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5 O VISCONDE DE CAIRU E O ADVENTO DO ESTADO NACIONAL: MERCADO,

5.1 A TRANSIÇÃO: DE 1808 A 1822

No curto período compreendido entre a chegada da Família Real em solo brasileiro em reação ao ataque de Napoleão Bonaparte e o ano de proclamação da independência brasileira, variados episódios refletores dos acontecimentos europeus culminaram no já conhecido resultado, em que o Alvará de 1785, proibindo fábricas no Brasil, foi revogado; companhia de seguros, incorporada; licenças para fábrica de vidro e fundição de artilharia, concedidas; a siderurgia, afinal, introduzida; a cultura do trigo e fábrica de moagem, estimuladas; a circulação fiduciária, estabelecida e a imigração de artesãos e agricultores europeus foi alçada à condição de política de Estado.371

Significa dizer que se está diante de um período transformador, longe de qualquer estabilidade, seja ela política, jurídica ou sociológica.372 Abalavam-se os alicerces nos últimos anos da colônia portuguesa para irromper em nova era brasileira. Isso tudo através de uma sequência de movimentos revoltosos e independentistas já expostos, ligados à tributação, e que remetem à Inconfidência Mineira (1798)373 e à Conspiração dos Alfaiates (1789):

[...] a conspiração personificada por Tiradentes foi portadora de uma expressiva e mais complexa dimensão econômica, pois nas Minas Gerais o objetiva apontava a maturação material nele inscrita, para surgimento de uma sociedade nacional de inspiração burguesa, fundada no princípio liberal da liberdade de iniciativa empresarial. Quanto à instância política, a aspiração mineira era tipicamente supra- regional, voltada para a construção da nação [...].374

A dimensão econômica a que alude o ilustre Professor Rossini Corrêa no trecho acima, compõe-se diversos fatores, conectados pela questão fiscal. O crescente peso da tributação375 que recaía nas minas era justificada, para Portugal, no aumento da sonegação, ignorando o exaurimento pelo qual passava a exploração de minérios. A constante criação de novos

371 Cf. COSTA, Sergio Corrêa da. Brasil, segredo de Estado. 4. ed. Rio de Janeiro: Redord, 2001.

372 Cf. BASTOS, Aureliano Cândido Tavares. A província: estudo sobre a descentralização no Brasil. 3. ed.

São Paulo: Editora Nacional, 1975.

373 Cf. AUTOS DE DEVASSA DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA. Brasília: Câmara dos Deputados; Belo

Horizonte: Imprensa Oficial, 1976, 10 v.

374 CORRÊA, Rossini. Liberalismo no Brasil: José Américo em perspectiva. Brasília: Senado Federal, 1994,

p. 199, grifo nosso.

impostos e o uso do confisco de bens como forma de obrigar a quitação de dívidas tributárias de grandes proprietários, tornavam a revolta iminente. “O confisco de bens era inaceitável para pessoas que se consideravam tão importantes. Jamais admitiriam receber o tratamento dado aos setores populares. Sentiam-se, não com pouca razão, como integrantes do poder nas Minas Gerais.”376

A derrama, já mencionada nos capítulos antecedentes, também atemorizava os devedores e, em se tratando dessa peculiar forma de execução, todos os habitantes da capitania deveriam contribuir. Nesse contexto é que a elite mineira e o clero organizaram a Conjuração Mineira com objetivos libertários: “[...] à Inconfidência Mineira, interessava a conquista da liberdade, necessária para o descortino de perspectivas econômicas e autônomas aos proprietários de garimpo, lavoura e pecuária que eram, de maneira expressiva, senhores de escravos [...].”377

Anterior à Inconfidência Mineira, em 1789, a Sedição Baiana também apresenta oposição à continuidade da colônia: buscava a liberdade de comércio e a instalação de uma república. Na Bahia, o clero não participou e a composição não se mostrava eminentemente elitista, como em Minas Gerais. “[...] à Conspiração dos Alfaiates, interessava o advento da igualdade, também em uma república, na qual, porém, a liberdade tivesse uma conotação popular, com a ordem a ser constituída registrando um explícito compromisso com o social.”378

O sabido desfecho de ambos os movimentos foi a punição exemplar, logo não serviram aos anseios de seus realizadores, quer para minorar a opressão fiscal, quer para efetuar a transformação do Brasil em República. Todavia, vale citar o Alvará expedido em 21 de janeiro de 1809, que restringiu o confisco de engenhos de açúcar, conforme se observa em sua justificativa: “a supplica de muitos proprietarios de engenhos de assucar e lavradores de cannas, em que me pediam o serem as suas fabricas [...] para não serem executadas as propriedades dos mesmos engenhos e lavouras, mas sómente os rendimento delas [...]”.379 Sob

tal fundamento, D. João VI ordenou que, a princípio, os engenhos e fábricas em pleno funcionamento não poderiam ser confiscados e que a execução deveria recair sobre seus rendimentos, ainda assim limitados à terça parte dos mesmos. Ressalvava-se, contudo, a

376 AMED, Fernando José; NEGREIROS, Plínio José Labriola de Campos. História dos tributos no Brasil. São

Paulo: Edições Sinafresp, 2000, p. 158.

377 CORRÊA, Rossini. Liberalismo no Brasil: José Américo em perspectiva. Brasília: Senado Federal, 1994,

p. 198.

378 Ibid.

379 BRASIL. Alvará de 21 de janeiro de 1809. Concede aos habitantes do Brazil o privilegio de não serem

executadas na propriedade dos engenhos e lavouras de assucar. Colecção das Leis do Brazil: cartas de lei

possibilidade de confisco na hipótese de a dívida ser de montante igual ou superior ao da propriedade.

Já no Século XIX e com a Família Real aqui presente, organiza-se no nordeste a Revolução Pernambucana, em 1817.380 Conforme mencionado no primeiro Capítulo, pode ser observada como a consequência da junção de fatores sócio-econômicos que abarcavam não só a tributação, como o mercado de escravos e de açúcar. “Os tributos necessários para sustentar o centralismo metropolitano no Rio de Janeiro, tinham de ser buscados nos departamentos coloniais como a Bahia, o Maranhão, o Pernambuco, as Minas Gerais, o Rio Grande do Sul, etc.”381 Vale lembrar que a tributação não era uniforme: existiam algumas variações tanto de

tributos como de alíquotas entre as capitanias brasileiras. Reitere-se que, sob influência iluminista, a Revolução Pernambucana gerou alguns frutos, como a abolição de impostos sobre o comércio, o que perdurou somente até o completo sufocamento providenciado pela Corte portuguesa.

Paralelamente, em Portugal acontecia a Conspiração de Lisboa, que se opunha à presença inglesa naquela terra. Três anos depois, em 1820, a metrópole assistia à Revolução Liberal do Porto, cujos resultados foram determinantes para a independência brasileira. Isso porque: convocou a reunião das Cortes Gerais, chamada de Congresso Soberano; manifestou o descontentamento com a promoção do Brasil à condição de Reino em 1815 e obrigou D. João VI a retornar a Portugal:

As Cortes eram uma assembleia na qual tradicionalmente os reis e a nobreza de Portugal pactuavam as suas relações. Desde a criação do reino, no século 12, eram convocadas sempre que houvesse dúvidas a respeito dos limites e legitimidade do poder real. [...] Nessas assembleias o soberano ouvia a grande nobreza da terra, os chefes militares e a alta hierarquia da Igreja sobre a aplicação das leis e o papel que as próprias cortes desempenhariam à frente do governo. Foram caindo em desuso à medida que o poder do rei se fortaleceu. Em 1820, já fazia 120 anos que as cortes não eram convocadas.382

Foi o Congresso Soberano que aumentou e tornou definitivas as pressões para o retornou de D. João VI a Portugal. Desde 1814, até pelos ingleses, eram realizadas tentativas para que a Corte voltasse à sua antiga residência. Ocorre que o maior representante da Família Real não manifestava o desejo de atender a tais reivindicações, razão pela qual cresciam as vozes no sentido de forçá-lo a fazê-lo:

Reunidas em fevereiro de 1821, as cortes tinham pauta extensa de trabalho: liberdade de imprensa, elaboração de um código civil e criminal, supressão da

380 Cf. QUINTAS, Amaro. A Revolução de 1817. 2. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1985.

381 CORRÊA, Rossini. Liberalismo no Brasil: José Américo em perspectiva. Brasília: Senado Federal, 1994,

205.

382 GOMES, Laurentino. 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado. Rio de Janeiro: Nova

Inquisição, redução do número de ordens religiosas, anistia aos presos políticos e instalação de um banco em Portugal. A principal exigência, no entanto, era a

volta do rei a Portugal.383

Em abril de 1821, o Rei cedeu e embarcou em direção a Portugal, lá chegando em julho do mesmo ano. Levou todo o dinheiro que pôde do Banco do Brasil, deixando para trás seu filho D. Pedro I numa colônia certamente transformada por sua passagem, embora completamente desprovida de recursos financeiros:

Em 1808, no ano da chegada da família real, a receita era de 2.258.172$499; em 1820, no ano anterior ao do regresso da Corte era ela de 9.715:628$699, mais do quádruplo, por conseguinte.

Não havia, contudo, dinheiro que chegasse. Quando o rei partiu em abril

de 1821, não existia em caixa o bastante para se apresentarem as embarcações da esquadra. Apesar dos agentes da corte retirarem do Tesouro público todo o dinheiro amoedado e os diamantes, e bem assim recolherem os fundos conservados nos cofres de socorro do hospício da Misericórdia e dos órfãos, foi

preciso que o visconde do rio Seco suprisse os 300 contos necessários para as despesas absolutamente indispensáveis daqueles aprestos.

O Erário devia ao Banco do Brasil de 8 a 10 milhões de cruzados e outro

tanto ou quase lhe deviam particulares, a praça do comércio, o cofre da polícia etc.384

Portanto, a partida da Corte foi tão onerosa quanto sua chegada, de modo que o Brasil acumulara enormes dívidas e gastos, contribuindo para a manutenção do saldo negativo por longos anos, bem como para o aumento dos tributos e dos empréstimos, conforme examinado no Capítulo anterior.

Em Portugal, as Cortes Gerais previam a participação de brasileiros. A eleição dos deputados se deu em consideração à proporcionalidade entre a quantia de delegados e a população de cada região, excluídos os escravos. Ao Brasil foram reservados setenta e dois lugares, que se somariam aos cem de Portugal e aos nove distribuídos entre Angola, Açores, Madeira e Moçambique. Quarenta e seis deputados brasileiros tomaram posse em Lisboa, ao chegarem para as reuniões no segundo semestre de 1821. Espantaram-se com o fato de já existirem decisões tomadas pelas Cortes, porquanto o edital de convocação previa aguardá-los a fim de iniciar as deliberações.

O Congresso Soberano, que, para dentro, abrigara o espírito liberal da Viradeira – ou Revolução do Porto – e, para fora, buscava reacender a chama despótica do colonialismo, principalmente no Brasil;385 já havia resolvido na ausência dos deputados brasileiros: o desmembramento do Brasil em províncias, que se subordinavam somente a Portugal; a restituição do monopólio português sobre o comércio e a ordem para que D. Pedro retornasse

383 GOMES, Laurentino. 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro

ajudaram D. Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado. Rio de Janeiro: Nova

Fronteira, 2010, p. 315, grifo nosso.

384 LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2006, grifo nosso.

385 CARVALHO, Manuel Emílio Gomes de. Os deputados brasileiros nas cortes de Lisboa. Brasília: Senado

à Europa, chegando-se a enviar tropas para o efetivo cumprimento desse último plano. O que, porém, restou infrutífero e gerou o conhecido “Dia do fico”. Assim, as tensões se acirravam entre Brasil e Portugal, de maneira tal que os deputados brasileiros passaram a ser hostilizados em Lisboa e retornaram como fugitivos.386

Nesse período de transição, o Visconde do Cairu findou suas atividades como secretário da Mesa de Inspeção na Bahia e dirigiu-se ao Rio de Janeiro para exercer a função de censor na Imprensa Régia. Nessa atividade é que teve o mais amplo acesso a diversas obras para examiná-las, dar parecer e, se o caso, proibí-las:

O cargo de censor no Antigo Regime, além de implicar fidelidade à monarquia, pressupunha erudição, pois cabia ao funcionário não apenas censurar obras que defendessem idéias contrárias à religião católica, à política monárquica, à moral e aos bons costumes, mas, ainda, examinar sua qualidade literária.387

[...]

No cargo se censor, Silva Lisboa estava autorizado a ter acesso a todas as obras, o que lhe possibilitou acompanhar o que se publicava na área de filosofia. Foram frequentes os pedidos de licença de Silva Lisboa para retirar livros da alfândega. A censura não impediu, contudo, que obras proibidas circulassem na capital. A abertura de portos facilitou a entrada de livros que escapavam ao seu controle.388

Sem prejuízo da atividade na Imprensa, Cairu, desde maio de 1809,389 também era deputado da Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábrica e Navegação do Brasil. Órgão superior às Mesas de Inspeção, que eram por aquele supervisionadas, suas atribuições incluíam a regulação do comércio exterior, o aperfeiçoamento dos negociantes por meio das “Aulas de Comércio”, a avaliação dos pedidos de concessão de privilégios, bem como os relativos à introdução de novas máquinas e invenções, além da adoção de incentivos comerciais.390 A Junta era custeada por diversificados impostos: “A Junta seria mantida por meio de impostos sobre o açúcar, tabaco, algodão, couro e sola em todos os portos do Brasil e cabia à Mesa da Contribuição a administração desses recursos. Esses impostos, entretanto, seriam considerados insuficientes pela instituição.”391

Cairu, em constante ligação com o comércio e o mercado, tanto interno como externo, manteve postura coerente com as ideias que divulgava e com sua ponderável contradição no que pertine à liberdade de comércio. Contestava, Cairu, o monopólio do comércio e, neste particular, a sua posição, sem ser extremada, era liberal, com certa dosagem de realismo, por

386 GOMES, Laurentino. 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado. Rio de Janeiro: Nova

Fronteira, 2010, p. 84, 90 e 93.

387 KIRSCHNER, Tereza Cristina. José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu: itinerários de um ilustrado luso- brasileiro. São Paulo: Alameda, 2009, p. 155.

388 Ibid., p. 156. 389 Ibid., p. 162. 390 Ibid, p. 161-162. 391 Ibid., p. 162.

admitir também a necessidade do Estado na economia – garantia à propriedade, subsídios, infraestrutura e compras – para o melhor funcionamento da ordem liberal. Ele comumente indeferia pedidos de concessão de monopólios e de privilégios que ultrapassavam a legalidade ou eram destinados à instituição de fábricas: “[...] predominaria entre os deputados da Junta do Comércio a política de restrição à implantação indiscriminada de fábricas no Brasil.”392

Interessante notar que, nesse último caso, a complexidade do bem produzido era considerado pela Junta, para fins de deferimento ou indeferimento das concessões fiscais, tal qual se deu no caso de uma fábrica de velas e sabão cujo requerimento foi desatendido por meio de um parecer de Cairu, já em 1834. Em seu pedido de isenção sobre insumos importados, fundamentou-se, o fabricante, no Alvará de 28 de abril de 1809,393 cujo artigo 1º determinava a isenção do pagamento de direitos de entrada a todas as matérias-primas que servissem de base a qualquer manufatura. No entanto, o Visconde baseou seu parecer na desnecessidade de incentivo fiscal para a confecção de um bem tão corriqueiro:

[...] o fabrico de sabão é tão simples e conhecido quanto praticado entre nós, de melhor ou pior qualidade até para usos domésticos e qualquer particular o faz sem o menor custo. E pelos livros da Alfândega, se vê que em 1800 se exportava para a Angola e pagava direitos, sabão aqui manufaturados, sem que jamais se entendesse ser um produto de fábricas, aliás, vedadas então no Brasil.394

Nota-se que a opinião do Visconde de Cairu, acima transcrita, vai ao encontro de sua posição pela cautela relativa aos incentivos fiscais, cuja concessão somente deveria atender aos casos de imprescindível necessidade e de proveito do Estado. Não obstante a postura assumida em seus escritos, os quais apregoavam que as fábricas brasileiras deveriam se ocupar do fabrico de artigos simples, já que os de luxo poderiam ser adquiridos a menor custo, através da importação.

Assinale-se que, de fato, o estímulo legal oferecido através do Alvará de 1809 para iniciar a criação de um parque industrial em solo brasileiro surtiu pouco efeito. Isso devido, basicamente, à escassez de mão-de-obra qualificada e da constante necessidade de subsídios estatais para a manutenção de fábricas, o que levava à rápida falência daquelas que conseguiam erguer-se. “De modo geral, fossem reais ou não, as manufaturas instaladas nessa época tiveram duração efêmera e, em 1841, apenas cinco delas ainda funcionavam.”395 Os

392 KIRSCHNER, Tereza Cristina. José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu: itinerários de um ilustrado luso- brasileiro. São Paulo: Alameda, 2009, p. 165.

393 BRASIL. Alvará de 28 de abril de 1809. Isenta de direitos ás materias primaz das fabricas e concede outros

favores aos fabricantes e da navegação Nacional. In: Colecção das Leis do Brazil: cartas de lei alvarás

decretos e cartas régias – 1809. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891, p. 45-48.

394 Parecer de José da Silva Lisboa. ANRJ, Junta do Comércio, cx. 425, pacote 2 apud KIRSCHNER, Tereza

Cristina. op. cit., p. 166.

395 KIRSCHNER, Tereza Cristina. José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu: itinerários de um ilustrado luso- brasileiro. São Paulo: Alameda, 2009, p. 167.

maiores incentivos governamentais foram concedidos à siderurgia, pólvora e tecelagem, apesar de igualmente não lograrem muito êxito.

Simultaneamente ao desempenho de suas atribuições na Junta, o Visconde publicou algumas de suas obras, dentre as quais as duas “Observações”396 analisadas no segundo

Capítulo, onde abordou os também já mencionados e polêmicos Tratados assinados com a Inglaterra em 1810, justificando o acordo assinado pela Coroa como muito benéfico ao Brasil e quase como um cordial favor inglês. A opinião de Cairu foi especificamente solicitada a respeito de um pormenor previsto nos Tratados: a reivindicação inglesa de abolição da Companhia dos Vinhos do Alto do Ouro, que exercia o monopólio da comercialização de vinhos portugueses:

Em 1811, a Junta do Comércio solicitou um parecer de Silva Lisboa sobre a extinção ou não da Companhia e o deputado luso-brasileiro manifestou-se contra

a manutenção do monopólio. 397

[...]

A pressão inglesa não foi suficiente, por conseguinte, para que o governo português cumprisse duas cláusulas importantes dos tratados de 1810: o compromisso de promover a abolição gradual do tráfico de escravos e a extinção do monopólio da Companhia de Vinhos do Alto Douro. Ambas afetavam diretamente interesses de grupos poderosos em Portugal e no Brasil.398

Logo, apesar da opinião de Cairu pela extinção da exclusividade e da quase-coação que a Inglaterra exercia, a Companhia resistiu e chegou a ser prorrogada por mais vinte anos, a partir de 1815,399 mesmo ano em que o Brasil foi elevado à condição de Reino.

O curto momento compreendido entre a abertura de portos e o advento do Estado nacional brasileiro, portanto, testemunhou uma série de acontecimentos tributários, sociais e políticos de que o Visconde de Cairu participou e sobre os quais opinou, sempre em observação à edificação dos alicerces do Estado que raiava. Ocupou-se essencialmente da economia política, sem, todavia, deixar de refletir acerca de suas projeções no Estado e na sociedade, nos quais o bem comum, o Iluminismo e o Liberalismo deveriam conviver harmoniosamente.

396 Cf. LISBOA, José da Silva (Visconde do Cairu). Observações sobre a franqueza da indústria e

estabelecimento de fábricas no Brasil. In: ROCHA, Antonio Penalves (org.). Visconde de Cairu. Coleção Formadores do Brasil. São Paulo: Ed. 34, 2001; _____. Observações sobre o comércio franco no Brasil. In: ROCHA, Antonio Penalves (org.). Visconde de Cairu. Coleção Formadores do Brasil. São Paulo: Ed. 34, 2001.

397 KIRSCHNER, Tereza Cristina. op. cit., p. 183, grifo nosso. 398 Ibid., p. 185.