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Capítulo 1. OS CAMINHOS DA URBANIZAÇÃO A PARTIR DO SÉCULO XX

1.2. Sobre a Centralidade das cidades

1.2.2. Segregação Urbana

Para Lefebvre (2001) a segregação pode se manifestar de três formas distintas, ora simultâneas, ora sucessivas: espontânea, resultante das rendas e das ideologias; voluntária, se estabelece a partir de locais separados; e a programada, se desenvolve pela execução de planos urbanísticos com a justificativa de organizar o espaço. Para este autor;

“[...] mesmo onde a separação dos grupos sociais não aparece de imediato, com uma evidência berrante, surgem, ao exame, uma pressão nesse sentido e indícios de segregação (...) O fenômeno da segregação deve ser analisado segundo índices e critérios diferentes: ecológicos (favelas, pardieiros, apodrecimento do coração da cidade), formais (deterioração dos signos e significações da cidade, degradação do urbano por deslocação de seus elementos arquitetônicos), sociológico (níveis de vida e modos de vida, etnias, culturas e sub-culturas etc)”. 44

Para Castells (1983), no sistema capitalista, a distribuição dos locais segue as regras da distribuição dos produtos. Em decorrência ocorrem os reagrupamentos em função de suas rendas, de seu status profissional, do nível de instrução, de filiação étnica etc. Por conseguinte, desenvolvem-se as estratificações urbanas, correspondentes ao sistema de estratificação social e quando as distancias sociais

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ACIOLY & DAVIDSON (1998, p.24)

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que se expressam no espaço urbano são grandes, ocorre a segregação urbana. A segregação urbana é definida por este autor como sendo, a tendência à organização

do espaço em zonas de forte homogeneidade social interna e com intensa disparidade entre elas, sendo esta disparidade compreendida não só em termos de diferença, como também de hierarquia.45

Na composição do espaço residencial ocorre uma interação de determinações econômicas, políticas e ideológica, podendo-se observar que existe um reforço da segregação nestes espaços. Sua estrutura, então, será determinada pelos seguintes fatores:

De ordem econômica, neste caso a segregação obedece à distribuição do produto entre os indivíduos, sendo seu produto específico, a moradia. Este fator é a base do conjunto desse processo e pode-se considerar a segregação como sendo a capacidade de deslocamento e de acesso em relação a pontos estratégicos da rede urbana.

De ordem político-institucional, a democracia local tende a reforçar o processo de segregação ao por em prática uma política de serviços, que prioriza os interesses de uma fração dominante de uma unidade administrativa. Já que os recursos locais dependem do nível econômico da população, a autonomia local perpetua a desigualdade.

De ordem ideológica, aqui o processo ocorre por dois movimentos, primeiro pelos símbolos ideológicos em relação aos lugares ocupados nas relações de produção, pois interferem nas leis econômicas de distribuição dos indivíduos, entre tipos de residência e de espaço e; segundo, pela correspondência entre a situação social e a implantação espacial, pois reforça as tendências à autonomização

ideológica de certos grupos, levando à constituição de subculturas ecologicamente delimitadas46.

Para Caldeira (2000) o espaço urbano é organizado segundo regras de padrões de diferenciação social e de separação, que sofrem variações culturais e históricas, revelando os princípios que estruturam a vida pública indicando como os grupos sociais se inter-relacionam no espaço da cidade.

Para esta autora a segregação se apresenta no espaço urbano sob diferentes formas, na primeira, os grupos sociais se comprimem em uma área urbana pequena e se encontram segregados pelo tipo de residência; na segunda, denominada centro-periferia, os diferentes grupos encontram-se separados por grandes distâncias (as classes média e alta encontram-se concentradas nos bairros centrais, dispondo de boa infra-estrutura e os pobres vivem nas distantes periferias em precárias condições de infra-estrutura); e na terceira, que vem se configurando desde os anos 1980, os grupos sociais estão bem próximos uns dos outros, mas são separados por muros e tecnologias de segurança e tendem a não circular nem interagir em áreas comuns, definidos pela autora como “enclaves fortificados”.

Para Luciana Lago (2000), a estruturação interna das cidades durante os anos 80 foi marcada pela polarização social, informalização do mercado de trabalho, e por uma dinâmica urbana caracterizada pela inserção das classes sociais médias nas áreas destinadas à população pobre, em decorrência da expansão dos assentamentos populares nas áreas centrais mais valorizadas e, ainda; pelo desenvolvimento de uma nova forma de segregação social, norteada pela exclusividade residencial e comercial.

A forma mais agravante de segregação, ou a que se desenvolve em períodos atuais está relacionada à globalização. A autora trata da intensificação da dualização social que está sendo agravada com as transformações que estão em curso na economia, que resultam na emergência das cidades globais. A dualização social é resultante das transformações tecnológicas, especialmente as relacionadas à expansão do setor informacional e da crescente financeirização da economia global (Lago, 2000 apud SASSEN, 1991). Em decorrência, ocorreria uma alteração no mercado de trabalho, refletindo o forte crescimento das categorias profissionais superiores no setor terciário dominante e das categorias inferiores empregadas nos serviços de consumo (restaurantes, hotéis) e de escritório.

Essas transformações acarretaram um impacto no espaço urbano com tendência à dualização da estrutura social. Que se manifestou de um lado na apropriação cada vez mais exclusiva dos espaços mais valorizados pelas funções ligadas ao consumo e a moradia de luxo e, de outro a conformação de espaços exclusivos da pobreza.

Para Lago (2000) no âmbito dessas transformações surgiram como resultado desse novo padrão de segregação espacial, expressões do tipo: “cidade dual, cidade dividida e espaço fragmentado” em torno das quais tem se desenvolvido um amplo discurso acadêmico ensejado por autores de várias perspectivas que contestam a tese da dualização socioespacial (Castells, 1992; Fainstein, Gordon e Harloe, 1992; Preteceille, 1994; Marcuse, 1989; Kempen, 1994).

No entender de Lago (2000), a crítica dos autores anteriormente mencionados se centra na impossibilidade do modelo dual explicar a complexidade das sociedades e cidades contemporâneas. A idéia de dualidade se fundamenta no que existe de mais explícito nas cidades da atualidade, ou seja, na diferenciação social e

espacial entre as áreas centrais prósperas, onde se concentram as classes mais ricas e, os enclaves, geograficamente, próximos onde se concentram os pobres (LAGO, 2000; p. 22).

Para esta autora, as análises relacionadas à segregação socioespacial elaboradas para as cidades brasileiras estudam a conjuntura social, elucidando uma correlação entre as mudanças macroestruturais e os processos socioespaciais localizados. Ocorreram historicamente duas mudanças que alteraram de forma direta ou indiretamente a dinâmica das grandes metrópoles. A primeira se relaciona ao deslocamento da economia para o setor de exportação, seguindo uma tendência de outras economias latino-americanas. A segunda foi o aumento da participação do setor financeiro na economia, que repercutiu na dinâmica urbana/ imobiliária, gerada tanto pelo aumento da demanda por imóveis comerciais direcionados a este setor e aos serviços a ele vinculados, quanto pela criação do fundo de pensão, responsável pelo boom dos shoppings centers e edifícios comerciais nos grandes centros urbanos.

A autora afirma que a segregação espacial expressa uma dualização sociopolítica resultante, em parte, da fragmentação sociocultural de grande parcela da população. Por conseguinte, existe uma elite que atua em conjunto com o poder público local nos grandes projetos de reestruturação urbana na área central, aprofundando a segregação espacial vigente.

Outro efeito socioespacial decorrente da reestruturação econômica amplamente discutido nos meios acadêmicos é o da nova pobreza urbana. Esta concepção guarda estreita relação com a tese da dualização social, pois contempla um segmento marginalizado nas sociedades crescentemente polarizadas e marcadas pela desigualdade e segregação de parte de seus membros do mercado

de trabalho e das redes de sociabilidade vigentes. Nascimento (1994) explica a exclusão social, pela ocorrência de uma ruptura com a idéia de unidade. As diferenças não se articulam para compor um todo, mas são partes independentes e mesmo opostas (Lago, 2000 apud NASCIMENTO, 1994; p. 294).

Nascimento (1994, p.294) define o modelo dual, da seguinte maneira:

“A idéia de dualidade, dualização, sociedade dual, no sentido forte do termo, tem este significado. Sociedades com lógica de estruturação, princípios de solidariedade e dinamismo social distintos. Quando não separados ou... opostos” (NASCIMENTO, 1994).

A produção do espaço urbano com a finalidade de atrair investimentos vem orientando a lógica da produção do ambiente construído urbano, que na competição intercidades os governos locais, em parceria com o setor imobiliário/ financeiro, passam a priorizar políticas de renovação urbana visando ao crescimento econômico, em detrimento das políticas de bem-estar social (Lago, 2000 apud HARLOE e FAINSTEIN, 1992).

A autora trata sobre o agravamento do quadro de segregação em decorrência dos projetos de reabilitação das áreas centrais, que tem diferenciado os espaços urbanos por meio da transformação de seu quadro social. Referindo-se à questão, Lago (2000; pp. 28-29) afirma:

“Um novo modelo de diferenciação socioespacial nas grandes cidades, marcado pela segregação excludente ou mesmo pelos enclaves, é o resultado dessa nova racionalidade subjacente aos grandes empreendimentos urbanos/ imobiliários. O processo de gentrification nas áreas centrais é uma das expressões dessa nova racionalidade e não deve ser entendido apenas como um conjunto de projetos de reabilitação residencial de áreas degradadas direcionadas para as novas camadas médias, mas como uma faceta da reestruturação econômica, social e espacial em curso. Gentrification diz respeito: (i) ao sobrelucro gerado e apropriado pelo setor imobiliário através da alteração do padrão de uso do solo existente no centro; (ii) à criação de um novo padrão de consumo para os novos setores médios profissionais, ou seja, um bourgeois playground, que engloba moradia, lazer e comércio; e (iii) ao deslocamento da classe operária para os subúrbios e periferias urbanas (Smith, 1988). É interessante observar que o novo modelo de segregação espacial não tende a excluir completamente os trabalhadores manuais ou de serviços de baixa qualificação do núcleo urbano”.