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4. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

4.3 PROCEDIMENTOS PEDAGÓGICOS

Dos dados dessa pesquisa, observou-se que a maioria dos participantes não mencionou o currículo como eixo norteador ou como suporte das atividades que são desenvolvidas no contexto da educação infantil. Isto parece demonstrar não haver conhecimento nem interesse desses profissionais em subsidiar os diversos saberes e fazeres que acontecem no cotidiano

escolar. Dito de outra forma, aparentemente, os professores entrevistados não planejam suas atividades tomando como base o currículo deste segmento.

É importante registrar que a concepção de currículo não se restringe a um programa de conteúdos organizados a ser cumprido. Segundo Câmara (1996), o currículo é um conjunto de decisões educacionais influenciadas por um conjunto de valores que se institucionalizam em instâncias mais globais da educação e se concretiza em sala de aula. A autora ainda destaca que é através da dinâmica curricular que a educação acontece, ou seja, é a dinâmica curricular que faz a educação. De acordo com Machado (2004, p.7), a organização curricular para a educação infantil, define-se como "conjunto de intenções, ações e interações presentes no cotidiano de qualquer instituição". Então, para a autora, a organização curricular não se baseia apenas em áreas de conhecimentos preestabelecidas, mas primordialmente na compreensão de que o centro das decisões e ações deve ser a criança. Kramer (2006b) analisa que uma proposta pedagógica deve ser elaborada com a participação de todos os envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, ou seja, crianças e adultos, alunos, professores e profissionais não-docentes, famílias e população em geral. Além disso, a autora lembra que as necessidades, especificidades e a realidade dos sujeitos envolvidos neste processo devem ser consideradas. Isto significa dizer que não existirá uma proposta única, já que cada instituição tem suas características próprias, portanto, a proposta curricular deverá atender às demandas, expectativas e potencialidades de sua clientela. Vale registrar que na concepção de Kramer, não há diferença conceitual entre proposta pedagógica e currículo.

Interessante observar que, embora a maioria dos participantes não faça alusão ao currículo em seus discursos, de modo geral, eles discorrem sobre a importância das concepções de criança, infância e educação infantil para nortear o trabalho neste nível educativo. No entanto, é possível que esta opinião se situe apenas no plano do discurso como algo que se naturalizou como verdade absoluta, sem se pensar ou questionar e, principalmente sem levar ou considerar tais concepções como essenciais para uma prática que deve ter a criança pequena como o foco de todo o trabalho pedagógico. A compreensão que os profissionais têm a respeito da criança, da educação nesta fase da vida, e inclusive sobre sua função são aspectos que influenciam, sobremaneira, na definição de ações educativas (KRAMER, 2005; KUHLMANN JR., 2005).

Como diz Machado (2004, p.6): "o caráter pedagógico da educação infantil não está na atividade em si, mas na postura do adulto frente ao trabalho que realiza". Não se trata aqui, de menosprezar ou até mesmo subestimar a atuação dos participantes, tomando como base

apenas o fato de eles, praticamente, não mencionarem o currículo em seus depoimentos. Isto porque, seria preciso uma observação sistemática do trabalho que os professores entrevistados realizam, o que não fez parte dos objetivos desta pesquisa. Todavia, o que se pretende é chamar a atenção para uma realidade que se apresenta: os participantes deste estudo desconhecem ou desvalorizam o currículo.

Outro aspecto particularmente relevante que emergiu desta pesquisa está relacionado ao fato de a maior parte dos participantes declararem trabalhar com projetos. Igualmente, cabe assinalar que, em geral, os professores afirmaram que o interesse das crianças é o eixo condutor para elaboração dos projetos, sendo também este o termômetro indicador da durabilidade que deverá ter cada um deles. Chamou-nos a atenção a empolgação dos participantes em falar sobre este tipo de atividade que, segundo eles, além de oportunizar a vivência de situações diversas, proporciona à criança a realização de um trabalho mais lúdico e prazeroso. Estudiosos da área (BARBOSA; HORN, 1999) destacam a Pedagogia de Projetos como importante alternativa didática e uma prática cada vez mais presente na educação infantil. Na perspectiva de Romig e Ramos (2004), estruturar a prática pedagógica a partir de projetos ocasiona mudanças que são significativas para o processo de ensino e aprendizagem de crianças nesta faixa etária.

Amorim e Lopes (2005) lembram que os projetos precisam considerar e respeitar o contexto sociocultural da criança, seus interesses, necessidades e questionamentos, já que um dos propósitos deste tipo de atividade consiste em possibilitar que os pequenos compreendam o significado e o funcionamento das coisas e do mundo. Neste contexto, o professor atua segundo o que as autoras chamam de 'organizador' da ação pedagógica. Katz (1999), ao discorrer sobre a abordagem pedagógica da cidade de Reggio Emília, enfatiza como um dos pontos principais a inclusão de projetos no currículo para crianças menores de seis anos. Sob o ponto de vista da autora, o trabalho com projetos possibilita a criança apreender melhor eventos e fenômenos do seu ambiente e de experiências que mereçam sua atenção. Além disso, Katz destaca que os projetos estimulam as crianças a tomarem suas próprias decisões e a fazerem suas escolhas, já que é fundamental que os pequenos estejam envolvidos em todo o processo desde a escolha do tema. No mesmo sentido, vale ressaltar que o trabalho com este tipo de atividade favorece uma maior interação entre o professor e a criança e, principalmente entre elas próprias.

No que tange às atividades desenvolvidas no dia-a-dia da educação infantil, os participantes enfatizaram a necessidade e a importância de estabelecer rotina e regras para o

trabalho com as crianças pequenas. Como se sabe, neste início da escolarização, há uma quantidade considerável de aprendizagens que se relacionam às necessidades vitais da criança nesta faixa etária (BASSEDAS; HUGUET; SOLÉ, 1999). Gutiérrez (2004) alerta para a diferença conceitual que existe entre os termos 'rotina' e 'hábitos', pois em sua opinião, rotina é um costume pessoal mecanizado por conveniência que não permite modificação, não cria nenhuma destreza específica servindo, em muitos casos, apenas para memorização, enquanto que um hábito é um mecanismo estável que cria destrezas ou habilidades. Então, para falar sobre o cotidiano e os hábitos na educação, durante os primeiros anos de vida, a autora utiliza os termos 'contextos habituais' e 'rituais', que são responsáveis por proporcionar constância e regularidade. Sendo, portanto, essenciais para a vida escolar e familiar. Esses contextos permitem à criança lidar mentalmente com relações de tempo: o antes e o depois, o simultâneo, o sucessivo, o permanente, o esporádico, além de possibilitar à criança a segurança de saber o que fazer em cada momento e de conhecer os costumes do grupo social a que ela pertence.

Zabalza (1998) situa a rotina como sendo um instrumento com utilidade educativa em vários níveis. Para ele, é importante analisar o conteúdo das rotinas, uma vez que elas, geralmente, representam um reflexo fiel dos valores que direcionam a prática pedagógica. Em outras palavras, o conteúdo das rotinas permite 'ler' a mensagem formativa que está na ação educativa. Segundo Zabalza, as atividades planejadas para os diferentes momentos da rotina diária, além de diversificadas devem ser possíveis e, principalmente estarem de acordo com as necessidades e interesses das crianças. Sob essa perspectiva, pode-se considerar a rotina, no contexto da educação infantil, como um aspecto central para o processo de desenvolvimento da criança nos seus primeiros anos de vida (BASSEDAS; HUGUET; SOLÉ, 1999).

Também emergiu desta pesquisa a constatação de que os participantes reconhecem a importância da brincadeira como recurso didático. Em muitas das falas os entrevistados enfatizaram o brincar como uma das principais vias de formação da criança. Contudo, os professores declararam que a concepção do brincar que eles têm hoje nem sempre foi assim. No início de suas atividades, neste segmento, a noção corrente, de modo geral, era da brincadeira como um passatempo, uma maneira da criança se divertir, sem nenhuma expectativa de aprendizagem ou de desenvolvimento. No Brasil, os estudos históricos sobre a brincadeira e a sua influência na educação estão cada vez mais se intensificando. Kishimoto (1988) lembra que esse interesse foi impulsionado na década de oitenta pelo surgimento das

brinquedotecas no país. A partir de então, emergiram novas concepções de brincadeira, relacionando-a com o desenvolvimento e a aprendizagem da criança.

Há diversos teóricos que, mesmo sob diferentes perspectivas, discorrem sobre a brincadeira e sua importância para o ensino e aprendizagem. Para Brougère (2001), a brincadeira pode ser considerada como uma forma de interpretação dos significados contidos no brinquedo. Essa perspectiva, além de possibilitar a criança ser o sujeito ativo, também caracteriza a brincadeira como uma situação sem conseqüências imediatas e resultados incertos. Bruner (1975) por sua vez, situa a brincadeira como uma forma de exploração, de estratégia de resolução de problemas que leva ao pensamento difuso ou divergente por sua característica pouco opressora e estimuladora da criatividade, já que ao brincar a criança não está preocupada com os resultados. É o prazer e a motivação que impulsionam a ação para explorações livres. Nas palavras do autor: " brincar é (...) uma atitude com a qual a criança aprende que as conseqüências dos seus atos não são tão extremas quanto esperava ou temia e significa, assim, aprender a limitar os resultados antecipados da atividade (BRUNER, 1975, p.135)".

Na perspectiva de Piaget (1975), a brincadeira representa uma fase no desenvolvimento da inteligência, marcada pelo domínio da assimilação, tendo como função consolidar a experiência passada. Com a interiorização dos esquemas, a brincadeira diferencia-se ainda mais das condutas de adaptação propriamente ditas (inteligência), para orientar-se no sentido da assimilação sem procurar submeter-se às exigências da realidade exterior. Para Piaget, as brincadeiras infantis são instituições sociais que proporcionam às crianças o encontro com seus pares, fazendo com que interajam socialmente. Sob a ótica de Vygotsky (1998), a brincadeira é o meio principal de desenvolvimento cultural infantil, uma vez que é por meio dele que a criança projeta-se nas atividades adultas de sua cultura e ensaia seus papéis e valores, antecipando o seu desenvolvimento. Na medida em que a criança imita os mais velhos nas atividades padronizadas culturalmente, ela gera oportunidades para o desenvolvimento intelectual. Na brincadeira, as crianças transformam, pela imaginação, os objetos socialmente produzidos e as formas de comportamento disponíveis em seu ambiente particular. Desse modo, é criada uma nova relação entre situações no pensamento e situações reais, já que na brincadeira a ação está subordinada ao significado.

A brincadeira tem sido cada vez mais ressaltada como atividade fundamental para o desenvolvimento e aprendizagem das crianças. Em sua obra, Moyles (2002) destaca diversas pesquisas que tratam sobre a importância do brincar para a aquisição de hábitos,

desenvolvimento de atitudes e habilidades, motoras e cognitivas a partir de situações lúdicas. Ao tratar sobre a questão do brincar, Mascioli (2006) aponta que atualmente a brincadeira e os jogos, quando presentes no contexto da educação infantil, assumem um caráter essencialmente pedagógico, o que significa que o tempo e o espaço se tornam escassos, não possibilitando, portanto, que a criança possa vivenciar situações lúdicas e possa produzir sua própria cultura.

O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998, p.27) resgatou a importância do brincar no cotidiano das instituições de educação infantil. Este documento define o brincar como dimensão fundamental para este nível educativo em consonância com o cuidar e o educar, considerando que " a brincadeira favorece a auto-estima das crianças, auxiliando-as a superar progressivamente suas aquisições de forma criativa. Brincar contribui, assim, para a interiorização de determinados modelos de adulto, no âmbito de grupos sociais diversos".

Oliveira (2007, p.160) diz que "ao brincar, afeto, motricidade, linguagem, percepção, representação, memória e outras funções cognitivas estão profundamente interligadas". Brougére (1998, p.17) por sua vez, assinala que "os jogos e brinquedos são meios que ajudam a criança a penetrar em sua própria vida tanto como na natureza e no universo". Assim, se o brincar propicia a criança aprender, desenvolver-se e interiorizar o mundo (MASCIOLI, 2006), então, a brincadeira deve ocupar um lugar central na educação infantil. Neste sentido, cabe ao profissional da área ter nos jogos e na brincadeira aliados para uma ação educativa que intencione o desenvolvimento e a aprendizagem infantil. Para tanto, faz-se necessário que os cursos de formação de professores contemplem estudos que focalizem o processo educativo e o papel da brincadeira.