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5 O VISCONDE DE CAIRU E O ADVENTO DO ESTADO NACIONAL: MERCADO,

5.2 ESTRUTURA POLÍTICA DO ESTADO NASCENTE

D. João VI segue em retorno a Portugal, mas nomeia D. Pedro I,400 que fica no Brasil para que fosse mantido o elo político com aquela parte do Reino. Durante o ano de 1821, já sem o Rei na colônia, as relações Brasil-Portugal eram de crescente hostilidade. O Príncipe Regente, bastante jovem, contava com o valioso auxílio de José Bonifácio de Andrada e Silva, que tinha idade superior à de D. João VI e ampla experiência para aconselhar D. Pedro.

José Bonifácio, assim como Cairu, estudou direito e filosofia em Coimbra e foi parlamentar na primeira Assembleia Constituinte do Brasil. Chegou a lutar em Portugal contra as tropas napoleônicas, tendo retornado ao Brasil em 1819. Conhecido como ‘Patriarca da Independência’, era muito próximo a D. Pedro, sobre o qual desempenhara extrema influência e a quem deu conselhos determinantes para os rumos do Brasil, buscando realizar a separação de Portugal com a manutenção da monarquia. Raymundo Faoro assim o descreve:

Sua participação no governo provincial garantia a transição ordeira entre o estado colonial e o sistema constitucional, com a imparcialidade do homem ausente do país há longos anos, mentalidade formada na burocracia portuguesa, temperada de liberalismo, mas fiel à ordem monárquica, homem da ordem e avesso ao jacobinismo anárquico. Homem de autoridade, realista infenso ao romantismo político dos deputados paulistas às Cortes, fiel à causa do trono, adota, ao findar o ano de 1821, já congregado à opinião do Rio de Janeiro, Minas Gerais e da sua província, a tese da ruptura com o governo português, sob o penhor da permanência de dom Pedro no Brasil.401

Andrada e Silva402 foi nomeado Ministro dos Negócios do Reino por D. Pedro I, em janeiro de 1822, após o “Dia do Fico”, e assumiu uma postura constantemente voltada para a independência do Brasil. Essa a figura, portanto, que permeia a política brasileira nos idos de 1822 e que se mantém sob os holofotes ao participar diretamente da gerência e organização do Brasil nascente.

Afora a aflição econômica pela qual passava a até então colônia portuguesa, as circunstâncias políticas, do mesmo modo, não se faziam de todo favoráveis. A principal questão era pertinente à união das províncias em torno de uma figura central, motivo bastante para levar à Decisão do Governo nº 13, que “Recomenda aos Governos Provisórios que

400 BRASIL. Decreto de 22 de abril de 1821. Encarrega o Governo Geral do Brasil ao Principe Real constituído

Regente e Lugar-Tenente d’El-Rei. In: Colecção das Leis do Brazil: decretos cartas régias e alvarás – 1821. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891, p. 71-72.

401 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 3. ed. rev. Rio de

Janeiro: Globo, 2001, p. 314.

402 Cf. SOUSA, Octavio Tarquinio de. História dos Fundadores do Império do Brasil. vol. 1. José Bonifácio.

Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1960; NOGUEIRA, Octaciano. Obras políticas de José

promovam a união de todas as Províncias com sujeição à Regência de S. A. Real.”403 Isso

porque algumas Províncias não apoiavam a independência e outras testemunhavam a presença de tropas portuguesas.

Tal era o caso, por exemplo, do Maranhão,404 ao qual foi proclamada, em 5 de setembro de 1822, a Decisão do Governo nº 107, “Sobre a recusa do Governo Provisório da Província do Maranhão em cumprir as Ordens do Príncipe Regente.”405 A Bahia também se

achava mantida sob a ocupação de tropas portuguesas, motivo pelo qual adveio a Decisão do Governo nº 106,406 em que se proibia a saída de embarcações com mantimentos ou materiais bélicos com destino àquela província ou a qualquer outra em similar situação. O Piauí, por exemplo, chegou a ser censurado em dezembro de 1822 por não aderir à independência brasileira, que, então, já estava proclamada.

José Bonifácio compartilhou com o Príncipe algumas decisões de suma-relevância e que, ao mesmo tempo, propagavam a tensão das relações com Portugal. Nesse diapasão, podem ser mencionadas, a título de exemplo, as providências adotadas em 1822 no sentido de submeter as normas portuguesas a D. Pedro, que autorizaria ou não sua vigência neste solo; e de proibir o desembarque de tropas lusas no Brasil.407

O primeiro projeto destinado a promover a união das províncias foi a instituição da Junta de Procuradores Gerais,408 criada por um Decreto de 16 de fevereiro de 1822. Desprovida de poder legislativo, a Junta possuía a incumbência de auxiliar as reformas em âmbito Executivo, conforme exarado por José Bonifácio na Decisão do Governo nº 53:

[...] a formação do Conselho de Procuradores Gerais de Província, não para fazer leis, porque estas são da competência exclusiva da Assembléia dos Representantes da Nação, mas para julgar das que se fizessem nas Cortes de Lisboa, onde por desgraça sobejas vezes se entende que sem distinção pode servir no Brasil a legislação acomodada ao terreno de Portugal, e para promover dentro dos limites do Poder Executivo todas as reformas e melhoramentos de que tanto precisava este vasto território [...].409

Iniciado o funcionamento da Junta de Procuradores Gerais, instalada em 1º de junho, no terceiro dia do mesmo mês é convocada a Assembleia Constituinte, cuja justificativa explicita tratar-se de órgão luso-brasileiro com o intento de manutenção da integridade da monarquia portuguesa, porém, “investida daquella porção de Soberania, que essencialmente

403 NOGUEIRA. Octaciano (org.). Obras políticas de José Bonifácio. Brasília: Senado Federal, 1973, p. 138. 404CORRÊA, Rossini. Formação social do Maranhão: o presente de uma arqueologia. São Luís: SIOGE,

1993.

405 NOGUEIRA. Octaciano (org.). op. cit., p. 189. 406 Ibid., p. 188.

407 Cf. BRASIL. Colecção das Decisões do Governo do Imperio do Brazil de 1822. Rio de Janeiro: Imprensa

Nacional, 1887.

408 Cf. CALMON, Pedro (pref.). Falas do trono: desde o ano de 1823 até o ano de 1889. Brasília: Instituto

Nacional do Livro, 1977.

reside no Povo, deste grande, e Riquíssimo continente, Constitua as bases sobre que se devam erigir a sua Independência [...].”410 No entanto, em virtude dos óbices inerentes à época,

somente no ano seguinte é que as reuniões da Assembleia se concretizarão: “Não é difícil calcular o que representava, em dificuldades materiais, a reunião, pela primeira vez no Brasil, de um órgão de deliberação coletiva composto de 100 participantes.”411

Na Assembleia, apesar da inexistência de partidos formais, as distinções ideológicas afloravam e, eleito deputado por São Paulo, Andrada e Silva chegou a discursar sobre este assunto, dividindo os grupos políticos em separatistas, republicanos, federalistas e monárquico-constitucionais,412 no último inclusos o próprio Bonifácio e o Visconde do Cairu, cujos projetos de nação brasileira convergiam num Estado presente nas diferentes searas da convivência social. Assim, observa-se que os embates travados em nível parlamentar refletiam as dissenções que se espalhavam pela colônia. Porquanto, até mesmo após a independência, algumas províncias teimavam na insubordinação a D. Pedro, quer por almejar a manutenção do estado anterior, quer por desejar a radical e imediata alteração do presente.

Nesse sentido, sobre o contexto político e José Bonifácio, assevera Rossini Corrêa:

O conservadorismo sistemático prosperava no Brasil, diluindo as fronteiras entre a direita liberal, os conservadores e reacionários, com a formação de um complexo de interesses resistentes à mudança social, dotado de uma capacidade dinâmica de transigência endógena de princípio, sempre disposto a, isolado o liberalismo radical, facilitar a conquista e/ou a retomada do poder do Estado. E o combate não era travado unicamente contra o liberalismo radical. José Bonifácio, um combatido, comprova-o sobejamente, pois não era o que podemos definir como jacobino, e, a despeito disso, foi preso, exilado e perseguido. No poder, o patriarca da independência chegou mesmo a perseguir as sociedades secretas, suspeitas de abrigarem o radicalismo republicano.413

Note-se que a constituição das bases políticas brasileiras se deu por meio de forte censura e perseguição, conforme transcrito acima. Assim é que nem mesmo José Bonifácio de Andrada e Silva foi poupado por D. Pedro I, com quem terminou por romper suas relações e, no ano seguinte à independência, assistiu à dissolução da Constituinte:

Em menos de dois meses depois de se reunir com a Constituinte, indispunha- se José Bonifácio com o Imperador e, em consequência, demitia-se. [...] Tem-se se escrito muitas páginas, até capítulos, sobre a demissão dos Andradas. Mas, apenas hipóteses, com alguma probabilidade são aventadas ou, então, esclarecimentos de parte da verdade. O próprio José Bonifácio escreveu: “tinham-lhe metido na cabeça

410 BRASIL. Decreto de 3 de junho de 1822. Manda convocar uma Assembléia Geral Constituinte e Legislativa

composta de Deputados das Províncias do Brasil, os quaes serão eleitos pelas Instrucções que forem expedidas. In: Colecção das Leis do Brazil: decretos, cartas e alvarás - Parte II – 1822. Rio de Janeiro: Imprensa

Nacional, 1891, p. 19.

411 NOGUEIRA. Octaciano (org.). Obras políticas de José Bonifácio. Brasília: Senado Federal, 1973, p. 4. 412 Ibid., p. 35.

413 CORRÊA, Rossini. Liberalismo no Brasil: José Américo em perspectiva. Brasília: Senado Federal, 1994,

que o tratava como pupilo e não como soberano”; o que, apenas, nos dá o ânimo de D. Pedro em relação ao Ministro.414

Isso tudo a despeito da importância de José Bonifácio no contexto da proclamação da independência do Brasil, já que ele foi o ministro que alertou o Príncipe sobre o momento de realizar o fundamental intento, ao escrever-lhe o famoso conselho, antecedente ao grito no Ipiranga:

[O] dado está lançado e de Portugal não temos nada a esperar senão escravidão e horrores. Venha Vossa Alteza quanto antes e decida-se; porque irresoluções e medidas d’água morna, à vista desse contrário que não nos poupa, para nada servem e um momento perdido é uma desgraça.415

Dessa forma, vê-se que as circunstâncias políticas que compunham o cenário no momento de independência brasileira formavam-se a partir de um conjunto de dissensões, que se projetavam tanto interna como externamente. Isso porque, não obstante a movimentação nos limites das fronteiras coloniais, em âmbito internacional, Portugal e Inglaterra igualmente patrocinavam a separação da metrópole lusa, iniciando-se pelo contexto mercadológico, exposto nos Capítulos antecedentes.

Inclusive, vale ressaltar que a intervenção da Inglaterra na independência do Brasil é de crucial relevância. Foram realizadas em Londres, as negociações que culminaram no Tratado do Rio de Janeiro, de 1825, por meio do qual houve o reconhecimento jurídico e internacional da definitiva separação entre Brasil e Portugal. As reuniões contavam com a presença do seguinte grupo: Canning, representante da Inglaterra; Palmela e Vila Real, de Portugal; Caldeira Brant e Gameiro Pessoa, do Brasil; e Neumann, da Áustria.

Mister assinalar que, durante as tratativas, ainda se observavam as intenções portuguesas de manutenção da união, porquanto incluíam condições de submissão brasileira a Portugal, no texto do acordo emergente:

Nos pontos capitais, diferia especialmente do apresentado por Canning: 1) em que o Rei de Portugal partilharia o título de imperador com seu filho, exercendo êste o poder soberano com o título adicional de regente; 2) em que os atos do governo do Brasil seriam sujeitos à sanção de el-rei pai; 3) em que o exército e diplomacia seriam comuns, recaindo as nomeações nos portuguêses e brasileiros, porém sem se declarar em que proporção; 4) em que, segundo Canning, o Imperador poderia deixar os direitos de herança de seu pai, quando Palmela só admitia para isso as leis do Reino.416

Os plenipotenciários brasileiros seguiram o conselho de Canning e aceitaram o referido texto para não se romperem as negociações, mas condicionaram sua vigência à aceitação do Conselho de Estado do Brasil, que o rejeitou na sessão de 24 de janeiro de 1825.

414 NOGUEIRA. Octaciano (org.). Obras políticas de José Bonifácio. Brasília: Senado Federal, 1973, p. LII. 415 Ibid., p. XXXIX.

416 VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. (Visconde de Porto Seguro). Tratado de reconhecimento da

independência, de 29 de agosto de 1825. In: História da Independência do Brasil – até ao reconhecimento da antiga metrópole, compreendendo, separadamente, a dos sucessos ocorridos em algumas províncias até essa data. 3. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1957, p. 246.

Após, as negociações foram encerradas por Canning devido ao seguinte episódio provocado por Palmela: cópias do acordo foram enviadas a potências alheias às negociações e o Ministro de Guerra, Conde de Subserra, ofereceu-se para ir ao Rio de Janeiro oferecer essas concessões, mas, dada sua indiscrição e auto-denominação de negociador, chegou ao Rio de Janeiro como simples espião e intrigante, motivo por que foi preso e recambiado para a Europa.

No entanto, a Inglaterra tinha muito interesse em negociar com o Brasil para prorrogar os Tratados de 1810 e, cientes dos preparos da França para tratar diretamente com o Brasil, os ingleses comunicaram Portugal de terem resolvido enviar Sir Charles Stuart para negociar um novo tratado de comércio, equivalente a um reconhecimento de independência, à época já feito pelos Estados Unidos da América. Retomadas as conferências, foram quatorze encontros, após os quais o Tratado foi assinado no último, em 29 de agosto de 1825, e publicado em 7 de setembro.

Impende destacar certa peculiaridade do Tratado do Rio de Janeiro: a subrogação do Brasil na dívida contraída por Portugal perante a Inglaterra, cujos detalhes se encontravam no que foi então denominado ‘diploma’, e mais tarde chamado de Carta Régia de 13 de maio. Assim, os dispositivos de ônus para o Brasil seriam publicados depois que a Assembleia aprovasse o acordo. Cuidava-se de cautela “para que o público não dissesse que o tratado havia sido comprado por dinheiro”.417 Ali, na parte secreta do Tratado, é que se achava a

determinação do pesado débito, agora assumido pelo novo Estado independente:

Lutaram o Imperador e seus negociadores palmo a palmo contra a concessão do título de Imperador; contra a concessão das avultadas quantias exigidas, e

especialmente contra a idéia de envolver nestas todo o empréstimo de mais de dois milhões de libras esterlinas pouco antes levantado por Portugal, com o propósito de fazer guerra ao próprio Brasil; contra a idéia de ser desde logo

recebida a Carta Régia, pois queriam que fôsse recambiada, para que de Lisboa viesse outra modificada; e, afinal, a tudo cederam, salvas insignificantes alterações [...].418

Assim, resta claro o cenário político, nacional e internacional, que envolvia o nascimento do Brasil, bem como a função exercida por José Bonifácio a guiar a enorme transformação, igualmente testemunhada e comentada pelo Visconde do Cairu. Este não se voltou contra a Coroa nem mesmo quando D. Pedro I dissolveu a Assembleia Constituinte,419 em 1823, já que, para ele, o Príncipe o teria feito sabiamente para prevenir uma iminente

417 VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. (Visconde de Porto Seguro). Tratado de reconhecimento da

independência, de 29 de agosto de 1825. In: História da Independência do Brasil – até ao reconhecimento da antiga metrópole, compreendendo, separadamente, a dos sucessos ocorridos em algumas províncias até essa data. 3. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1957, p. 255.

418 Ibid., p. 254, grifo nosso.

419 Cf. NOGUEIRA, Octaciano (org.). A Constituinte de 1823. Brasília: Senado Federal, 1973; e RODRIGUES,

revolta.420 José da Silva Lisboa, parlamentar e censor Régio no momento da proclamação da Independência, fez circular suas opiniões em diversos folhetos que publicava, nos quais suas bases liberais, iluministas e estatais foram, ao que parece, coerentemente mantidas.