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Capítulo 1 Fundamentos estruturais do Estado-Nação: elementos conceituais, teoria e

1.3 Estado e território na era das revoluções (1789 a 1914)

1.3.2 O Estado moderno a serviço de quem?

Ao tempo destes dois geógrafos clássicos, a estrutura burocrática (pública e privada) já era bastante arraigada e sua complexidade modelava o poder da organização na gestão do Estado ao requerer qualificações específicas para o preenchimento das funções. Mas ainda era um Estado que cuidava dos interesses expansionistas das atividades produtivas e favorecia as

14 As idéias de La Blache foram difundidas por meio da revista “Annales de Géographie”, fundada por ele em 1891. Estas inspiraram a maioria dos modelos desenvolvidos pela escola geográfica francesa.

15 O historiador Lucien Febvre (1922) cunhou o termo “possibilismo”, em oposição a “determinismo”, ao sintetizar de forma simplificada as ideias de La Blache.

classes hegemônicas. Na visão de Gramsci (1978), desenvolvida a partir da concepção orgânica de Hegel (1770-1831), o Estado e a burocracia constituíam o aparato institucional a serviço da burguesia. Para Hegel, o Estado havia derrotado a sociedade civil e a absorvera.

Marx (1818-1883) concordou com esta visão “hegeliana” somente a princípio, pois introduziu uma concepção crítica de Estado, ao fundi-lo ao “povo”, elemento responsável por lhe garantir a soberania. Ao pretender mostrar ser o Estado uma parte essencial da única estrutura econômica, cuja existência seria por ele assegurada, Marx desfez os dois lados do contrato de Locke. O Estado, ou a sociedade política, era a expressão da sociedade civil e como tal parte das relações de produção. Segundo Marx,

[...] o Estado capitalista garante o predomínio das relações de produção capitalistas, protege-as, liberta-as dos laços de subordinação à renda fundiária absoluta (ou renda parasitária), garante a reprodução ampliada do capital, a acumulação capitalista. Portanto, é um elemento que faz parte integrante das próprias relações de produção capitalistas, mas é determinado por estas. (apud GRUPPI, 1996, p. 27-28).

O Estado era, então, um instrumento para controlar os homens desprovidos dos meios de produção ao possibilitar aos seus proprietários institucionalizarem sua dominação econômica por meio dos organismos de dominação política. De acordo com essa idéia, Engels (1820-1895) se referiu a ele como o Estado da classe econômica dominante16.

Gramsci (1978) desenvolveu o seu conceito de hegemonia de classe ao entender que o Estado compreende “[...] além do aparato governamental também o aparato „privado‟ de

„hegemonia‟ ou sociedade civil”. (GRAMSCI, 1978, p. 232). Então, para ele o Estado foi

concebido como uma organização, propriedade de um grupo, cujo objetivo seria proporcionar os requisitos para a máxima expansão deste grupo, entretanto dando a perceber que...

[...] este desenvolvimento e esta expansão são concebidos e apresentados como a força motora de uma expansão universal, de um desenvolvimento de todas as energias nacionais, isto é, o grupo dominante é coordenado [...] com os interesses gerais dos grupos subordinados e a vida estatal é concebida como uma contínua formação e superação de equilíbrios instáveis (no âmbito da lei) [...]. (GRAMSCI, 1978, p.193).

Dessa forma, o projeto do Estado “gramsciano” sustentava-se em uma nova economia e em uma nova classe hegemônica, fortemente interessada na divisão dos poderes decorrente

16 “Mas, a fim de que esses antagonismos – essas classes com interesses econômicos conflitantes – não

destruam a si mesmos e à própria sociedade numa luta estéril, nasce a necessidade de uma potência que se coloque aparentemente acima da sociedade, que amenize o conflito, que o mantenha nos limites da ordem. Este poder que procede da sociedade mas se coloca acima dela e que fica sempre mais estranho a essa mesma

das lutas políticas entre as classes. (GRAMSCI, 1978, p. 224). Mesmo com a subdivisão dos poderes (legislativo, judiciário e executivo17) o Estado mantinha a sua unidade, visto que os três eram também órgãos da hegemonia política.

A coordenação dos interesses gerais das classes em um mesmo interesse hegemônico impunha ao Estado uma função prioritária: inserir o povo em uma dada situação cultural e moral, compatível com os requisitos de desenvolvimento das forças produtivas. Para Gramsci (1978), o território era um instrumento de delimitação física do poder do Estado capitalista sustentado na coesão popular: ao se explorar o conceito de nação como vinculado ao Estado, o povo, ou todas as classes, era identificado com seu território, contra um inimigo que se encontrava fora dele, e a favor de um projeto supostamente partilhado por toda a nação.

A contribuição da alta burguesia no empenho de “civilizar as massas” e formar o cidadão tornou-se mais efetiva na medida em que seu poder foi incrementado por mudanças espaciais decorrentes da transferência dos meios de produção da casa do trabalhador para as unidades produtivas nas cidades. O capital passava, então, a usufruir das três fontes de poder explicadas por Galbraith (1984): (1) a da personalidade empreendedora; (2) a da propriedade do capital fixo e do capital de giro; e (3) de um novo modelo de organização crescentemente burocratizada. Até então,

[...] o mercador obtinha seus produtos de artífices e artesãos autônomos e de outros trabalhadores mediante acordos compensatórios relativamente maleáveis. Agora, os trabalhadores operam diretamente no interior das vilas industriais e fábricas, o que permite o exercício muito mais rígido do poder compensatório sobre os que fazem o produto. (GALBRAITH, 1984, p.113).

Ao explicar o Estado como uma comunidade política que pressupõe como fatores necessários à construção do seu conceito o território, a força física e uma ação social de cunho econômico e de regulamentação das relações pessoais, Weber (2004) destacou a importância do seu aparato coercitivo. Segundo ele, a força física teria dupla função: (1) fazer com que os participantes individuais agissem conforme os interesses de sua comunidade política; e (2) fazer com que os estrangeiros respeitassem o direito à autodeterminação do Estado, mesmo que isto implicasse a expansão do território. Mas, Ratzel compreendeu, no exercício da função do direito, uma das formas de atuação do Estado frente ao processo civilizatório que tornava o uso da força física episódico. Segundo ele, o Estado seria o dono do instrumento de

17 Os três poderes: (1) Poder legislativo – Parlamento – representante da sociedade civil; (2) Poder judiciário – Magistratura – mediador entre os outros dois poderes, e representante da continuidade da lei escrita (mesmo contra o poder executivo); (3) Poder executivo – Governo – exercido por meio da burocracia.

submissão coercitivo ao qual o homem civilizado se habituaria, encontrando na obediência à lei uma utilidade prática.

Com respeito ao reconhecimento do Estado por povos estrangeiros, Weber (2004) explicou que o emprego da força física era um pressuposto para a edificação de uma comunidade política que provocava “fundamentos sentimentais permanentes” da consciência nacional, sustentados por um “destino político comum”. Esta seria uma forma de criar vínculos de memória, que costumavam superar os vínculos da comunidade cultural, linguística ou de sangue.