil. (Lúcia, EPU)

Ao discursar sobre a escolha da profissão, os entrevistados apontaram que a sua inserção profissional nessa área se deu por diversas razões. No entanto, um aspecto que merece ser destacado se refere ao fato de que, independentemente dos motivos que orientaram a opção pelo trabalho neste nível educativo, e, apesar de todas as dificuldades mencionadas, estes docentes optaram por prosseguir. Assim, cabe-nos ressaltar que, ao buscar investigar as significações de educação infantil que têm esses profissionais, interessa-nos compreender não apenas os motivos pelos quais eles ingressaram, mas, sobretudo as razões para sua permanência nessa atividade.