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3.1 – BREVE HISTÓRICO DO ESPORTE NO BRASIL

3.2 O ESPORTE MODERNO E SUAS DIMENSÕES

O esporte, que possui enorme relevância mundial, faz parte da história da humanidade, desde a antiguidade até a modernidade, com características específicas em relação a cada época. Embora reconheçamos a existência de diferentes concepções e narrativas acerca do processo histórico de desenvolvimento do fenômeno esportivo, aqui apresentaremos referências que abrangem essas distintas interpretações.

Conforme afirma Tubino (2006), cronologicamente, distingue-se primeiro o esporte na antiguidade, observado desde a pré-história e cujos destaques foram os jogos gregos, a maior manifestação esportiva daquela época, até a chegada do esporte moderno que se estabelece atualmente.

O autor atesta que o esporte moderno surgiu no século XIX, na Inglaterra, concebido por Thomas Arnold, o qual reconhecia, na sua concepção de esporte, três características principais: o jogo, a competição e a formação.

Já Bracht (2005) afirma que o esporte moderno surgiu um pouco antes, no século XVIII, proveniente da cultura europeia, especificamente das classes nobres da Inglaterra, incorporou-se de elementos competitivos ao esportivizar os jogos das

73 classes populares, se espelhou nas características do capitalismo e logo se difundiu pelo mundo.

Esse processo de expansão, logo chegou ao Brasil7 e posteriormente incorporou algumas manifestações advindas de documentos internacionais.

Quanto aos documentos Filosóficos Internacionais que influenciaram a reconceituação do esporte, o primeiro a iniciar esse processo de revisão foi o Manifesto Mundial do esporte [...] da UNESCO. Este documento foi a primeira manifestação que não reconheceu o esporte somente através do rendimento, mostrando que também existia um esporte na escola e um esporte de tempo livre, aberto para todos. (TUBINO, 1992, p. 12).

A legislação brasileira vigente, além de autores especialistas, abordam essas dimensões por diferentes vieses.

A Lei nº 9615/98, conhecida popularmente por Lei Pelé, institui as normas gerais sobre o desporto, evidenciando que pode ser reconhecido em qualquer das seguintes manifestações:

I - desporto educacional, praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer;

II - desporto de participação, de modo voluntário, compreendendo as modalidades desportivas praticadas com a finalidade de contribuir para a integração dos praticantes na plenitude da vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente;

III - desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações.

IV - desporto de formação, caracterizado pelo fomento e aquisição inicial dos conhecimentos desportivos que garantam competência técnica na intervenção desportiva, com o objetivo de promover o aperfeiçoamento qualitativo e quantitativo da prática desportiva em termos recreativos, competitivos ou de alta competição. (BRASIL, 1998, grifos nosso)

Observa-se que a legislação dispõe sobre quatro manifestações distintas em relação ao esporte, (entendemos aqui que “desporto”8 e “esporte” se equivalem),

evidenciando que esse fenômeno pode ser compreendido em diversas

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Especificamente, no capítulo anterior, é abordada a história do esporte no Brasil.

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O termo desporto é proveniente de Portugal. O Brasil adotou o termo em 1941, a partir da primeira lei específica sobre esporte no país (Decreto Lei. 3199/41). Desde então esse termo vem se mantendo nas leis nacionais, inclusive na Constituição Federal.

74 características. Devido à universalidade da palavra, adotaremos o termo esporte como protagonista.

A norma faz um breve apanhado de forma generalista e, de certa forma vaga, havendo a necessidade de um maior aprofundamento em relação a essas manifestações do esporte, as quais discutiremos a seguir na visão de dois autores.

Para Tubino (1992), o esporte, após a sua revolução, partindo do pressuposto do direito de todos à prática, passou a ser compreendido a partir de três manifestações, que na verdade são as formas de exercício desse direito, assim definidos:

a) esporte-educação;

b) esporte-participação ou esporte popular; e c) esporte-performance ou de rendimento.

Posteriormente, em 2010, o mesmo autor faz uma atualização em relação às manifestações do esporte, segundo ele, cada uma delas está diretamente relacionada a um ou mais princípios, a seguir descritos:

a) Esporte-Educação (voltado para a formação da cidadania) está dividido em: Esporte Educacional e Esporte Escolar. O Esporte Educacional, também chamado de Esporte na Escola, pode ser oferecido também para crianças e adolescentes fora da escola (comunidades em estado de carência, por exemplo). O Esporte Educacional, segundo Tubino, Garrido e Tubino (2006) deve estar referenciado nos princípios da: inclusão, participação, cooperação, co-educacao e co-responsabilidade. O Esporte Escolar é praticado por jovens com algum talento para a prática esportiva. O Esporte Escolar, embora compreenda competições entre escolas, não prescinde de formação para a cidadania, como uma manifestação do Esporte-Educação. O Esporte Escolar está referenciado nos princípios do Desenvolvimento Esportivo e do Desenvolvimento do Espirito Esportivo. O Espirito Esportivo e mais do que “Fair-play”, pois compreende também a determinação em enfrentar desafios e outras qualidades morais importantes.

b) Esporte-Lazer, também conhecido como Esporte Popular, praticado de forma espontânea, tem relações com a saúde e as regras. Estas podem ser oficiais, adaptadas ou ate criadas, pois são estabelecidas entre os participantes. O Esporte-Lazer, que também é conhecido como Esporte Comunitário, Esporte- Ócio, Esporte-Participação ou Esporte do Tempo Livre, tem como princípios: a participação, o prazer e a inclusão.

c) Esporte de Desempenho, conhecido também como Esporte de Competição, Esporte-Performance e Esporte Institucionalizado, é aquele praticado obedecendo a códigos e regras estabelecidos por entidades internacionais. Objetiva resultados, vitórias, recordes, títulos esportivos, projeções na mídia e prêmios financeiros. A ética deve ser uma referencia

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nas competições e nos treinamentos. Os dois princípios do Esporte de Desempenho são: a Superação e o Desenvolvimento Esportivo. Convém esclarecer que o Esporte de Desempenho pode ser: de Rendimento ou de Alto Rendimento (Alta Competição, Alto Nível etc.). Os princípios para essas duas manifestações do Esporte de Desempenho são comuns. (TUBINO, 2010, p.42,43, grifo nosso).

Três anos após a publicação da obra, especificamente em 2013, a Lei Pelé é regulamentada pelo Decreto nº 7984/13, que institui normas gerais sobre o desporto e incorpora em seu texto legal os pressupostos teóricos de Tubino (2010).

I - desporto educacional ou esporte-educação, praticado na educação básica e superior e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a competitividade excessiva de seus praticantes, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer;

II - desporto de participação, praticado de modo voluntário, caracterizado pela liberdade lúdica, com a finalidade de contribuir para a integração dos praticantes na plenitude da vida social, a promoção da saúde e da educação, e a preservação do meio ambiente; e

III - desporto de rendimento, praticado segundo as disposições da Lei nº 9.615, de 1998, e das regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados de superação ou de performance relacionados aos esportes e de integrar pessoas e comunidades do País e de outras nações. (BRASIL, 2013, grifo nosso)

Algumas alterações acerca das manifestações do esporte foram realizadas em relação ao que estava disposto na lei que foi criada em 1998.

Observa-se que a quarta manifestação, prevista anteriormente, intitulada como “desporto de formação”, foi incorporada como sinônimo do “esporte educacional” na referida lei.

O desporto educacional pode constituir-se em:

I - esporte educacional, ou esporte formação, com atividades em estabelecimentos escolares e não escolares, referenciado em princípios socioeducativos como inclusão, participação, cooperação, promoção à saúde, co-educação e responsabilidade; e

II - esporte escolar, praticado pelos estudantes com talento esportivo no ambiente escolar, visando à formação cidadã, referenciado nos princípios do desenvolvimento esportivo e do desenvolvimento do espírito esportivo, podendo contribuir para ampliar as potencialidades para a prática do esporte de rendimento e promoção da saúde.

§ 2º O esporte escolar pode ser praticado em competições, eventos, programas de formação, treinamento,

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complementação educacional, integração cívica e cidadã, realizados por:

I - Confederação Brasileira de Desporto Escolar - CBDE, Confederação Brasileira de Desporto Universitário - CBDU, ou entidades vinculadas, e instituições públicas ou privadas que desenvolvem programas educacionais; e

II - instituições de educação de qualquer nível. (BRASIL, 2013, grifo nosso)

Como já destacamos, a legislação se assemelha muito à proposta de Tubino (2010), porém compreendo haver alguns equívocos e contradições.

Sobre o esporte-educação, o autor o divide em dois segmentos: esporte educacional e esporte escolar, assim como vem discriminado na lei nº 9615/98. Essa segregação se configura, em nossa interpretação, como um equívoco, pois trata como se os dois estivessem em esferas distintas.

A contradição se materializa quando a norma dispõe que o esporte-educação deve ser praticado na educação básica e superior e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade e a competitividade excessiva de seus praticantes, logo em seguida está disposto que o esporte escolar deve ser praticado pelos jovens estudantes que possuem algum talento para prática esportiva no ambiente escolar, podendo ser praticado em competições realizadas pelas confederações. Se o esporte-educação deve evitar a seletividade e a competitividade, como seria possível o esporte escolar ser praticado apenas por jovens talentosos (que por si só caracteriza uma seleção) visando ao treinamento e à competição?

Diante do que expõe o autor e a lei em relação ao esporte-educação, deve- se, a partir de agora, compreender que o esporte escolar não é distinto do esporte educacional, assim como elucidado, e sim um desdobramento dele, contemplado dentro do espaço formal de educação, ou seja, a escola. Isso se comprova com a própria redação da legislação ao expor que o esporte educacional deve ser praticado em estabelecimentos escolares e não escolares, referenciado em princípios socioeducativos como inclusão, participação, cooperação, promoção à saúde, coeducação e responsabilidade.

Já que o esporte escolar está intrinsicamente relacionado ao esporte educacional, talvez a distinção e a terminologia utilizada para explicitar sobre a

77 competição entre escolas pudesse ser outra senão o “esporte escolar”, já que este não se reduz apenas a esse fim. Bracht (2003, p.87), evidencia isso ao relatar que:

[...] o esporte escolar só faz sentido se for pedagogizado, ou seja, submetido aos códigos da escola. Em termos mais concretos, isso significa que não basta, para a realização da função da escola, que o esporte seja aprendido e praticado nos seus espaços, é preciso também que o esporte escolar instrumentalize o indivíduo a compreender o fenômeno esportivo.

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Retomando sobre as dimensões do esporte, Bracht (2005) reconhece a multifacitude do fenômeno esportivo, porém sinaliza por uma abordagem mais diferenciada ou complexa, adotando um esquema dual do fenômeno esportivo:

a) Esporte de alto rendimento ou espetáculo b) Esporte enquanto atividade de lazer

É importante observar que, para o autor, diferentemente do que sinaliza a legislação vigente, o esporte educacional não está explícito no esquema por ele proposto, pois, toda prática esportiva é educacional, evidenciando que o esporte praticado no âmbito da instituição educacional pode se vincular a uma das duas perspectivas de esporte referidas acima, tanto à dimensão do lazer quanto à de rendimento, sinalizando que parece predominar as características do esporte de rendimento dentro da escola, ou seja, fornecendo o modelo para o esporte escolar.

Conforme explanado pelo autor, o esporte escolar ao assumir essas características, consequentemente se assemelha aos aspectos que dispõe a lei e ao que pensa Tubino. Isso não quer dizer que concorda com o fato de que essa dimensão do esporte deva assumir tais particularidades, sendo subordinado ao esporte de alto rendimento. Muito pelo contrário, pois, na sequência de sua elucidação, o autor faz sérias críticas ao esporte de alto rendimento, dando a entender que discorda veementemente que o esporte escolar seja subordinado a ele.

Podemos dizer que o esporte de alto rendimento ou espetáculo, aquele imediatamente transformado em mercadoria, tende a nosso ver, a assumir, as características dos empreendimentos do setor produtivo ou de prestação de serviços capitalistas, ou seja, empreendimentos com fins lucrativos, com proprietários e vendedores de força de trabalho, submetidos às leis do mercado. (BRACHT, 2005, p.18)

A discordância por parte do autor fica explícita ao afirmar que o esporte de alto rendimento fornece o modelo de operação para as demais dimensões, incluindo

78 sua socialização ao esporte escolar com o intuito de vinculá-lo ao consumo do produto esporte.

É o esporte de alto rendimento que, em linhas gerais, ainda fornece o modelo de atividade para grande parte do esporte enquanto atividade de lazer, como também recruta, cada vez menos, é verdade parte do seu contingente de praticantes (trabalhadores) nessa manifestação e no esporte escolar, este propiciando, ainda, a socialização para o consumo do esporte (contingente consumidor do produto esporte e de seus subprodutos). (BRACHT, 2005, p.18)

Vale ressaltar, após a explanação das dimensões esportivas, que o esporte como conteúdo da Educação Física escolar está interligado às políticas educacionais e às orientações pedagógicas. Diante disso, este deve ser regido por diretrizes e parâmetros educacionais ligados ao Ministério da Educação, secretarias estaduais e municipais, assim como pelas unidades escolares, as quais são competentes para orientar a prática pedagógica para o ensino deste conteúdo. Não se deve negar a relação com outros sistemas ou instituições, no entanto esse relacionamento deve ocorrer a partir da especificidade da instituição educacional.

É notório que a dimensão do esporte educacional, especificamente, por se cercar de muita complexidade, ainda precisa ser bastante estudada e pesquisada, a fim de que se tenham conceitos/objetivos claros, condizentes e concretos, já que se trata da dimensão prioritária dos recursos públicos, além de ser responsável pelo desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania.