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Capítulo 2. VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA: CONCEITOS E PROBLEMAS

2.3. A Estrutura Interna das Cidades

As teorias direcionadas ao espaço urbano passaram a estudar a estruturação e a diferenciação dos espaços urbanos, foram desenvolvidas por economistas neoclássicos e têm centrado o interesse na maximização do uso de determinadas localizações, para empresas e famílias.

Entre os modelos teóricos elaborados, que tem fundamentado as pesquisas relacionadas à valorização do solo, destacam-se aqueles que se baseiam nas variáveis, distância e densidade como os de Robert M. Haig (1926), Lowdon Wingo (1961), William Alonso (1964), Richard Muth (1968), Edwin Mills (1973) e L. Marshall (1975).69

Deste conjunto, Hurd e Haig, foram os primeiros a empregar argumentos similares ao modelo de livre-comércio de Von Thünen. Tais argumentos, posteriormente, foram reelaborados e recolocados por Alonso (1964), Muth (1969) e Mills (1972), cuja hipótese principal era a de que “os proprietários procuravam minimizar os custos de localização por lucros de livre-comércio contra os custos de transporte70”. Esses teóricos estão associados à escola de economia urbana neoclássica.

O principal objetivo da economia urbana neoclássica, segundo Abramo (2001) era apresentar o equilíbrio de Von Thünen de acordo com um programa de maximização microeconômica, que permitia o estabelecimento de um raciocínio econômico que pretendia circunscrever a configuração da estrutura espacial em função das decisões descentralizadas dos agentes do mercado. Afirma, ainda, que o cerne da economia urbana neoclássica (os modelos de estruturação residencial

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Relatório Preliminar PLAMBEL “O Processo de Desenvolvimento de Belo Horizonte – 1897 – 1972, elaborado em 1977”, p. 5.

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intra-urbana) tem como referência de base, a resposta dada por Alonso às questões residenciais, que constitui cerne do que às vezes se denomina de “teoria” das escolhas residenciais.71

Sob a escola de economia neoclássica, a partir da década de 1970, desenvolveu-se a teoria da renda fundiária urbana, que passou a realizar as análises relacionadas à valorização do solo, sob uma perspectiva marxista. Destacando-se do conjunto os trabalhos de Lojkine (1971), Lipietz (1976), Topalov (1979) e Harvey (1980).

As análises marxistas, segundo asseveram Clark (1985), se iniciam a partir de pressupostos implícitos e da anuência de uma economia capitalista, procurando explicações sobre a estrutura urbana em termos de processos e relações que são produzidas por esse tipo de economia. Esse autor considera a abordagem marxista totalmente mais fundamental. Pois, ao invés de processos secundários e seus resultados questiona a ordem social e a economia subjacente. As diversidades social e espacial existentes na área urbana decorrem de forma inevitável e necessária de um modo de produção capitalista. Considera fundamental para uma abordagem marxista a análise da organização da produção72.

Já para Pastore (1984) a abordagem marxista é um posicionamento teórico que considera a totalidade das relações humanas nas explicações dos fenômenos sociais. Está fundamentada na dialética do processo histórico e espera concorrer para a transformação social ao definir a necessidade de um novo modo de produção. A visão histórica dos teóricos marxistas conjetura uma seqüência de modos de produção dialeticamente sucessivos, que estabelecem relações qualitativamente diferentes na sociedade. Quanto ao conhecimento, procura não se

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ABRAMO (2001, p. 21).

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limitar à observação dos fatos aparentes, pois procuram estabelecer relações mediatizadas pela lógica do conhecimento a níveis cada vez mais profundos de essencialidade73.

O ponto de partida para a teoria espacial, no contexto capitalista, segundo Harvey (2001), situa-se na interface entre as possibilidades de transporte e comunicações, por um lado, e as decisões localizacionais, por outro. Para este autor, Marx (1973) defendeu a idéia de que a capacidade de superar barreiras espaciais e anular o espaço pelo tempo por meio do investimento e da inovação nos sistemas de transporte e comunicações cabia às forças produtivas do capitalismo. (HARVEY, 2001, p. 145 apud Marx, 1973).

No campo espacial, o impulso para revolucionar as forças produtivas é tanto maior quanto em qualquer outro. Assim sendo, a história do capitalismo ficou marcada por reduções dramáticas no custo ou tempo de movimento, além de melhorias na continuidade do fluxo. As relações espaciais estão sujeitas, a transformação contínua. Outras formas de mudança tecnológica podem alcançar o mesmo objetivo, mas por via diferente. As mudanças contemporâneas, liberam a produção, da dependência relacionada as habilidades localizadas de mão-de-obra, matérias-primas, produtos intermediários, fontes de energia etc. Promovidas pelo aumento da variedade das possíveis substituições em determinado processo produtivo, os capitalistas podem cada vez mais se livrar dos limites geográficos específicos74.

Com estas explicações iniciais serão analisadas as teorias que tem contribuído para a realização de análises da estrutura urbana, relacionadas ao processo de valorização de solo.

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PASTORE (1984, p.17-18)

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Robert M. Haig (1927 apud PLAMBEL, 1977, p. 6) desenvolveu estudos relacionados a influência dos custos de transportes na determinação do preço da terra, sendo considerado um dos primeiros fatores de valoração encontrados na literatura. A partir da aplicação de seu método foram desenvolvidos conceitos como acessibilidade e fricção do espaço; além disso, associava o preço da terra à economia nos custos de transporte, possibilitada por um certo limite, a partir do qual torna-se obrigatório o uso de algum transporte.

Para Haig quanto melhor o meio de transporte, menor a fricção. Neste caso, a renda de situação e os custos de transporte representam o custo causado pela fricção. Desta forma, o usuário de dado espaço urbano paga, como “custo de fricção”, os custos de transporte e a renda da situação (o que significa a economia nos custos de transportes entre dois locais do espaço urbano). Haig afirma que,

teoricamente a melhor localização para uma atividade específica é aquela que fornece o grau de acessibilidade desejado, ao menor custo de fricção. A teoria de

Haig amplamente divulgada nos Estados Unidos influenciou particularmente a Lowdon Wingo e William Alonso75.

A teoria desenvolvida por R. M. Hurd (1903) estava relacionada à valorização do espaço em relação à distância ao centro, no que se assemelhava a de Von Thünen. Esse autor considera que à medida que uma cidade se expande, necessita de terras mais afastadas, o que se torna determinante para a valorização das terras localizadas próximas ao centro. Os maiores benefícios, portanto, se distribuem do centro para a periferia. Como o valor da terra depende da renda econômica e esta da localização, que por sua vez depende das vantagens que possa oferecer, conclui-se que o valor da terra depende da proximidade a um centro. Hurd

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considerada de grande importância na redistribuição dos valores da terra urbana, o crescimento da população e da riqueza, assim como as mudanças operadas no transporte e a expansão das facilidades públicas (Hurd, 1903)76.

Os modelos de Muth, Wingo e Alonso, expostos adiante, são considerados por Abramo (2001) semelhantes quanto ao resultado final, apesar de revelarem diferenças, relacionadas ao alcance e a forma. Assim se a apresentação do equilíbrio individual das famílias proposto por Muth parece ser a mais realista e elegante do ponto de vista da forma estrutural, a proposição de Alonso é considerada a mais abrangente e a que mais se aproxima dos escritos de Von Thünen.

O modelo empregado por Alonso (1964), denominado como teoria do equilíbrio espacial, foi elaborado a partir de pressupostos básicos da análise econômica neoclássica, ou seja, em princípios como a existência de uma concorrência perfeita e da racionalidade dos agentes econômicos.

Ainda, segundo Abramo (2001), Alonso procura comprovar que as escolhas de localização descentralizada feitas pelos agentes econômicos seguem uma regularidade espacial e, que esta configuração se apresenta como uma ordem espacial estável e eficiente. Caso essa distribuição não ocorra de forma aleatória, procura encontrar os mecanismos de coordenação que garantem essa ordem espacial estável e eficiente.

A partir do pressuposto de que as relações entre os indivíduos se estabelecem pelas trocas realizadas dentro de um mercado, provenientes da livre escolha desses indivíduos. Então, a configuração espacial será coordenada pelo mercado e pelo agregado das escolhas de cada um dos usuários de espaço.

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O primeiro passo seria a identificação dos tipos de usuários, para que se possa distinguir o raciocínio seguido por cada um desses tipos de usuários virtuais e suas intenções de localização em função da renda de cada um.

Este mesmo autor afirma que Alonso destacou três maneiras de utilizar o espaço a partir de objetivos (função) distintos. Como segue, o uso do solo agrícola que visa à produção de bens agrícolas para o mercado; a que utiliza o espaço enquanto área onde os bens são produzidos/ estocados / vendidos e onde o agente econômico típico é a empresa e; o uso residencial, em que o agente usuário agora não é outro senão a família.

Em uma sociedade em que o mercado coordena a alocação de recursos, essas três classes de consumidores de espaço vão estabelecer uma concorrência em torno do binômio espaço-localização. Se considerarmos o mercado da disputa pela localização, como que regido, pelo lado da demanda, por uma concorrência perfeita e, pelo lado da oferta. Teremos, então, uma concorrência espacial em que o preço de equilíbrio será determinado por um tipo particular de confronto de mercado.77

A metodologia aplicada por Alonso consistiu em, inicialmente, considerar que o custo de deslocamento depende somente da distância ao centro, e que neste local se concentram todos os empregos e serviços. E, ainda, que a área dos terrenos á a única variável física que interfere nos preços; Em segundo lugar, determinou a estrutura dos preços da terra, em função das preferências localizacionais das famílias e empresas. Concluiu, que a localização ótima das pessoas (conhecida no modelo de equilíbrio espacial) é expressa pelo o grau máximo de satisfação das

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famílias e empresas, apresentada em uma curva que retrata o preço máximo que cada um está disposto a pagar por um terreno com área desejada.

Em seguida Alonso avaliou, qual seriam as influências, que variações na renda, no crescimento demográfico e nas melhorias nos transportes, provocariam no preço da terra. Em relação ao aumento da renda, supôs que ocorreria um acréscimo na quantidade de terrenos desejados pelas famílias, desde que os custos de transportes apresentassem crescimento menor que o da renda.

Quanto ao crescimento demográfico, acarretaria a expansão da cidade e um aumento na demanda, por conseguinte, no preço da terra. A melhoria dos transportes reduziria os preços dos terrenos no centro e aumentaria os da periferia. Em decorrência se verificaria aumento de terras urbanizáveis e a expansão do tecido urbano.

O aumento do valor do solo dado pelo conjunto de três fatores: a) o acréscimo de renda, induzindo os estratos de maior poder aquisitivo a se deslocar das situações centrais para as periféricas; b) o crescimento demográfico provocando o aumento do valor da terra; c) a diminuição dos tempos de deslocamento, reduzindo os valores da terra no centro e aumentando-os na periferia. 78

Na teoria de Lowdon Wingo (1961), o mercado da terra urbana está condicionado à noção de custos de transporte e extensão dos deslocamentos, sobretudo, ligados aos gastos monetários, ao número de deslocamentos e ao tempo de trajeto79.

Nesse modelo cada indivíduo procura maximizar sua renda localizando-se mais próximo do trabalho e, desta forma, diminuindo os custos de deslocamento casa-trabalho. Em decorrência determina uma concorrência por localizações

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PLAMBEL (1977, p. 7).

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próximas ao centro, onde “teoricamente” devem concentrar-se todos os empregos. Considera o preço da terra na periferia nulo e o custo de transporte máximo. Quanto à densidade, o autor afirma que é mais elevada nos centros que na periferia, pois tende a se elevar com o preço da terra.80

Os trabalhos de Wingo, conforme afirma Abramo (2001), exerceram influência sobre os modelos neoclássicos de estruturação intra-urbana, principalmente, por sua abordagem aprofundada dos efeitos do sistema de transportes no processo de localização dos agentes e pela forma dada ao equilíbrio espacial das famílias, que incorporava explicitamente a dimensão de densidade residencial.

Wingo afirmou que considerar dimensão espacial partindo-se do problema da escolha da localização residencial modificava os termos tradicionais da explicação neoclássica, relacionada à remuneração do fator trabalho. Logo, considerar o espaço, a partir da localização residencial, significava apresentar uma diferenciação quanto ao poder de compra dos trabalhadores, definido pelos seus rendimentos. Foi este autor quem introduziu a noção de renda de situação, que poderia ser entendida com um “mecanismo de mercado que permite estabelecer critério de uniformidade

do poder de compra do salário e, portanto, de ‘neutralidade’ da variável espaço nas despesas relacionadas à escolha de localização dos assalariados” [grifo nosso].

O modelo empregado por Wingo utilizava a determinação do salário no mercado de trabalho e a relação entre esse salário e a localização residencial dos trabalhadores como ponto de partida para sua análise espacial urbana, criando uma diferença entre o modelo empregado por ele, e os outros ‘modelos fundadores’[grifo do autor] da síntese neoclássica.81

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PLAMBEL (1977, p. 6)

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Os autores Richard Muth, Edwin Mills e Marshal desenvolveram modelos baseados na densidade, como variável estratégica da estruturação urbana. Portanto, o modelo elaborado por Mills, estuda a relação entre densidade e preço da terra. De acordo com Mills a economia urbana caracteriza-se pela intensidade de utilização do fator terra na geração dos bens e serviços. E que a diferença entre o espaço urbano do espaço rural ocorre pela intensa utilização do espaço urbano, além de admitir uma multiplicidade de usos econômicos, que não são encontrados no espaço rural.

Por conseguinte, dada a intensidade de utilização e a limitação da quantidade de terras disponíveis, ocorre uma procura que será tanto maior quanto maior for a possibilidade de se obter diversidade de usos em determinada área do espaço urbano. O valor da terra urbana será determinado, então, pela maior ou menor economicidade da terra, enquanto fator de uma determinada atividade produtiva82.

Richard Muth (1968) desenvolveu um modelo de usos alternativos da terra, a partir da conversão de terra agrícola em urbana. Não analisa a estrutura dos preços, nem as conseqüências que ela tem para os diversos grupos sociais e para a localização destes no espaço. Conclui que a diminuição das densidades (curva exponencial) seria função do comportamento da oferta e demanda de moradias e do crescimento dos custos de transporte, a partir de uma localização central.

Em seu modelo de equilíbrio residencial, foi o primeiro a abordar a idéia de uma configuração espacial não-aleatória relacionada à altura dos prédios residenciais urbanos, isto é, quanto a uma certa regularidade (ordem) na distribuição espacial do número de andares, regularidade que seria, ela própria, um resultado da coordenação das decisões de uso do solo pelo mercado de localização (ABRAMO, 2001).

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Propôs substituir a expressão demanda de espaço por “serviços residenciais”, na função de utilidade das famílias. Esses serviços estão associados ao critério da distância entre a residência e o centro de negócios; eles não modificam a arbitragem do consumo das famílias, considerado uma característica da escolha de localização residencial no modelo ortodoxo de base.

A partir de então, a expressão de serviços residenciais possibilitava raciocinar sobre a escolha de localização levando-se em consideração a unidade espacial “apartamento”. Se o jogo do mercado opõe a oferta e a demanda de bens, então introduzir o consumo de serviços residenciais implica introduzir a outra “lâmina” da tesoura marshalliana, a saber: a indústria que oferece esses serviços83.

Jean Jacques Granelle (1971 apud PLAMBEL (1977, p. 9) estudou a influência da distancia em relação ao centro sobre o preço da terra de várias cidades da França, segundo a variação nos de construções e zonas. O autor afirma que, a variação dos preços no espaço urbano obedece ao jogo de três variáveis: a) acessibilidade aos pólos de atração da cidade: distância ao centro e qualidade do transporte; b) meio ambiente (superfície, forma do terreno e densidade de ocupação do solo nas áreas próximas) e; c) fatores de regulamentação.

L. Marshall (1975) desenvolveu o modelo, denominado “Princípio da Economia Política”. Limitou-se à análise da localização das famílias, considerando que a população de uma zona é função da população total da cidade, da disponibilidade de terra nesta zona e também, uma função exponencial negativa da distância ao centro. Adotou o pressuposto de que o decréscimo das densidades é função da disponibilidade de terras e de restrições geográficas.84

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ABRAMO (2001, pp. 127 – 128)

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