• Nenhum resultado encontrado

Professores de Educação Infantil e escolha profissional

4. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

4.2 FORMAÇÃO PROFISSIONAL PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL

4.2.2 Professores de Educação Infantil e escolha profissional

Emergiu dessa pesquisa que os motivos que nortearam a escolha dos professores pelo trabalho na educação infantil foram associados a gostar de criança, influência familiar, oportunidade, idealismo, encantamento e talento entre outras coisas. Igualmente, merece ser destacado que parte dos professores entrevistados passou a atuar na educação infantil por escolha consciente, enquanto que outros foram levados meramente pelas circunstâncias. Como assinala Castro (2003), a escolha profissional não pode ser compreendida sem se considerar o contexto social. Isto porque a escolha da profissão é o resultado da ação do sujeito, levando em conta as possibilidades, as dificuldades, os limites, as necessidades, as expectativas e outros determinantes que interagem no contexto de vida. Esta noção de escolha se contrapõe ao conceito de sujeito unificado, coerente e constituído. Ao contrário, fundamenta-se na idéia de que o sujeito se constitui pelos processos sociais e culturais.

Ao analisar as histórias dos participantes sobre os motivos que os levaram a escolher esta profissão, pode-se evidenciar que as alternativas que se apresentavam a esses docentes no momento da 'escolha' não eram muitas. Como não restavam outras opções, este foi o caminho trilhado pelos entrevistados, o que supõe entender que o magistério, na vida desses participantes, não aconteceu como uma simples opção, ao contrário disso, significou uma solução. Este fato ganha maior ênfase quando os entrevistados discorrem sobre a sua chegada na educação infantil, que se deu mais pelo acaso do que por uma escolha individual. Há inclusive o relato de um participante que afirma ter ido atuar neste segmento pela oportunidade de estar próximo de casa, sem ao menos ter conhecimento do que era o trabalho na educação infantil, o que explicita a idéia de que a escolha por este nível educativo aconteceu, essencialmente, para atender a comodidade do entrevistado e não porque a educação de crianças pequenas se constituía em uma área de interesse para ele. Isso se enquadra no que Levenfus (1997) caracterizou como uma escolha sem conhecimento da profissão e de si mesmo.

Pode-se perceber, nos discursos de alguns dos participantes, que a escolha pela educação infantil foi influenciada por uma outra pessoa, na maioria dos casos, pela família, particularmente a mãe. Além disso, a opção por este nível educativo foi justificada pelo fato de os entrevistados gostarem de crianças e por compartilharem o ideário de que a educação nesta fase da vida pode garantir um futuro mais promissor para a criança e a sociedade. Souza Neto, Cardozo, Silva, Cesana, Benites e Motta (2007) evidenciaram argumentos semelhantes

aos mencionados acima, em uma pesquisa que buscou investigar como o professor compreende sua escolha profissional e o magistério como profissão. Mais especificamente, os autores constataram que o que mais motivou a escolha por esta profissão está relacionado à afetividade, socialização primária, questões de gênero (o fato de serem mulheres) e desejo de transformação social (vontade de modificar a sociedade). Segundo os pesquisadores, nos relatos dos participantes está evidente que as professoras gostam de crianças. Os entrevistados apontaram a influência familiar como outro dos motivos que impulsionaram a escolha.

Tradicionalmente, na cultura brasileira, o magistério é tido como uma atividade culturalmente voltada para as mulheres. Rabelo e Martins (2006) assinalam que o magistério tornou-se uma profissão feminina por excelência. Inclusive, os autores lembram que foi através do magistério que a mulher brasileira pôde abrir caminho ao exercício profissional. No caso específico da educação infantil, isso tem um significado ainda maior, por se tratar de uma área que se constitui como campo de atuação de mulheres, já que, para exercer esta função, era suficiente apenas ter qualidades maternais (MONTENEGRO, 2005). Essa premissa enfraquece o segmento como um todo porque encobre a complexidade da área e a necessidade de uma formação adequada aos desafios dessa complexidade.

Nos discursos, os participantes também enfatizam muito a idéia de que alguém, para ser professor de crianças pequenas, tem de possuir certas qualidades que não são treináveis, que alguém nasce sabendo. Em outras palavras, há uma crença de que é preciso ter 'dom', 'talento', 'vocação'. O construto ‘talento’ tem problemas de definição, estruturação e aplicação que acabam por tornar em um exercício de imaginação as diversas tentativas de caracterizá-lo, defini-lo e trazê-lo para domínios que envolvam uma correspondência mais direta na relação significado/significante: a que cadeias sígnicas o termo nos remete? Tal questão continua tão confusa quanto era em tempos pré-científicos. A literatura sobre talento tende a conceituar o termo de uma forma absoluta e isto produz duas conseqüências, que merecem uma análise mais detalhada. A noção de talento fica fora de qualquer relacionamento com noções culturalmente definidas e dimensionadas, e fica restrita a algo do tipo ‘tudo ou nada’, que acaba por excluir a possibilidade de se entender talento como uma gradação de facilidade que alguém pode ter em uma atividade, a partir de um referencial fixo pré-estabelecido (GALVÃO, 2006; HOWE; DAVIDSON; SLOBODA, 1998).

A noção de vocação, às vezes utilizada pelos participantes associada à idéia de talento, tornou-se algo natural, banal e inquestionável. No entanto, retomando-se a história das idéias e das civilizações, pode-se observar que 'vocação', assim como todo e qualquer conceito, é

uma construção histórica e cultural das sociedades. Para alguns dos entrevistados, 'a pessoa nasce professor'. De acordo com Soares (2002), a vocação não existe. Ninguém nasce para uma profissão ou para um determinado estilo de vida. São as escolhas que o sujeito faz diante das possibilidades, do sistema social e econômico de que participa que orientam a sua vida, assim como as escolhas que não faz, quando é escolhido.

A idéia de ter o 'dom', um jeito 'especial ou 'natural' para lidar com crianças, justifica a escolha de alguns participantes pela educação infantil. Isso faz pensar que, talvez, os entrevistados, no caso, as professoras, têm essa concepção por associaram esta profissão aos papéis normalmente desempenhados por mulheres. A despeito disso, Rabelo e Martins (2006) assinalam que a associação da atividade do magistério a um 'dom' ou a uma 'vocação' feminina fundamenta-se no fato de a mulher poder gerar filhos. Então, o cuidar de crianças pode ser entendido como uma conseqüência da função materna, ou seja, uma habilidade natural da mulher, especialmente daquelas que geram em seu ventre um bebê. Esta função está relacionada à feminilidade, à tarefa de educar e socializar os indivíduos durante a infância. Neste sentido, restaria à mulher o dever de seguir seu 'dom' ou 'vocação' para o magistério.

Alguns motivos da escolha pela educação infantil podem ser compreendidos como conseqüência das situações vivenciadas pelos participantes, como por exemplo, a docente que queria casar e que por isso resolveu ser professora. Como os profissionais em início de carreira freqüentemente não podem fazer opção pela série, sobrou a ela a vaga na educação infantil. Desse mesmo modo, há outros participantes que tiveram neste segmento a primeira ou talvez a única oportunidade de emprego. Dessa forma, pode-se constatar que a escolha pela educação infantil desses participantes se deu dentro da 'não escolha' ou de limitadas possibilidades de escolha. Em outras palavras, foram fatores econômicos, sociais e culturais que acabaram por determinar a entrada desses professores nesta etapa da educação.

Outro aspecto interessante que emergiu dos discursos dos participantes diz respeito ao fato de eles justificarem a opção pela educação infantil pelo amor que dizem sentir. Interessante observar que o exercício da profissão, por amor, é recorrente na fala dos participantes. Aqui, cabe questionar o motivo pelo qual esses docentes reiteradamente falam do amor que sentem pelo trabalho que desempenham. Seria isso porque eles tentam disfarçar a frustração que eles têm com a profissão? Ou porque não tiveram outras opções a seguir? Normalmente, advogados, engenheiros, médicos, arquitetos ou outros profissionais não vivem declarando amor por suas profissões. Pensando sobre essas questões, Rabelo (2007) enfatiza a

importância de se refletir sobre a ligação habitual que se estabelece entre o magistério e o 'amor'.

Historicamente, o magistério e, mais precisamente, o trabalho na educação infantil se constitui como uma profissão para atender características próprias do sexo feminino, ao menos esta parece ser a sua representação mais comum. Isto se cristalizou, sobretudo, devido às muitas concepções estereotipadas relacionadas a este segmento, como por exemplo, pela possibilidade da mulher exercer o sentimento maternal. De acordo com Rabelo (2007), esse tipo de estereótipo é o que leva a confundir o exercício da profissão, descaracterizando, assim, o trabalho na educação infantil, já que esta profissão decorreria dos 'dons maternais' das mulheres e não da sua capacidade de aprendizagem. No entanto, cabe ressaltar que, atualmente, o trabalho com crianças na faixa etária de zero a cinco anos é uma escolha profissional e, não mais apenas ligado ao cuidado e à maternagem. Por isso, é imperativo que se reveja a formação para os profissionais deste segmento que, independentemente de 'terem escolhido' ou de 'terem sido escolhidos', estão fazendo a educação infantil acontecer para milhares de crianças que têm direito a tudo o que uma educação de qualidade pode proporcionar.

A educação infantil estava no contexto de vida de cada participante, embora as escolhas tenham sido influenciadas por outras pessoas, por determinantes econômicos, políticos e sociais que acabaram por contextualizar a escolha dos professores entrevistados. Assim, resta assinalar que as histórias narradas neste estudo evidenciam que a 'escolha' pela educação infantil, na maioria das vezes, não surgiu como uma ação individualizada, mas em conseqüência de uma rede de motivos interconectados que envolvem desde a história da família até as oportunidades que se colocaram em um dado momento da vida do professor. Compreender a dialética subjacente a tudo isso é importante, entre outras coisas, para propiciar uma formação que leve em conta, entre outros aspectos, motivos e motivação.