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3.5 POSSIBILIDADE PARA O ENSINO DO ESPORTE A PARTIR DA DIDÁTICA HISTÓRICO-CRÍTICA.

O objetivo é avançar coletivamente rumo à construção de uma abordagem para o ensino do esporte, tomando como base a didática histórico-crítica, pautada na lógica dialética que vai da síncrese à síntese por meio da mediação da análise e do professor.

Alertamos ainda, para o fato de que esta é uma forma possível de se abordar o ensino do esporte como conteúdo da Educação Física escolar, contudo sem excluir outras possibilidades, destacando que a proposta aqui desenvolvida não pretende esgotar a complexidade do tema em foco.

Ao propor uma possibilidade para o ensino do esporte a partir da referida didática, a argumentação será fundamentada na pedagogia histórico-crítica de Saviani e na didática histórico-crítica desenvolvida por Gasparin, reconhecendo que o movimento dialético desta pedagogia não sinaliza que as etapas sejam estanques

87 e fragmentadas, enfatizando que a dialeticidade do método ocorre durante todo o processo de ensino, independente de qual estágio esteja sendo abordado.

Com o intuito de dar uma sequência lógica e transparente à proposta, adotaremos os passos sugeridos pelos autores, conforme já explanado no capítulo 115.

A proposta toma como componente o conceito didático de Saviani, porém sem deixar de lado as abordagens críticas da Educação Física elucidadas no capítulo anterior, assim como os elementos do esporte da escola discutidos neste capítulo.

Apresentamos como exemplo o desenvolvimento de um plano didático para o ensino do conteúdo futsal nos anos finais do ensino fundamental16. Trazemos o exemplo do futsal já que ele se apresenta como um dos esportes mais trabalhados dentro do ambiente escolar.

Ao sugerir uma proposta para o ensino do futsal como conteúdo da Educação Física escolar pensamos na necessidade de buscar um sentido realmente pedagógico, por meio da didática histórico-crítica, tornando-o diferente no que diz respeito à sua aprendizagem, seus princípios, seus ensinamentos básicos, seus ideários, seu compromisso social, político, econômico e cultural, buscando assim desenvolver uma nova concepção do esporte da escola, transformado didaticamente para atender ao compromisso educacional e não apenas às exigências esportivas.

A proposta visa desenvolver o conteúdo para que seja trabalhado em diversas dimensões, sendo capaz de contribuir para a formação de pessoas críticas e emancipadas, desenvolvendo os aspectos social, cultural, afetivo, cognitivo e motor por parte de todos os alunos, considerando suas vivências pessoais.

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A transmissão dos conhecimentos de forma mediada e sequenciada, por intermédio de Saviani (2011) e Gasparin (2009), propõe uma didática, que podemos chamar de “processo de construção do conhecimento” que se materializa da seguinte forma:

1 – Prática social inicial 2 – Problematização 3 – Instrumentalização 4 – Catarse

5 – Prática social final

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Sugerimos os anos finais (6º ao 9º ano) do ensino Fundamental, já que é o segmento de maior proximidade com a pesquisa, não inviabilizando essa abordagem em outras etapas da Educação Básica, podendo ser adaptada, com mais ou menos complexidade, de acordo com o segmento em questão.

88 Partindo do pressuposto de suas vivências, apresentamos a proposta fazendo um recorte específico dentro do conteúdo futsal e a questão de gênero como tema da aula: Futsal só para meninos?

PRÁTICA SOCIAL INICIAL

A prática social é o ponto de partida. Momento de verificar o que é comum ao professor e aos alunos, levando em conta a heterogeneidade dos sujeitos envolvidos nesse contexto.

A prática social inicial, primeiro momento do trabalho pedagógico, consiste em ver a realidade e tomar consciência de como ela se coloca no seu todo e em suas relações com o conteúdo que será desenvolvido no processo. (GASPARIN, 2009, p.34)

Nesse instante, a compreensão do professor é sintética, porém ainda precária, já que não tem entendimento sobre o que os alunos conhecem. Entretanto, a compreensão dos alunos é sincrética, devido ao fato dos conhecimentos, que possuem em relação ao conteúdo, serem apenas do cotidiano, não possuindo ainda uma articulação pedagógica da prática social que participam.

Essa prática é o ponto inicial para a construção da aprendizagem, o que significa trabalhar o conhecimento a partir da articulação dialética dos saberes do senso comum com os saberes científicos.

Diante disso, a partir de uma visão conceitual, o professor pode debater com os alunos sobre os aspectos gerais e suas vivências em relação ao futsal e a questão de gênero, buscando os relatos dos mesmos sobre suas experiências.

Na sequência, o professor pode fazer com que os alunos vivenciem o jogo da forma que eles conhecem. É a oportunidade de observar os diversos aspectos que ocorreram durante esse momento e a partir desse levantamento seguir para a problematização.

PROBLEMATIZAÇÃO

A problematização trata da identificação dos aspectos levantados durante a prática social, os quais precisam ser abordados no processo educativo. Essas questões, em concordância com os objetivos de ensino, orientam o trabalho pedagógico a ser desenvolvido pelo professor e pelo aluno.

89 Saviani (1999) corrobora ao afirmar que a problematização trata de se detectar quais questões precisam ser resolvidas no âmbito da prática social e, em consequência, que conhecimento é necessário abordar.

Diante disso, o professor deve levantar os problemas a partir da prática social confrontando o conhecimento popular com o saber científico, a fim de problematizar alguns novos elementos em relação ao conteúdo, tais como:

- Futsal e futebol são a mesma coisa?

- Só os melhores/mais habilidosos podem jogar?

- É um esporte predominantemente praticado por meninos? - Quais os motivos que afastam as meninas do futsal?

- Existe preconceito em relação à prática das meninas no futsal?

- Os preconceitos de gênero só acontecem nessa prática ou também existem na sociedade, na escola, no seu bairro, na sua família?

- É possível meninos e meninas jogarem juntos?

- Podemos adaptar as regras e transformar o jogo a fim de atender a essas necessidades?

A partir de então é preciso instrumentalizar as questões abordadas no processo de problematização.

INSTRUMENTALIZAÇÃO

É o instante onde ocorre com mais ênfase a mediação pedagógica do professor. Momento onde ocorrem as ações didático-pedagógicas entre o docente e os discentes com o intuito de se construir o conhecimento científico.

As formas pedagógicas adequadas são todas aquelas que contribuam para a transmissão do saber escolar. Em didática, isso se refere aos procedimentos, recursos e técnicas que permitem a efetivação dos conteúdos levando em conta os sujeitos a que se destinam. (LAVOURA; MARSIGLIA; MARTINS, 2019, p.18)

Segundo Gasparin (2009), a instrumentalização é o caminho pelo qual o conteúdo sistematizado é posto à disposição dos alunos para que assimilem e o recriem a fim de incorporá-lo, transformando-o em instrumento de construção pessoal.

Nesse sentido o professor deve oportunizar vivências (teorias e práticas) favoráveis para participação em conjunto da turma. Durante esse processo, o professor fará a mediação do conteúdo (futsal/gênero) a fim de que os alunos se

90 apropriem da temática. Podendo, inclusive, solicitar que eles criem jogos que incluam meninos e meninas na prática do futsal e, a partir das criações, oportunizem a vivência do que foi criado por eles próprios.

Ensejamos um exemplo de jogo que pode ser oportunizado pelo professor. Nesse caso, a atividade desenvolvida na aula será o futsal em duplas mistas e o professor deve orientar para que os alunos formem duplas mistas (menino e menina). No primeiro momento, solicita-se que os alunos da dupla conduzam a bola e realizem um passe para o outro colega que está de mãos dadas e assim sucessivamente, a fim de trabalhar o aquecimento e a socialização entres os membros da dupla.

Em seguida, o professor monta duas equipes compostas pelas duplas mistas para dar início ao jogo. A princípio, a atividade possui as mesmas regras do futsal, com a adição que os alunos devem jogar de mãos dadas não podendo se soltar. Durante o jogo, o professor deve exercer o papel de mediador, debatendo com os alunos as possibilidades de se organizar o jogo para que as meninas participem ativamente deste. Dessa reflexão, devem sair algumas regras que têm como objetivo possibilitar a participação de todos.

No decorrer da atividade, o professor deve realizar um rodízio entre os alunos, com o intuito de socializá-los, fazendo com que eles vivenciem a atividade com outros pares.

Algumas variações podem ser utilizadas pelo professor a fim de valorizar a participação das meninas durante um período do jogo, como, por exemplo, 1) permitir que somente as meninas possam marcar gols; 2) permitir que apenas as meninas conduzam a bola; e 3) para que um menino possa fazer gol, a bola tem que ter sido passada por uma menina.

No final da aula, o professor deve estimular os alunos a refletir sobre a participação das meninas e dos meninos no jogo, questionando-os sobre sua de atuação, isto é, o que podem modificar na sua participação, quais as principais dificuldades encontradas, se existiu preconceito e/ou discriminação durante a aula etc.

91 CATARSE

Segundo Gasparin (2009), catarse é a expressão elaborada pela nova forma de entender a prática social. O aluno adquire uma atitude teórico-mental diferente do que havia apresentado no início do processo de estudo.

É o instante em que o aluno adquire um salto qualitativo de desenvolvimento acerca do conteúdo trabalhado, ou seja, nesse momento, ocorre a ruptura do entendimento menos elaborado sobre o futsal e a questão de gênero, passando a ser um elemento mais elaborado capaz de transformação.

Por ser uma proposta dialética, em constante movimento, as etapas não devem ser dissociadas umas das outras. Diante disso, podemos concluir que no momento da catarse, novas problematizações podem surgir, já que o aluno passa a adquirir um novo entendimento do conteúdo. Lavoura, Marsiglia e Martins (2019, p.19) corroboram ao afirmar que “a catarse é que cria espaço para novas problematizações e instrumentalizações”.

Nesse sentido, é o momento de avaliar o processo de ensino e aprendizagem, sendo necessário que o professor crie condições para que o aluno demonstre o seu crescimento, sobre como se apropriou do conteúdo abordado. Nesse caso, sobre o futsal e a questão de gênero, e se conseguiu equacionar/resolver as questões da problematização desenvolvidas na instrumentalização.

PRÁTICA SOCIAL FINAL

É o retorno à prática social, agora não mais entendido de forma sincrética pelos alunos, nem de forma sintética-precária pelo professor.

De antemão, é importante salientar que a ação não se esgota na prática social final, já que a mesma pode servir como ponto de partida (prática social inicial) para um novo processo, caracterizando o método dialético da proposta.

Para Saviani (2009), a compreensão da prática social passa por uma alteração qualitativa, afirmando que a prática referida no ponto de partida e no ponto de chegada é e não é a mesma.

É a mesma uma vez que é ela própria que constitui ao mesmo tempo o suporte e o contexto, o pressuposto e o alvo, o fundamento e a finalidade da prática pedagógica. E não é se considerarmos que o modo de nos situarmos em seu interior se alterou qualitativamente pela mediação da ação pedagógica. (SAVIANI, 2009, p.82)

92 Com a abordagem realizada durante a problematização e instrumentalização, os alunos retornam à prática social com o entendimento concretizado em determinações e relações acerca do conteúdo futsal/gênero.

Desse modo compreende-se que o futsal e a questão de gênero significam o ponto de partida e de chegada, agora entendidos pelos alunos de forma sintética, onde adquiriram uma nova visão do conteúdo.

Já que agora o professor e os alunos chegaram a uma síntese, os quais se encontram em constante processo de aprendizagem, podem, em conjunto, propor ações a fim de intervir, de forma crítica e reflexiva, no meio social em que estão inseridos, seja na escola ou fora dela, a partir do futsal e da questão de gênero.

93 CAPÍTULO 4 – “MESA REDONDA”