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4. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

4.1 SIGNIFICAÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO INFANTIL

Para compreendermos as significações que têm os professores que atuam nesse nível educacional, incluímos em nosso roteiro algumas questões, tais como: o que é educação infantil? Qual a finalidade da educação infantil? Da pesquisa, emergiram diferentes significações sobre a educação nos primeiros anos de vida. Para melhor discutir as significações que foram expressas pelos entrevistados, delimitamos alguns tópicos que nos ajudaram a sintetizar os significados mais predominantes nos depoimentos, a saber: significações funcionais, concepções iniciais equivocadas, concepções de professores sobre sua função, concepções de professores sobre criança. Ressaltamos que os referidos tópicos estão interligados, isto é, são parte do grande tema: significações.

De um modo geral, podemos dizer que os participantes desse estudo concebem a educação infantil como a base para todo o desenvolvimento da criança, para toda a vida. Podemos inferir que os docentes se fundamentam num ideário de que a educação nesta fase oferece subsídios para que o indivíduo seja bem sucedido nas etapas posteriores de escolarização, para que tenha um futuro melhor e se torne um adulto consciente, crítico e capaz de viver harmoniosamente em sociedade. Sem querer desmerecer os benefícios que uma educação infantil de qualidade pode oferecer, cabe-nos assinalar que, conforme bem lembra Didonet (2003), a educação nesta fase não é panacéia dos problemas sociais e não vem para salvar o ensino fundamental dos problemas históricos já relacionados a este segmento como reprovação, evasão ou baixo rendimento.

Por outro lado, é preciso reconhecer a importância da escola, desde a mais tenra idade, para o desenvolvimento saudável do indivíduo. Esta é uma posição muito forte na literatura da

área. A este respeito Galvão e Ghesti (2003), comentam que o impacto da educação na vida da criança pode ser estabelecido a partir de três dimensões fundamentais que envolvem a estrutura do processo de ensino-aprendizagem: emocional, formacional e instrucional. É recorrente na fala dos entrevistados a idéia de que o desenvolvimento dos aspectos: cognitivos, emocionais e sociais é o fundamento da educação infantil. Tendo como base sua experiência de trabalho com professores deste segmento, Martínez (2003) aponta algumas tendências consideradas preocupantes e que devem ser amplamente discutidas nos cursos de formação. Uma delas se refere ao fato de que os docentes têm um conhecimento científico superficial sobre o desenvolvimento infantil, o que segundo a autora não significa dizer que eles não reconhecem a importância dessa temática para o trabalho com crianças pequenas.

Discorrendo ainda sobre esta temática, a autora destaca que, embora exista uma significativa literatura na área de desenvolvimento infantil, os professores não buscam utilizá- la como recurso importante para aprimorar a prática pedagógica. Esta afirmativa vem corroborar, em certa medida, com a noção quase sempre vaga de desenvolvimento infantil que os entrevistados explanaram em seus depoimentos. Nesta situação, de acordo com Martínez (2003, p.237): “o conhecimento do senso comum torna-se dominante, limitando as possibilidades de construção de uma prática pedagógica mais sólida e avançada”. Apesar disso, os participantes parecem mais conscientes sobre o conceito de desenvolvimento, contrariando uma tendência história de centrar a noção de desenvolvimento infantil apenas nos aspectos cognitivos.

Não há dúvidas de que os primeiros anos são decisivos para o desenvolvimento humano. Esta premissa é compartilhada pelos participantes desse estudo que enfatizam de modo especial o desenvolvimento emocional da criança nesta fase. Galvão e Ghesti discorrem sobre a importância do afeto na fase pré-escolar e ressaltam a necessidade de que se trabalhe com cuidado a dimensão afetiva neste período, já que crianças que são negligenciadas podem desenvolver grandes problemas emocionais. Os autores enfatizam assim essa questão: “o afeto parece ser um aspecto fundamental para o desenvolvimento de uma pessoa e que pode trazer conseqüências para todo o desenvolvimento posterior, representando o primeiro momento de aprendizagem da criança” (GALVÃO; GHESTI, 2003, p.108).

A importância que os entrevistados conferem à dimensão afetiva da criança vem mais uma vez nos indicar que parece ter sido superada aquela concepção de educação focalizada apenas na cognição. Reconhecer a amplitude do desenvolvimento neste início da vida é fundamental para se romper com a predominância dos aspectos cognitivos na prática escolar.

Medrano Mir (2004) assinala que, embora a afetividade ocupe um lugar central na educação infantil, ela não é do mesmo tipo que a afetividade interfamiliar. Isto vale dizer que, mesmo que a escola tenha significativa importância para a constituição do sujeito, ela não substitui a ação familiar.

No tocante a este assunto, Katz (1999, p.53) destaca que: “os papéis de pais e professores são distintos um do outro e, idealmente, permitem que cada um preste contribuições complementares, mas diferentes, para o crescimento, aprendizagem e desenvolvimento da criança”. Há mesmo diferentes autores, como Valle e Guzzo (2004), que assinalam a complementaridade entre a educação recebida pela escola e pela família. Neste sentido, as autoras afirmam que uma das funções da pré-escola é a de suprir possíveis carências da educação recebida no seio familiar.

Quando questionados sobre a finalidade da educação infantil, os entrevistados delinearam uma quantidade de objetivos que se inscrevem no que denominamos de significações funcionais. Essas, por sua vez, relacionam-se a diferentes aspectos que, na opinião dos docentes, devem ser desenvolvidos no início da escolarização. Essa diversidade de propósitos assinalados parece estar de acordo com a natureza essencialmente multidisciplinar da educação infantil defendida por Rocha (1999). Constatou-se nos depoimentos dos participantes que a perspectiva de futuro é muito presente nas concepções que eles têm acerca das funções da educação infantil. Isso pode ser evidenciado quando os docentes atribuem à educação, nesta fase, a responsabilidade de preparar a criança para o ensino fundamental ou, ainda, quando eles simplesmente julgam esta como uma oportunidade para um futuro mais promissor.

Paralelamente a essas questões, os professores estabelecem também como objetivos da educação infantil a socialização, o desenvolvimento da linguagem oral e escrita (alfabetização), a formação de valores (aprender a ser, conviver, estar e respeitar os outros), a vivência da infância e aqui novamente citam a dimensão emocional da criança como um importante aspecto a ser considerado no início da vida escolar. Neste sentido, podemos perceber que os participantes pensam como objetivo da educação desde a mais tenra idade o desenvolvimento integral (holístico) da criança, embora pareça que nem sempre eles conheçam em profundidade as especificidades emocionais, sociais e cognitivas desta faixa etária.

A compreensão de características comuns do 'ser criança' traz implicações que serão decisivas para uma prática pedagógica que atenda à complexidade da educação infantil. Ao

analisar as significações expressas pelos participantes, emerge que as noções sobre criança e infância parecem ainda bastante limitadas. Em alguns dos depoimentos, há uma percepção da criança como um mini-adulto, um ‘vir-a-ser’. A história de estudos sobre a infância produziu conceitos que enfatizavam a incompletude, imaturidade e incapacidade da criança em relação ao adulto (ÁRIES, 1986). Rosemberg (2005, p.77) diz que uma concepção ampla de educação deve considerar a criança pequena: “como ser ativo, competente, agente, produtor de cultura, pleno de possibilidades atuais, e não apenas futuras”.

De acordo com o Referencial Curricular Nacional para este segmento (1998), a criança é um ser histórico e social. Tal condição deve ser considerada em sua multiplicidade, já que essa premissa deverá nortear a organização do contexto educativo. Sendo assim, as concepções e idéias sobre a criança que têm alguns dos participantes apontam a urgência em ressignificar conceitos que normalmente relacionam a criança a um ser frágil, puro, naturalmente bom, que ainda não é. Essa noção romantizada, embora não tenha sido corrente no discurso dos entrevistados, evidencia a necessidade de alguns dos participantes considerarem a criança como um sujeito real e não apenas como um ser idealizado.

Como bem lembra Arce (2007), as instituições de educação infantil se caracterizam como lugar onde o espontâneo e as brincadeiras prazerosas predominam. Esse clima, segundo a autora, desfavorece a ação diretiva do trabalho pedagógico e, por esse motivo, a educação nesta fase definiu-se como complementar à educação familiar. Contrariando a concepção da instituição de educação infantil apenas como espaço de convívio coletivo, Arce defende o ensino como eixo do trabalho na educação infantil. Sob essa perspectiva, a criança é compreendida como um ser em construção e em processo de humanização cujo conhecimento passa a ser considerado não somente como direito, mas sobretudo como meio propulsor para o seu desenvolvimento. Cabe registrar que, de acordo com a autora, não se trata de ignorar a peculiaridade da criança pequena, mas de focar o trabalho realizado sob outro paradigma.

Nessa pesquisa, observou-se que alguns participantes tendem a negar que a criança antes mesmo de chegar a escola infantil já traz consigo experiências vivenciadas em outros contextos que não o da escola. A esse respeito, Malaguzzi (1999) alerta para o fato de que é necessário pensarmos sobre o conhecimento e habilidades que as crianças constroem independentemente e antes da escolarização. Por outro lado, a maior parte dos participantes enfatiza que são muitas as possibilidades de aprendizagem para a criança nesta fase. Sobre esse aspecto, Malaguzzi comenta que a criança está apta a explorar, fazer descobertas, mudar seus pontos de vista e apaixonar-se por formas e significados que se transformam. Por esta

razão, ele defende que, se um leque maior de possibilidades é oferecido às crianças, elas serão mais intensas em suas motivações e mais ricas em suas experiências.

Foi constatado também neste estudo que, em geral, os participantes julgam necessário preparar a criança para a série subseqüente, o que explicita, embora não intencionalmente, que esses profissionais direcionam sua prática tomando como base o ensino sistematizado na educação infantil. Autores que defendem a educação escolar para este segmento, como Martins (2007), assinalam que as habilidades culturais de leitura, escrita e contagem de números são fundamentais ao pleno desenvolvimento das crianças. Por se tratar de habilidades cujo domínio sobre seus processos demanda um longo período de tempo, a autora chama a atenção para a importância deste ensino sistematizado já no início da escolarização.

Vale ressaltar que não há discordância entre os participantes desta pesquisa com relação à importância da alfabetização das crianças. Contudo, o que podemos perceber em seus discursos é que a defesa pela alfabetização na educação infantil parece ser de forma velada, ou seja, embora os entrevistados trabalhem com o objetivo de alfabetizar as crianças, eles não gostam de assumir que o fazem de forma sistematizada. Isto talvez ocorra em razão da formalização da alfabetização não ter sido colocada para a educação infantil, o que ainda gera questões associadas a alfabetizar ou não neste nível educativo. No tocante a este aspecto, Stemmer (2007) destaca a escola de educação infantil como locus privilegiado para o ensino da leitura e escrita. Segundo a autora, as situações de aprendizagem dessas habilidades são as mais diversas possíveis, cabendo ao professor de forma consciente e intencional, promover uma prática pedagógica capaz de ir além da alfabetização.

No que se refere aos significados que os participantes aferiram à educação infantil antes de iniciarem suas atividades, pode-se constatar que, provavelmente, esses profissionais não tiveram no seu período de formação conhecimentos sobre a educação no início da vida. Este fato se agrava, sobretudo, porque somente após a Lei 9.394/96 a educação infantil foi reconhecida como primeira etapa da educação básica. Do mesmo modo, apenas a partir da referida lei é que se instituíram normas para a formação do professor deste segmento. Obviamente, esses avanços trouxeram outro status para a educação infantil, mas ainda não o suficiente para desvencilhar os conceitos tradicionalmente associados a esta fase da educação. Como bem lembra Oliveira (2005), mudanças de concepções, crenças e valores não se transformam de uma hora para a outra, principalmente porque essas mudanças exigem momentos de discussão e reflexão. Especialmente, porque se tratam de concepções que se

referem não só à criança, seu desenvolvimento e educação, mas também ao papel do Estado, da sociedade e dos profissionais que atuam na educação infantil.

A compreensão de que a educação da criança pequena surgiu sem fins educativos ainda hoje é uma noção corrente. Entretanto, trata-se de uma idéia equivocada, pois conforme explica Kuhlmann Jr. (2007), tanto creches, como jardins-de-infância e escolas maternais, constituíram-se historicamente como instituições educacionais. Complementando essa questão, Craidy (2005) destaca que creches e pré-escolas sempre foram instituições educativas, já que não é possível cuidar de crianças sem educá-las. Neste sentido, a autora ainda assinala que a exigência de normatização para essas instituições é o que se configura como novo.

Interessante observar a visão que têm os participantes sobre a função que exercem. Para eles, a atuação na educação infantil é complexa, já que eles acabam desempenhando muitos papéis. Confirmando isso, Oliveira-Formosinho (2005b) afirma que o professor deste nível educacional desempenha uma enorme diversidade de tarefas, além de ter um papel abrangente com fronteiras pouco definidas. A partir da fala dos entrevistados, ficou explícita uma queixa em relação ao tipo de preparação que receberam para atuar neste segmento. Quando começaram sua vida profissional, não só não estavam preparados, como tinham visões equivocadas e estereotipadas deste nível educativo. Ao que parece, não estavam em condições de observar e atuar no contexto complexo que é a educação infantil.

A complexidade da educação neste segmento e a falta de preparo para atuar nela, ora observada, é acompanhada de uma outra queixa, esta mais grave, de que há um descaso pela educação infantil, tanto por parte de autoridades, quanto por parte da população em geral. Os participantes consideram que a própria família da clientela atendida tem a visão da escola de crianças pequenas como um lugar para brincar somente, extensão da brincadeira da casa. Aliás, esta idéia também foi enfatizada naquilo que os participantes chamaram de suas percepções iniciais, isto é, anteriores à entrada na educação infantil. Que a brincadeira, o espaço lúdico são importantes na constituição da pedagogia deste segmento, é ponto pacífico para os participantes, com ampla base na literatura (DONALDSON, 1994; GALVÃO; GHESTI, 2003). O problema é que a representação da educação infantil como um lugar de brincadeira em que a representação de brincadeira não envolve os seus aspectos didáticos, faz emergir então uma noção de brincadeira como algo fútil, sem importância. Visões desse tipo acabam por desmerecer a importância do trabalho e com isso abalar a motivação e a auto- estima dos profissionais deste segmento.

Assim, é necessário que a formação dos professores deste segmento seja revista no sentido de promover uma capacitação mais adequada às demandas educacionais das crianças pequenas.