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5 O VISCONDE DE CAIRU E O ADVENTO DO ESTADO NACIONAL: MERCADO,

5.3 REFLEXOS TRIBUTÁRIOS DE D PEDRO I

D. Pedro I, em 1822, herdou um Brasil financeiramente desfalcado e passou a tomar providências no sentido de amenizar essa situação. Iniciou a economia abstendo-se de alguns luxos palacianos e ordenando a substituição de alguns hábitos421 por seus correspondentes menos onerosos:

O Brasil precisava economizar cada centavo de suas combalidas economias e, para dar exemplo, o príncipe tomou medidas drásticas de contenção das despesas domésticas. Cortou seu próprio salário, concentrou as repartições públicas no Paço Real, onde morava e transferiu-se para o palácio da Quinta da Boa Vista, antiga residência de D. João VI [...]. Também vendeu 1.134 dos 1.290 animais das cavalariças reais [...]. Para reduzir as despesas na compra de milho, os escravos da fazenda real de Santa Cruz, situada nos arredores da cidade, foram incumbidos de produzir no quintal do próprio palácio o capim que serviria de ração para os 156 cavalos e mulas restantes, além de lavar as roupas de D. Pedro, sua família e seus empregados.422

Os remédios estatais para a falta de renda continuavam sendo a contratação de empréstimos, o fabrico de dinheiro artificial e a tributação. Todavia, era necessária cautela já que o comércio novamente carecia de estímulos. O mercado paulatinamente abandonava o açúcar e a mineração e a atenção se voltava para a cotonicultura, fortemente instigada pela tecelagem em crescimento na Inglaterra. O cultivo da cana no nordeste brasileiro começava a ser substituído pelo do algodão e do café, além da pecuária.423

Logo, apesar de a situação comercial não ser das mais favoráveis,424 não houve especial atenção de D. Pedro a tais questões, conforme se pode constatar da observação das normas exaradas durante o ano de 1822: em geral, diziam respeito à organização político- administrativa e à defesa nacional. Os reflexos tributários do Príncipe Regente, portanto, se

420 KIRSCHNER, Tereza Cristina. op. cit., p. 265.

421 Cf. CALMON, Pedro (pref.). Falas do trono: desde o ano de 1823 até o ano de 1889. Brasília: Instituto

Nacional do Livro, 1977.

422 GOMES, Laurentino. 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro

ajudaram D. Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado. Rio de Janeiro: Nova

Fronteira, 2010, p. 61.

423 Cf. FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. 424 Cf. SOUZA, José Antônio Soares de. Aspectos do comércio do Brasil e de Portugal no fim do Século XVIII e começo do Século XIX. In: R.I.H.G.B., vol. 289, 1970, p. 111.

resumem a específicos assuntos referentes ao comércio exterior, os quais, ainda assim, se destinam a prestar explicações acerca de tributos já existentes, sem, contudo, inovar na tributação, conforme se expõe a seguir.

A primeira medida tributária adotada por D. Pedro I foi a adoção de um incentivo fiscal que, através do Decreto de 29 de abril de 1821, suspendeu a cobrança dos direitos incidentes sobre o sal, tanto na entrada como na passagem pelos Registros.425 Já em 10 de janeiro de 1822, foi necessário expedir a Decisão nº 5 do Reino, cujo teor objetivava esclarecer que a isenção dos direitos sobre o sal somente se referia ao produto nacional e importado em navios nacionais para qualquer lugar do Brasil, enquanto o sal estrangeiro deveria continuar pagando os direitos como o fazia antes do Decreto de 11 de maio de 1821.

Ainda sobre o sal, em agosto de 1822, a Decisão nº 91 reafirma que as estipulações acerca do sal estrangeiro não se aplicam à Inglaterra, a qual se submete à alíquota de 15% em virtude do Tratado de 1810, restando, pois, a alíquota de 24% a todos os demais. Em novembro, nova Decisão esclarece que a cobrança diferenciada, prevista na resolução de 16 de outubro somente se refere à Província de São Paulo, onde o sal estrangeiro não pagava tributo.426

No que se refere ao sal e sua ampla normatização, convém destacar sua importância naquele momento histórico. Cuidava-se de um artigo bastante valorizado há muito tempo, não só devido ao seu uso culinário, mas também em virtude de sua íntima conexão com o couro, que daquele necessitava para seu preparo e exportação. Descoberto em abundância no nordeste brasileiro durante a guerra holandesa, houve períodos em que a demanda se fazia tão superior à oferta que o produto atingia preços que correspondiam a vinte e cinco vezes o valor cobrado em Portugal,427 fato esse que culminou no Motim do Maneta, em Porto Seguro, no ano de 1711:

“O motim do Maneta” teve lugar em virtude da elevação do preço do sal, que passou de repente de 480 réis a 720 e do aumento de 10 por 100 em todos os artigos de importação, que fora pelo governo decretado a pretexto de, com o produto, manter uma armada de guarda-costa contra os inimigos que infestavam os nossos mares. À frente dos sublevados, em geral constantes do vulgacho europeu, estava o juiz do povo, e um João de Figueiredo da Costa, alcunhado o Maneta. Enquanto o sino de correr (da Câmara) tocava o rebate, os amotinados se dirigiram à casa do contratador do sal Manuel Dias Filgueira, homem opulento e faustoso, arrombaram- lhe as portas, e destruíam e queimavam quanto encontravam. Passaram à casa do

425 BRASIL. Decreto de 29 de abril de 1821. Suspende o direito do sal, na entrada e passagem pelos Registros,

ou Alfandegas de portos seccos. In: Colecção das Leis do Brazil: decretos cartas régias e alvarás – 1821. Rio

de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891, p. 77.

426 Id. Colecção das Decisões do Governo do Imperio do Brazil de 1822. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,

1887, p. 94.

sócio Manuel Gomes Lisboa, se bem que mais modesto, não menos rico; e de igual maneira aí se conduziram”...428

O sal429 veio a ser objeto de monopólio e de submissão a variadas fórmulas tributárias, até mesmo em razão da facilidade de imposição e cobrança. Tais fatores claramente repercutiam na tributação do sal, e, assim, se explica a quantia de diplomas normativas a seu respeito, quer para alterar a incidência de tributos, quer para elucidar a forma pela qual se efetua.

Em 6 de setembro de 1821, por meio da Decisão nº 56 do Reino, determinou-se que o dízimo cobrado sobre hortaliças, verduras, frutas, aves e miúdos fosse arrecadado no local de produção e que o povo fosse isento de tal pagamento. Já em março de 1822, D. Pedro ordenou a isenção da vintena então incidente sobre o pescado, na Província do Espírito Santo, fundamentando-se sucintamente em reclamações dos pescadores.430 Dois meses mais tarde, para obstar a dupla imposição tributária, determina-se que os vendedores de cal, telha, tijolo e madeira paguem apenas uma vez a contribuição pela licença autorizadora da comercialização, e não duas como até então se fazia. Por meio de outra Decisão, cumprindo o Tratado de 1810 com a Inglaterra, em outubro do ano da Independência, ordenou-se a convocação de negociantes portugueses e ingleses a fim de reelaborar a pauta de valores das mercadorias negociadas entre o Brasil e a Grã-Bretanha.431 Por fim, em dezembro de 1822, estabeleceu-se que Portugal pagaria os direitos de importação para o Brasil sob a alíquota de 24%, não obstante a taxa fixa de mil réis para os gêneros molhados. “Nesse sentido, a estrutura tributária do país pouco se alterou.”432

Nota-se, pois, a conservação do conjunto tributário em 1822, porquanto a legislação pertinente se apresenta ínfima. Mesmo porque, repita-se, os encargos derivados da tributação eram fartos e muito cresceram durante o reinado de D. João VI. Ademais, as conjunturas financeiras pelas quais passavam o Brasil não aconselhavam a adoção de providências no caminho da majoração de dissabores aos recém-independentes. Eis as justificativas da limitação de D. Pedro ao consentimento de pontuais incentivos, os quais encontram intersecção no comércio exterior.

428 SIMONSEN, Roberto C. História econômica do Brasil: 1500-1820. Brasília: Senado Federal, 2005, p. 236. 429 Cf. SANTOS, Corcino Medeiros dos. Relações comerciais do Rio de Janeiro com Lisboa: 1763-1808. Rio

de Janeiro: tempo brasileiro, 1980.

430 Cf. Id. Colecção das Decisões do Governo do Imperio do Brazil de 1822. Rio de Janeiro: Imprensa

Nacional, 1887.

431 Ibid., p. 88.

432 AMED, Fernando José; NEGREIROS, Plínio José Labriola de Campos. História dos tributos no Brasil. São

Mais tarde, com a outorga da Constituição Imperial, dois dispositivos vieram à tona: o princípio da capacidade contributiva, no artigo 179; e a atribuição de competência legislativa à Câmara dos Deputados para tratar de tributos. Prescrevia o referido artigo constitucional: “Ninguém será isento de contribuir para as despesas do Estado em proporção dos seus haveres.”433 Mister assinalar, neste ponto, a crucial relevância jurídica do referido princípio

tributário, o qual persiste e vigora ainda hodiernamente.

A capacidade contributiva se coaduna com o Liberalismo e o Iluminismo, sistemas de ideias imbricados e proclamadores da isonomia tributária e da capacidade contributiva, conforme se constata da leitura do verbete imposto em “A Enciclopédia”.434 O Visconde do

Cairu igualmente propalava a necessidade de cautela na tributação para que não se atingisse a indústria negativamente. Outro ponto divulgado pelo Iluminismo em relação ao Direito Tributário se refere à conciliação entre arrecadação e o custo da mesma, de modo que se aconselhava a preferência pelos impostos indiretos: de baixa percepção dos contribuintes e cômodo recolhimento.435

No entanto, é imperioso relatar que a inserção dos referidos princípios não surtiu efeitos práticos na realidade brasileira, cujo sistema fiscal não sofreu mudanças:

Uma vez que este princípio fosse seguido, estaria o Brasil em consonância com o Liberalismo vigente desde a Constituição Francesa de 1791 e em busca de uma equidade maior no pagamento de tributos. Se levado a cabo, o princípio acima faria com que se reformulasse completamente o sistema fiscal brasileiro. Diga-se que apenas ficou na forma da letra e sua aplicação esbarrou na estrutura sócio- econômica do Brasil de então.436

Dessa forma, pode-se observar que o período de transição de colônia para nação independente apresenta um cenário onde se encontravam em efervescência as relações das quais os brasileiros participavam, tanto internas como internacionais, e sejam elas jurídicas ou políticas. Vê-se que a produção de legislação tributária de maior quantidade antecede o surgimento do Estado nacional, porém não supera a relevância do princípio trazido pela Constituição outorgada em 1824, não obstante nela se verificar o primado de normas restritas à formalidade jurídica. Em âmbito internacional, percebe-se o interesse econômico que circundou e definiu a dissociação entre Brasil e Portugal, sobretudo quanto à Inglaterra. Assim, também, foi possível notar a inserção do Visconde do Cairu e de seus projetos estatais no tempo histórico em que o âmago do Brasil era moldado por suas circunstâncias

433 Constituição Política do Império do Brazil (de 25 de março de 1824).

434 Cf TEXTOS ESCOLHIDOS. A enciclopédia. 2. ed. Lisboa: Editorial Estampa, 1997.

435 Cf MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. Das relações que a arrecadação dos tributos e o volume

da receita pública possuem com a liberdade. In: O espírito das leis. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

436 AMED, Fernando José; NEGREIROS, Plínio José Labriola de Campos. História dos tributos no Brasil. São

tumultuadas,437 em que agiu em favor do estabelecimento de uma ordem capaz de garantir a unidade nacional.

Se, de um lado, o discurso oficial buscava justificar a carga tributária pela desordem das contas públicas (produzidas pelas elites políticas e administrativas), por outro, servidores de escol, como Manoel Jacintho Nogueira da Gama, garantiam que só a província do Rio de Janeiro efetivamente contribuía, cabendo às demais províncias realmente fazê-lo, sem desfalques de sobras de renda, para equilibrar as contas públicas, sem necessidade de aumento da carga tributária, e com o recurso, se necessário, a empréstimos externos e emissão de bilhetes do Tesouro.438

O exemplo do Maranhão é gritante. Ali houve um conflito aberto entre a corporação comercial, acusada de contrabando e o governo da província, que referendou relatório do inspetor do Tesouro Público Provincial, registrando as práticas de “extravio de direitos”439 da

Comissão da Praça, a qual respondeu garantindo que isto, se existisse, só seria possível “coadjuvado pelos empregados fiscais.”440

437 Cf. ALVES, Gilberto Luiz. O pensamento burguês no seminário de Olinda: 1800-1836. Ibitinga:

Humanidades, 1993; ANDRADE, Gilberto Osório de. Montebelo, os males e os mascates. Recife: Editora da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, 1969; ANDRADE, Manuel Correia de. Movimentos nativistas

em Pernambuco: setembrizada e novembrada. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1971; AUTOS

DE DEVASSA DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA. Brasília: Câmara dos Deputados; Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1976, 10 v; LIMA, José Ignacio de Abreu e. Sinopse ou dedução cronológica dos fatos mais notáveis

da História do Brasil. 2. ed. Recife: Fundação de cultura cidade do Recife, 1983.

438 CARREIRA, Liberato de Castro. História financeira e orçamentária do Império no Brasil. Brasília:

Senado Federal, 1980.

439 MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico-geográfico da província do Maranhão. 3. ed. Rio de

Janeiro: Cia da Editôra Fon-Fon e Seleta, 1970, p. 598.

CONCLUSÃO

O Iluminismo propagou-se pelo mundo durante o Século XVIII e chegou ao Brasil também por meio do Visconde de Cairu. Naquele tempo, conforme visto, a sociedade brasileira era constituída por grande número de escravos, poucos membros de elite, dentre os quais estavam alguns raros letrados, que puderam ir a Coimbra em busca de conhecimento. A paisagem continha, sem dúvida, muita pobreza e insatisfação econômica, reforçada pela tributação, a qual se alimentava enormemente das províncias, que contra isso lutavam tanto física como ideologicamente. O mercado, por sua vez, se balançava no ritmo ecoado do exterior para o interior, sempre na presença da tributação, que fomentava algumas áreas, pelos incentivos, e freava outras tantas, pelo aumento dos encargos fiscais.

Observa-se que a figura do Visconde de Cairu exerceu influência sobre a política e a tributação da época em que viveu de tal maneira que ainda é possível notar extensões hodiernas as quais refletem seus ensinamentos. José da Silva Lisboa se fez presente em dois níveis de atuação: um aplicado e outro doutrinário, aos quais adaptava seu discurso, oscilando entre os tipos aristotélicos demonstrativo e deliberativo, além de explicitar a função de dominação, trazida por Warat. O primeiro nível, Cairu o exerceu na qualidade de relevante funcionário da Coroa, como Secretário da Mesa de Inspeção do Açúcar e do Tabaco na Bahia e como Censor Régio, além de parlamentar na Assembleia Nacional Constituinte de 1823, cujas atribuições lhe permitiram participar da confecção de normas e se ingerir, de forma direta e imediata, nas políticas públicas direcionadas ora ao mercado e à tributação – como Secretário –, ora à seleção do material intelectual circulante – como Censor. Nesse âmbito, o Visconde de Cairu pôde levar a efeito seus pensamentos de Liberalismo com participação estatal e de Iluminismo focado na moralidade: agia, como servidor que era, ao mesmo tempo em que explicava suas práticas através de folhetos, onde se justificava e rebatia as críticas a ele direcionadas.

Na atuação doutrinária, Cairu adotava postura pedagógica e iluminista, buscando formar uma consciência econômica, social e política, no Estado nacional emergente, por meio do esclarecimento da razão ao publicar obras como “Princípios de Direito Mercantil”, “Estudos do Bem Comum” e “Princípios de Economia Política”, chegando, por suposto, a inspirar pensadores de renome, como David Ricardo. É como doutrinador que o Visconde

divulga, no Brasil, o Iluminismo de Burke e de Montesquieu; o Liberalismo de Adam Smith e a Economia Política como nova ciência.

A análise do discurso do Visconde de Cairu revela o constante uso de cargas valorativas que explicitam o tipo natural de linguagem, de Warat, e aproximam receptor e emissor, correspondendo à persuasão de Aristóteles através da emoção. A função de dominação, sugerida por Warat, também é vista, porquanto o Visconde expõe suas ideias de modo a conduzir seu leitor a aceitá-las sem crítica. As diferentes obras examinadas evidenciam que sua linguagem se amolda aos seus objetivos, práticos ou doutrinários, motivo por que vão do tipo aristotélico predominantemente demonstrativo, nas “Observações”, ao deliberativo em “Estudos do bem comum”.

Nas “Observações”, o discurso demonstrativo (epidítico), de Aristóteles, se desvela pela argumentação pendular: louvor e censura, virtude e defeito. O tempo verbal do discurso é o presente, diferentemente da fala deliberativa encontrada em “Estudos do bem comum”, cuja verbalização é feita no futuro e traz o escopo de aconselhamento. Assim, analisar o discurso do Visconde de Cairu resulta na compreensão de seu paradoxo de conservadorismo liberal, em que o Liberalismo seria possível sem o desmonte da estrutura estatal centralizadora e com significativa função reguladora, constantemente permeada pela razão iluminista e em direção ao bem comum.

O Iluminismo de Cairu tem vertentes de predomínio racional e submissão normativa, com permanente ponto de encontro na moral, que seria garantidora da felicidade generalizada. O Visconde associava-se a Montesquieu e Edmund Burke, porém mantinha animosidade com alguns iluministas brasileiros, como Frei Caneca, por exemplo, porquanto a inspiração francesa do eclesiástico era repudiada por José da Silva Lisboa, para quem se tratava de um anarquista e, consequentemente, inimigo da nação ao levantar-se contra a Coroa em busca da libertação pernambucana.

O iluminista Silva Lisboa assumia-se liberal e adepto de Adam Smith, em teoria, mas agia conservadoramente nos assuntos relacionados ao Estado, que, em sua visão, deveria manter-se alerta e precaver-se contra as agitações revolucionárias e anunciadoras de fragmentação, a fim de preservar a nação una, sob o poder central e organizador da sociedade. Daí o fundamento de suas ideias de políticas tributárias, cujo fulcro reside na imprescindível manutenção da unidade, para a qual as demais regiões deveriam convergir.

Com esse Iluminismo e esse Liberalismo é que o Visconde do Cairu labora pela abertura de portos, em 1808, e tece elogios ao Príncipe pela admissão de fábricas, em 1809. Para Silva Lisboa, tais atos significavam a mudança de direção do Brasil, rumando-o para o

mundo e para o progresso, atualizando-o com as mais modernas políticas públicas de comércio exterior, enriquecendo-o com as melhores relações internacionais e com os produtos mais adequados ao aperfeiçoamento social. Criavam-se as trilhas pelas quais o Brasil nascente seria estruturado e marcharia destinado ao crescimento político, social e econômico, neste último compreendida a seara tributária.

À medida que a tributação e a gênese do Estado nacional caminhavam paralelas, vinham à tona as insurgências das províncias em direção ao núcleo, inspiradas tanto pelo Iluminismo, quanto pelo Liberalismo radicais. Cuidavam-se de violentíssimas revoltas em nítida aversão à prática de frequentes e pesadas inovações tributárias destinadas a quitar o alto custo da Coroa e da administração pública. A transição do Brasil-colônia para o Brasil- império testemunhou a continuidade e o alargamento do sistema tributário, acirrando o sentimento de federalismo em oposição à monarquia constitucional que se tentava estabelecer, apoiada pelo Visconde. Portanto, as questões gerenciais e fiscais, das quais Cairu foi contemporâneo, eram indissociáveis do contexto social sobre o qual recaíam e donde as respostas descontentes, de pronto, exsurgiam.

Neste ponto, relacionando tais circunstâncias com o cenário atual, advém a constatação de que a tributação permanece no mesmo arranjo político, no qual a União e os Estados travam embates fiscais, como são os casos, por exemplo: dos diferentes incentivos concedidos através do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS e da partilha de royalties derivados da exploração de petróleo. Dessa forma, pode-se observar o alcance social das medidas tributárias arbitrariamente implementadas, entre os Séculos XVIII e XIX, com a justificativa única de necessidade de capitalização do poder central, personificado pelo Estado.

Para o Visconde de Cairu, o sistema tributário deveria ser constituído com moderação em relação ao comércio exterior, que o afeta instantaneamente. Os incentivos fiscais seriam bem-vindos, mas somente concedidos em caso de comprovada necessidade. A quantidade de impostos deveria ser reduzida o suficiente para atender à demanda por agilidade no comércio e na administração pública. Tais ideias, pois, descortinam a inspiração iluminista e liberal nelas contida.

No entanto, vê-se que muitas das opiniões do Visconde sobre a tributação não foram concretizadas. A chegada de D. João VI, em 1808, conforme observado, trouxe variados gastos públicos e o aumento do número de tributos, aliado a alguns incentivos fiscais propostos para estimular a exportação de artigos agrícolas e a instituição de fábricas. A saída