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Dois momentos das ideias tributárias do Visconde do Cairu : da abertura de portos ás nações amigas à independência do Brasil

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Academic year: 2017

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RHAUÁ HULEK FURTADO CARVALHO

DOIS MOMENTOS DAS IDEIAS TRIBUTÁRIAS DO VISCONDE DO CAIRU: DA ABERTURA DE PORTOS ÀS NAÇÕES AMIGAS À INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Dr. João Rezende Almeida Oliveira

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AGRADECIMENTO

Esta pesquisa definitivamente não teria acontecido sem o indispensável auxílio, conhecimento e estímulo vindos do ilustre Professor Doutor Rossini Corrêa, que nela influiu desde a idealização até o derradeiro instante de conclusão, a quem, portanto, destino especial agradecimento.

Agradeço ainda aos Professores Doutor João Rezende Almeida Oliveira, orientador do estudo; e Doutora Arinda Fernandes, a qual acrescentou sugestões para o aperfeiçoamento do trabalho, na condição de integrante da banca examinadora.

Sou grata, também, ao Professor Doutor Manoel Moacir Costa Macêdo, cujas aulas implicaram no aprimoramento metodológico e científico desta investigação.

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RESUMO

Referência: HULEK, Rhauá. Dois momentos das ideias tributárias do Visconde do Cairu:

da abertura de portos às nações amigas à independência do Brasil. 2011. 151 p. Dissertação (Mestrado em Direito)-Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2011.

Apresenta o Iluminismo, sucintamente, e os contextos social, político e econômico do Brasil nos Séculos XVIII e XIX, associando-o à referida filosofia por meio da divulgação realizada através de José da Silva Lisboa, o Visconde do Cairu. Aborda as principais ideias de alguns iluministas brasileiros, como Hipólito da Costa, Frei Caneca, Evaristo da Veiga, Sousa Caldas e o próprio José da Silva Lisboa. Realiza a análise do discurso do Visconde de Cairu nas

obras “Observações sobre o comércio franco no Brasil”, “Observações sobre a franqueza da indústria e estabelecimento de fábricas no Brasil” e “Princípios do bem comum e economia política”, tendo por referenciais teóricos a retórica aristotélica e a semiologia de Warat. Com ênfase no campo do Direito Tributário, expõe e analisa as ideias tributárias e iluministas do Visconde do Cairu, bem como as circunstâncias política e mercadológica nos momentos brasileiros de abertura dos portos, em 1808; e do advento do Estado nacional, em 1822, destacando a complexidade dos períodos de transição vividos pelo referido ator político, simultaneamente, homem de Estado e homem de ideias.

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ABSTRACT

This dissertation briefly introduces the Enlightenment and the development of social, political and economic contexts of eighteenth and nineteenth centuries Brazil, associating them with that philosophy through its dissemination by José da Silva Lisboa, the Viscount of Cairu. This work also covers the main ideas of some Brazilian Enlightenment authors, such as Hipolito da Costa, Frei Caneca, Evaristo da Veiga, Sousa Caldas and José da Silva Lisboa himself. It also analyzes the speech of Viscount of Cairu in his works “Observações sobre o comércio franco no Brasil”, “Observações sobre a franqueza da indústria e estabelecimento de fábricas no Brasil” and “Princípios do bem comum e economia política” by using the Aristotelian rhetoric and Warat’s semiology as theoretical framework. This work also emphasizes the field of tax

law, and explains and analyzes tax and Enlightenment ideas found in Viscount of Cairu’s

thought. Furthermore, this dissertation clarifies political and market circumstances in certain historic moments: the opening of Brazilian harbors to friendly nations, in 1808; and the coming of the Brazilian national State, in 1822, focusing on the complexity of the transition periods lived by the aforementioned political actor, who was, at once, a statesperson and a man of ideas.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 5

1ILUMINISMO, COLONIALISMO E ESTADOS NACIONAIS: RELAÇÕES ENTRE VISÕES DA ORDEM E DA MUDANÇA NO BRASIL ... 9

1.1 BREVES CONTORNOS DO MOVIMENTO ILUMINISTA ... 9

1.2 BRASIL COLONIAL: O CHOQUE DA REALIDADE E AS IDEIAS ILUMINISTAS... ... 15

2ANÁLISE DO DISCURSO DO VISCONDE DE CAIRU ... 35

2.1 BIOGRAFIA DO VISCONDE DE CAIRU ... 36

2.2 ANÁLISE DO DISCURSO ... 39

2.2.1 Observações sobre o comércio franco no Brasil ... 39

2.2.2 Observações sobre a franqueza de indústria e estabelecimento de fábricas no Brasil ...45

3ANÁLISE PRINCIPIOLÓGICA DO VISCONDE DO CAIRU EM “ESTUDOS DO BEM COMUM E ECONOMIA POLÍTICA OU CIÊNCIA DAS LEIS NATURAIS E CIVIS DE ANIMAR E DIRIGIR A GERAL INDÚSTRIA E PROMOVER A RIQUEZA NACIONAL E PROSPERIDADE DO ESTADO” ... 63

3.1 ASPECTOS PRELIMINARES DA NARRATIVA DE CAIRU ... 64

3.2 COMPLEMENTOS NECESSÁRIOS DO ARGUMENTO EM DEBATE ... 76

4O VISCONDE DE CAIRU E A ABERTURA DE PORTOS: MERCADO, TRIBUTAÇÃO E CIRCUNSTÂNCIAS POLÍTICAS ... 92

4.1 CAIRU COMO SECRETÁRIO DA MESA DE INSPEÇÃO DE TABACO E AÇÚCAR DA BAHIA: O CONTEXTO MERCADOLÓGICO ... 92

4.2 ABERTURA DE PORTOS E A POLÍTICA ENVOLTA ... 98

4.3 TRIBUTAÇÃO ADVINDA COM A FAMÍLIA REAL ... 105

5O VISCONDE DE CAIRU E O ADVENTO DO ESTADO NACIONAL: MERCADO, TRIBUTAÇÃO E CIRCUNSTÂNCIAS POLÍTICAS ... 114

5.1 A TRANSIÇÃO: DE 1808 A 1822 ... 114

5.2 ESTRUTURA POLÍTICA DO ESTADO NASCENTE ... 121

5.3 REFLEXOS TRIBUTÁRIOS DE D. PEDRO I ... 126

CONCLUSÃO... 131

REFERÊNCIAS ... 135

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa envolve a tributação brasileira e as ideias de José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu, sobre o sistema tributário e a economia do Brasil no Século XVIII,

expressas em suas obras “Estudos do bem comum e princípios de economia política”, “Observações sobre o comércio franco no Brasil” e “Observações sobre a franqueza da indústria e estabelecimento de fábricas no Brasil”. Esses dois elementos – tributação brasileira e Iluminismo – se relacionam à medida que no primeiro buscar-se-á a presença do segundo, a fim de averiguar o provável legado deixado pelo Visconde de Cairu. A perspectiva central será a do estudo do pensamento de Cairu confrontado com as realidades de 1808 e de 1822 no Brasil. Indispensável, pois, que os componentes do tema sejam observados interligadamente, de modo que se busque, de forma constante, realizar um diálogo entre ambos. Portanto, delimita-se, o estudo, ao exame das referidas obras de Visconde de Cairu associado aos complexos desafios da realidade circundante.

O problema da investigação pode ser sintetizado no seguinte questionamento: em que medida o Iluminismo influenciou a tributação brasileira nos momentos decisivos de 1808 e 1822, de forma que essa possuiu um viés filosófico relacionado ao pensamento de Visconde

de Cairu expresso nas obras “Observações sobre o comércio franco no Brasil”, “Observações sobre a franqueza da indústria e estabelecimento de fábricas no Brasil” e “Estudos do bem comum e princípios de economia política”?

Mantidos os olhos sobre a questão acima, conjetura-se que a tributação brasileira, entre os Séculos XVIII e XIX, tenha sido influenciada pelo pensamento de Visconde de Cairu e, por isso, apresente algumas características que podem evidenciar essa hipótese nos conflitantes acontecimentos políticos e administrativos de 1808 e de 1822. Como, por exemplo, a essência agrária da política tributária de exportação e tecnológica de importação, ou mesmo a grande quantidade de princípios e normas tributárias.

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brasileiro como, por exemplo, a abertura dos portos, em 1808, e a Independência do Brasil, em 1822.

Ademais, a introdução da economia política, do Iluminismo e do Liberalismo feita pelo Visconde de Cairu deve ter influenciado sobremaneira o pensamento brasileiro político e jurídico da época, chegando a repercutir na legislação tributária, por alcançarem a condução de posturas administrativas ora do Estado (1808) ora da Nação (1822) em formação, como resultado de meditações com forte repercussão no mundo oficial.

Buscar a presença do Iluminismo inserido pelo Visconde de Cairu na tributação brasileira nos ambientes de 1808 e de 1822 comparando-a com a que havia no Século XVIII e investigar a possível relação com as revoluções que levaram à transformação do Estado, estruturado na mesma época, são os objetivos gerais desta pesquisa. Procura-se, especificamente: averiguar a extensão da tributação como causa de movimentos sociais revolucionários ocorridos no Brasil na época iluminista a fim de notar possíveis alterações legislativas decorrentes; examinar o pensamento de Visconde do Cairu no intuito de experimentá-lo em relação ao Iluminismo e Liberalismo, em 1808 e em 1822, e sua possível inserção na legislação tributária e econômica brasileiras da décima oitava centúria, além de apurar a existência ou inexistência de resquícios no sistema tributário atual; e investigar se houveram e quais foram as influências do Iluminismo, na tributação e na construção do Estado nacional soberano nascido durante o Século XVIII, e que ressonâncias podem ser observadas na sociedade e no sistema tributário do Brasil da época e da atualidade.

A concretização da empreitada viabilizou-se com o emprego dos métodos de pesquisa histórico e de análise de discurso. Combinados, ajustam-se aos objetivos à medida que o segundo, inclusive, instrumentaliza o primeiro. Além disso, a análise de discurso denota que a abordagem que se busca foge ao positivismo tradicional das ciências sociais e jurídicas, razão pela qual cabem algumas digressões acerca deste método, o qual é bastante usual nas áreas de psicologia e jornalismo e pode ser definido como profundo exame da linguagem, a procura de padrões valorativos subjacentes a uma visão de mundo.

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que a semiologia jurídica igualmente vem ao encontro da legitimação da análise de discurso no Direito. Nesse ponto, Luis Alberto Warat, confirmando uma tradição, através da pragmática, aproxima o exame do Direito às circunstâncias históricas, políticas e ideológicas que o cercam.

Dentre as diferentes formas de se realizar a análise de discurso, optou-se pela análise crítica, por ser a que mais se adapta devido ao seu foco, cuja procura por padrões se dá em contextos mais amplos, relacionados à cultura e à sociedade. A condução de uma pesquisa por meio da análise de discurso é restrita ao material a ser analisado, cujo tamanho de amostra não se preocupa com números elevados, razão pela qual se limita o presente estudo a três obras de Visconde de Cairu.

O ambiente histórico, necessariamente, será pesquisado, uma vez que se trata de um resgate das origens da tributação brasileira cuja hipótese tem centro no Século XVIII. A análise discurso servirá para ambos os propósitos: investigar as obras de Visconde de Cairu e apresentar a paisagem social e política da época. A pesquisa histórica igualmente se adapta, porquanto trata do exame de acontecimentos, processos e instituições passadas para testar a sua influência na sociedade atual.

A técnica de pesquisa é a bibliográfica por se mostrar inteiramente viável em relação aos materiais a serem examinados: obras literárias. Cuidar-se-á de organização materializada pela documentação direta, indireta e de cunho qualitativo, de forma que os dados coletados são submetidos à análise e à interpretação descritiva.

Assim, a investigação é estruturada em cinco Capítulos, em todos inserido o Visconde do Cairu. No primeiro deles, surgem os contextos políticos e sociais em que nasceu o Iluminismo, no Brasil e no mundo. Apresenta-se o ambiente vivido pelo Visconde do Cairu, assim como se oferecem algumas de suas ideias básicas, cotejando-as com as de outros iluministas brasileiros, que também são acomodados naquele meio histórico.

A análise do discurso do Visconde do Cairu vem na sequência, subdividida em dois blocos, que compõem o segundo e o terceiro Capítulos. No segundo, o exame recai sobre as

obras “Observações sobre o comércio franco no Brasil” e “Observações sobre a franqueza da indústria e estabelecimento de fábricas no Brasil”, nas quais são detalhadas as opiniões do Visconde do Cairu no que se refere a dois fundamentais atos administrativos da Coroa: a abertura de portos, em 1808, e a admissão de fábricas, em 1809. No terceiro Capítulo,

analisa-se, minuciosamente, “Estudos do bem comum e princípios de economia política”, cuja

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O quarto Capítulo destina-se ao exame das circunstâncias políticas que circundam o ano de 1808, associando-as à economia da época e apresentando a tributação imposta por D. João VI a partir do ano de abertura dos portos às nações amigas.

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1 ILUMINISMO, COLONIALISMO E ESTADOS NACIONAIS: RELAÇÕES

ENTRE VISÕES DA ORDEM E DA MUDANÇA NO BRASIL

1.1 BREVES CONTORNOS DO MOVIMENTO ILUMINISTA

O estudo das ideias tributárias do Visconde de Cairu remete à sua época: o Século XVIII. Logo, faz-se indispensável abordar o Iluminismo, que aqui se apresenta como sinônimo de movimento filosófico e ideológico anunciador de um novo tempo cuja perfeição seria derivada de seu racionalismo intrínseco. Tal esmero resultaria do fato de se tratar de uma nova era, em que o mundo não passaria por crises cíclicas e, entre todos os humanos, espalhar-se-ia a felicidade geral.

O Iluminismo tem origem na Europa por volta do ano de 1680.1 Inglaterra, França e Alemanha são seu berço e a organização social apresenta a burguesia como classe em ascensão, a qual, sem possuir privilégios políticos ou econômicos, passa a tudo criticar, em nome, porém, da humanidade.2 Censurou-se o sistema feudal, a superstição, o preconceito, a moral, a religião, o sistema tributário, as regalias do clero e da nobreza, a metafísica, ao mesmo tempo em que se pregou a racionalidade, a tolerância, a igualdade, o individualismo, o materialismo, a liberdade e a propriedade privada. Assim, de uma forma geral, o Iluminismo instigou grandes mudanças e nesse sentido é que será mencionado durante a presente pesquisa.

Na Inglaterra, Newton, Locke e a Revolução Gloriosa marcaram o início do Iluminismo.3 “Os Principia de Newton e o Essay de Locke4 são obras de cujo espírito o

Iluminismo se alimenta como de nenhuma outra”.5 Newton traz sua filosofia da natureza em linguagem matemática para demonstrar o uso da razão como a fórmula pela qual é possível desvendar todos os segredos do universo. Locke defendeu a liberdade de consciência religiosa, a burguesia como titular do poder temporal, a experiência como fonte de

1 HAZARD, Paul. O pensamento europeu no século XVIII. Lisboa: Editorial Presença, 1989, p. 13. 2 TEXTOS ESCOLHIDOS. A enciclopédia. 2. ed., Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 10.

3 KREIMENDAHL, Lothar (org.). Filósofos do século XVIII. Rio Grande do Sul: Editora Unisinos, 2004, p.

11.

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conhecimento e contribuiu para o Liberalismo,6 justificou a Revolução Gloriosa e inspirou a Francesa.7 Desses pensadores ingleses partem as primeiras ideias iluministas que passam a percorrer a Europa.

A Alemanha, dos três países citados, foi o último a abarcar o Iluminismo.8 Christian Thomasius é mencionado como o precursor do Iluminismo na Alemanha. Ele atacava a nobreza e situava o ser humano nas questões centrais de sua filosofia. Christian Wolff fortifica as ideias iluministas defendendo uma moralidade autônoma no seu livro Deutsche Ethik (Ética Alemã), de 1720.9 Pode-se citar, ainda, Kant com sua filosofia sobre a moral. Apesar de o Iluminismo alemão ser considerado atrasado em relação à França e à Inglaterra, aponta-se a reflexão iluminista sobre o próprio Iluminismo como peculiaridade do mesmo.10

A França tem lugar de destaque no Iluminismo: “Para Robert Darnton, Iluminismo é um fenômeno histórico concreto em determinado tempo e em determinado lugar, Paris, no

início do século dezoito”.11 A Revolução Francesa pode ser vista como resultado da propagação das ideias iluministas por meio das quais a burguesia alcançou o poder e conseguiu estruturar o Estado conforme seus anseios. As consequências, porém, não se restringiram às fronteiras da França. Convém, pois, aprofundar os estudos sobre o Iluminismo francês.

Luís XIV revogara, em 1685, o Édito de Nantes, de 1598 – que garantia a liberdade religiosa aos protestantes – conferindo ao catolicismo a condição de religião oficial do Estado absolutista12 e aguçando as discussões acerca da religião, da moral e do Estado. No âmbito econômico, passava-se por um momento de transição: o feudalismo, baseado na valoração da terra, altera-se com o enriquecimento da burguesia, que se desenvolvera pelo comércio de produtos, inclusive coloniais. A nobreza, detentora das terras, entra em decadência, abrindo

espaço para os burgueses, comerciantes. “Em resumo: a situação social, na França, deixara de refletir a situação econômica”.13 “A burguesia ultrapassa, nesses séculos, as muralhas da

cidade e os limites do comércio regional e assenhoreia-se das novas forças de produção: no

6 CORRÊA, Rossini. Liberalismo no Brasil: José Américo em perspectiva. Brasília: Senado Federal, 1994, p.

90.

7 LOCKE, John. Os pensadores. 5. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991, p. XVII.

8 KREIMENDAHL, Lothar (org.). Filósofos do século XVIII. Rio Grande do Sul: Editora Unisinos, 2004, p.

18.

9 Ibid., p. 19. 10 Ibid., p. 21-22.

11 Ibid., p. 16, grifo do autor. 12 Ibid., p. 14.

13 CORREA JUNIOR, Manoel Pio. Primórdios da Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura,

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Século XVIII domina economicamente a França, como os restantes países desenvolvidos da

Europa”.14 E mais:

A burguesia tem nas mãos a economia francesa e quer governar a política da França. Vive-se o momento de esclerose da aristocracia: arruinada pela desvalorização progressiva dos seus rendimentos, sem participar, enquanto classe, no desenvolvimento econômico e na criação de novas formas de produção, a aristocracia só sobrevive graças a um endurecimento do sistema fiscal e dos seus privilégios políticos: é ela que governa, são seus os altos quadros da monarquia e da igreja franceses.15

A divisão de classes não mais correspondia à realidade, pois a divisão da sociedade em grupos já não se apresentava homogênea: a burguesia começa a ser vista como parte distinta do povo, embora não constituísse, formalmente, um novo estamento social. É de se esclarecer:

Com a ruptura de 1789 o terceiro estado, ou seja, a burguesia, que fizera uma aliança com todo o povo – e só há aliança entre desiguais – ascendeu solitariamente na estrutura social, agora apresentando uma estratificação quádrupla, com o povo dividido em burguesia e proletariado.16

Detentora da economia, mas sem poderes políticos para angariar benefícios, que somente eram concedidos à nobreza e ao clero, a burguesia dá início à difusão de seus anseios (apresentados como os de quaisquer seres humanos). Uma das formas de propalar suas vindicações é a filosofia, a publicação de obras e folhetos que incitam mudanças apresentadas como legítimas. A publicação de “A Enciclopédia” exemplifica isso. Organizada por Diderot e D’Alambert, os vários (trinta e cinco, ao todo) volumes que a compõem expõem as ideias burguesas. A igualdade, a liberdade, a propriedade privada, a fisiocracia, a tolerância religiosa, a monarquia constitucional ou o despotismo esclarecido e a soberania nacional são as principais das exigências dos burgueses aos quais o povo se junta na esperança de também experimentar tais conquistas.17

A burguesia ascendia, mas o restante da sociedade sofria arduamente. Miséria, fome e frio é o que passava a parcela de franceses não pertencentes à rica burguesia. A tributação recaía sobre o povo, que, assim, sustentava todos os gastos da nobreza e do clero, que muitos privilégios tinham e pouco ou nada pagavam para sustentarem a confortável situação em que viviam. A participação da França em guerras também é custeada pelos tributos pagos pela maioria. Era um mundo de profundos contrastes:

A guerra e a Corte eram dois sorvedouros: para alimentar essas duas hidras, a França esgotava os seus recursos e o povo via-se reduzido a uma miséria tão indescritível que mais uma vez apelamos para as próprias palavras do insuspeito

d’Argenson: “A miséria”, escreve ele em maio de 1739, “aumenta no Reino a ponto

nunca visto; os homens morrem como moscas, de privações, e chega-se a comer

14 TEXTOS ESCOLHIDOS. A enciclopédia. 2. ed. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 9. 15 Ibid., p. 10.

16 CORRÊA, Rossini. O Liberalismo no Brasil: José Américo em perspectiva. Brasília: Senado Federal, 1994,

p. 59.

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capim em muitas províncias e até perto de Versalhes”. É claro e impressionante: as

populações morrem de inanição, à míngua de qualquer alimento, reduzidas a comer capim, e isso perto de Versalhes, onde milhares de privilegiados vivem à tripa forra,

à custa de douradas sinecuras pinguemente remuneradas. Realmente o contraste é demasiado forte; tanto mais quanto o rigor na arrecadação das contribuições torna-se feroz à medida que aumentam as dificuldades financeiras.18

Assim como Portugal satisfazia suas necessidades pecuniárias explorando os minérios e os habitantes de sua colônia, a nobreza e o clero franceses mantinham as circunstâncias em que viviam por meio do aumento dos tributos. A situação financeira do Estado e fiscal do povo paulatinamente se tornava insustentável. Os sucessivos ocupantes da Pasta das Finanças da França, no Século dezoito, lançaram políticas econômicas e tributárias que aos poucos pioravam o já grave contexto. Em geral, aumentavam a tributação e contratavam vultosos empréstimos, medidas às quais se aliava o incontido aumento de gastos da Coroa.

Anne-Robert-Jacques Turgot, porém, foi um dos poucos Ministros das Finanças que tentaram recuperar a situação econômica da França. Economista fisiocrata19 e conhecedor das

ideias iluministas, chegou a colaborar na elaboração de “A Enciclopédia” escrevendo os

artigos sobre Existência, Expansibilidade, Feiras e Mercados e fundações.20 Buscou substituir os tributos denominados vigésimas por um imposto único, que seria pago por todos os súditos; eliminar os impostos e taxas cobrados sobre a circulação dos produtos da lavoura; conferir a liberdade de trabalho por meio da abolição da obrigatoriedade de pertencer a uma corporação, e limitar os gastos da Corte.21

Turgot conseguiu implantar a livre circulação de cereais e, em 1776, abolir as corveias reais, que obrigavam os camponeses a trabalhar gratuitamente por determinado número de dias a fim de manter as estradas em boas condições, substituindo-as por um imposto que passou a ser pago por toda a população.22 Contudo, os embates entre a contenção dos gastos da Coroa, promovida por Turgot, e as vontades da Rainha Maria Antonieta levaram-no à sua demissão, em 12 de maio de 1776.23

Neste cenário, se desenrolavam o Iluminismo e o Liberalismo. Vários pensadores da época escreveram seus nomes na História. O Iluminismo ficou conhecido como o Século das Luzes, onde todos foram convidados a presenciar o progresso da humanidade, a ser alcançado pelo uso da razão. O ser humano, observado enquanto indivíduo, passou a ser o foco:

18 CORREA JUNIOR, Manoel Pio. Primórdios da Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura,

2002, p. 38-39, grifo do autor.

19 Ibid., p. 67.

20 TEXTOS ESCOLHIDOS. A enciclopédia. 2. ed. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 18. 21 CORREA JUNIOR, Manoel Pio. op. cit., p. 72.

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Em que constituiu o esclarecimento, a ilustração, o Iluminismo? Consistiu, simplificadamente, na fé (ou crença), na certeza (ou convicção) de que a ignorância, símbolo do obscurantismo, poderia ser removida e reparada pela utilização individual da razão, posta a serviço da episteme e da paidéia, as quais levariam cada um e todos às luzes, ao brilho e à clareza: luzes do saber, brilho da verdade e clareza de pensamento.24

Jean-Jacques Rousseau, Montesquieu, Condorcet, D’Alambert, Condillac, Newton, Locke, Berkeley, Kant e Diderot, dentre outros, expressavam o espírito e pensamento da época em suas obras. Voltaire25 foi um iluminista francês de relevo. Bastante influente e por vezes irônico, acompanhou os fenômenos que o cercaram e sobre eles discorreu criticando-os em suas obras. Justiça, tolerância e liberdade são os principais temas. Também difundiu o uso da razão e, sobre a religião, considerava a existência de algo superior. Defendia o respeito à individualidade e criticava o sistema tributário da época.26

Em Voltaire, a liberdade era precária e inconstante, a propriedade privada era exaltada como liberdade e legitimava a desigualdade social. O comércio era a causa da riqueza e da liberdade dos ingleses, donde surgia o poderio do Estado. O Estado deveria ser não-intervencionista e o Capitalismo era um promotor da felicidade universal. A desigualdade era condição de sobrevivência do gênero humano, que necessitava dos não-proprietários como serviçais responsáveis pelo funcionamento da divisão do trabalho. A tolerância refletia a liberdade de pensamento e seria atributo essencial da humanidade, que carecia de culto livre e não de guerras religiosas. Conviver democraticamente seria impossível, com exceção, talvez, para os países pequenos e bem situados. A virtude era o bem comum: o bem para o próximo ou para a sociedade.27 “O desempenho possessivo resultaria em benefício coletivo. O

novelista, na verdade, transpunha para o âmbito da virtude um princípio mais do que burguês: o das trocas, o dos interesses, o da mecânica dos favores.”28

Neste ponto, é possível visualizar de forma mais transparente a relação do Iluminismo com o Liberalismo: o individualismo, principalmente, os conecta.29 A valorização do indivíduo tem início no Renascimento, que já havia começado a propalar a necessidade do uso da razão e da liberdade de pensamento.30 O Ressurgimento, assim como já dito em relação ao

24 CORRÊA, Rossini. Liberalismo no Brasil: José Américo em perspectiva. Brasília: Senado Federal, 1994, p.

56-57.

25 Cf. VOLTAIRE. Comentários políticos. DANESI, Antônio de Pádu (trad.) e BERLINER, Cláudia (rev.). São

Paulo: Martins Fontes, 2001.

26 KREIMENDAHL, Lothar (org.). Filósofos do século XVIII. Rio Grande do Sul: Editora Unisinos, 2004, p.

148.

27 CORRÊA, Rossini. op. cit., p. 95-96. 28 Ibid., p. 97.

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Iluminismo, “tinha uma natureza burguesa.”31 O indivíduo de que se falava, portanto, era o

burguês. A igualdade que se buscava também era detentora do caráter de burguesia: tratava-se da igualdade formal, apenas jurídica. Mesmo porque a própria organização social delineada pelo novo grupo social era geradora da desigualdade, defendida inclusive pelos filósofos iluministas, como Hegel e Voltaire, por exemplo. Aqui, porém, Rousseau é destacado como um dos poucos pensadores que acudiam a igualdade social.32

A propriedade privada, vista como direito sagrado, é tida como expressão da liberdade do indivíduo e, associadas, culminam no estabelecimento das funções do Estado: resguardar o direito de propriedade e a liberdade, abstendo-se de praticar qualquer ato que possa ser entendido como violação dos mesmos. O governo deveria manter-se o mais distante possível da economia e da propriedade. Jean-Baptiste Say doutrina que “o melhor governo é o que

menos governa”,33 de modo que a intervenção estatal deveria ser muito rara, e aborda a propriedade como direito a ser protegido contra qualquer violação. O Estado, para Say e Adam Smith, deve assegurar a propriedade privada, que é um direito passível, até, de abuso pelo seu detentor. Adam Smith cuida, também, do controle social como função a ser exercida pelo Estado, o qual seria igualmente útil em defesa da propriedade, desvelando o “fortíssimo preconceito antipovo do liberalismo”.34

No Século dezoito, as obrigações e a estrutura do Estado começam a ser desenhadas em função da burguesia. O Iluminismo e o Liberalismo se desenvolvem à medida que demarcam os contornos do Estado que ainda hoje permite ser reconhecido como consequência de uma época marcada pela filosofia racionalista, pela ascensão de uma classe conquistadora e por revoluções de cunhos econômico, jurídico-tributário, social e político. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, também resultado da décima oitava centúria, pode ser vista como complemento das profundas mudanças sociais.35

As transformações pelas quais passou a sociedade podem ser diretamente relacionadas ao âmbito Tributário do Direito. As revoltas ocorridas em solo brasileiro, muitas delas inspiradas na Revolução Francesa, têm a situação tributária como cerne e contexto de fundo. Assim, o estudo da tributação e das ideias iluministas sobre a mesma desemboca na própria formação do Estado Soberano. A filosofia iluminista, desenvolvida na décima oitava centúria

31 CORRÊA, Rossini. Liberalismo no Brasil: José Américo em perspectiva. Brasília: Senado Federal, 1994, p.

44.

32 TEXTOS ESCOLHIDOS. A enciclopédia. 2. ed. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 11. 33 CORRÊA, Rossini. op. cit., p. 110.

34 Ibid., p. 107.

35 GOYARD-FABRE, Simone. Os princípios filosóficos do direito político moderno. São Paulo: Martins

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na Europa, anunciadora do racionalismo e materialismo, do Capitalismo e do Liberalismo, vindicou alterações na tributação e instou alterações sociais, políticas e jurídicas ainda observáveis. O Iluminismo marcou a sociedade moderna em escala universal. Anunciou a iluminação, o esclarecimento, a racionalidade como solução para os problemas e fonte de contínuo progresso: um mundo coberto de luzes e sem crises. Proclamou o fim das escuridões que pairavam sobre a humanidade, dividindo a história em antes e depois dele, em trevas e feudalismo versus luzes e Capitalismo.

O indivíduo passou a ser o foco. Pleiteou a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Buscou repensar tudo e tratar de todos os assuntos. No campo jurídico, trouxe a Constituição, a democracia, a representação, a codificação, a isonomia e a propriedade privada. Procurou racionalizar o Direito, sedimentar a segurança jurídica, legitimar as instituições jurídicas e políticas, igualar juridicamente os homens e dispersar os poderes do Estado, que passa, dessa forma, por grande reestruturação e delineamento de soberania e nacionalidade. Liberalismo e Capitalismo emergem e provocam-se alterações nos sistemas tributários.

Nesse contexto se acha a Europa do Século XVIII, em especial a França. Brasil e Portugal só tardiamente vivenciaram tal transformação. José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu, é apontado como o precursor da Economia Política no Brasil. Economista e jurista brasileiro do final do Século dezoito, Cairu buscou familiarizar a elite do Brasil com as grandes mudanças europeias que então se processavam e acordá-la para o crescente Liberalismo de Adam Smith e para a possibilidade de alcançar a ética por meio da valorização do trabalho e da inteligência. Idealizou políticas públicas e tributárias em atenção à realidade pela qual passava o Brasil: término da Inconfidência Mineira, vésperas da Independência do Brasil e surgimento de correntes abolicionistas e republicanas.

1.2 BRASIL COLONIAL: O CHOQUE DA REALIDADE E AS IDEIAS ILUMINISTAS

O Brasil, assim como o resto do mundo, passava por grandes transformações no Século XVIII. O cenário contemplava a opressão fiscal e a resistência dos colonos.36 A colônia portuguesa era vista como fonte de lucro e saída para os problemas financeiros de sua metrópole. Em 1702, nova legislação foi elaborada para aumentar a exploração e a

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arrecadação: denominada o “Regimento dos Superintendentes, Guardas-mores e oficiais

Deputados para as Minas do Ouro”.37 Posterior à Carta Régia de 1694, que prometia

recompensas aos descobridores de minas, o Regimento dos Superintendentes detalhava a exploração das terras aonde se encontravam as minas de ouro.

No final do Século dezessete, descobriu-se ouro e diamante no solo brasileiro e Portugal estava endividado por causa da dissolução da União Ibérica, dos gastos da Coroa e da assinatura de uma série de tratados, dentre os quais o de Methuen, de 1703, em que Portugal se obrigava a comprar panos de lã e a admitir a instalação de mais fábricas da Inglaterra, que compraria os vinhos portugueses:38

O acordo era leonino, pois a única vantagem que os vinhos portugueses levavam era pagar um terço a menos de impostos do que os vinhos franceses (que levavam a vantagem de um frete muito mais barato). Entretanto Portugal praticamente não tinha indústrias, junto com os têxteis vinham ferramentas e outros produtos britânicos, desequilibrando ainda mais a balança de comércio entre os dois países. [...]

Esse tratado afetou o Brasil, pois a partir dele, qualquer indústria que se tentasse no Brasil passava a ser desestimulada.39

A administração tributária era basicamente ordenada da seguinte forma: os tributos eram arrecadados pelos contratadores (particulares que obtinham concessão estatal para tanto, com duração de três anos), que pagavam quantias fixas aos cofres da Real Fazenda e

possuíam funcionários (os chamados “Fiéis”)40 os quais muitas vezes ocupavam cargos de confiança do Rei para fiscalizar a cobrança. As arrecadações eram acompanhadas por forças militares fornecidas pelo governador, em especial após a instituição da derrama, cujo aspecto principal era a brutalidade:

A Derrama era temida por se tratar de uma cobrança sui generis, já que se

caracterizava pela violência dos responsáveis pela ação. Como numa batalha de guerra, as tropas militares portuguesas cercariam as regiões que deveriam pagar tais impostos. Os cobradores entrariam em cada casa com a assistência dos militares.41 Ainda sobre a derrama, vale dizer de sua relação com a Inconfidência Mineira,42 porquanto fora instituída para cobrança de impostos atrasados. O Brasil deveria cumprir uma quota de remessa de cem arrobas de ouro anuais para Portugal. Não cumprida a meta, o saldo negativo acumulava-se ao devido no ano seguinte. Ocorre que, além do desgaste sofrido pelas minas, que não mais conseguiam manter o ápice de extração de ouro; fato é que havia altos

37 SIMONSEN, Roberto C. História econômica do Brasil: 1500-1820. Brasília: Senado Federal, 2005, p. 356. 38 AMED, Fernando José; NEGREIROS, Plínio José Labriola de Campos. História dos tributos no Brasil. São

Paulo: Edições Sinafresp, 2000, p. 99.

39 GODOY, José Eduardo Pimentel de. O comércio internacional do Brasil antes de 1808. In: Tributação em

revista. Ano 14, n. 53, jan-mar 08, p. 29.

40 AMED, Fernando José; NEGREIROS, Plínio José Labriola de Campos. op. cit., p. 108. 41 Ibid., p. 158.

42 AUTOS DE DEVASSA DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA. Brasília: Câmara dos Deputados; Belo Horizonte:

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índices de contrabando43 e de sonegação fiscal, razão pela qual se chegava a estipular elevadas recompensas àqueles que denunciassem os sonegadores: “Em casos extremos,

quando grande se mostrava a sonegação, Macedo apelava para editais e prometia prêmios dos

denunciantes, deveras elevados (50% do confisco) [...].”44 O reiterado inadimplemento gerava

a decretação da derrama para cobrança de tais atrasados:

No ano de 1789, o valor de impostos atrasados havia atingido níveis significativos e começaram a circular boatos em Minas Gerais, de que o governador da capitania estava preparando a decretação da temida Derrama. Mais que isso: Lisboa havia mandado esse governador para Minas Gerais exatamente com a tarefa de cobrar os impostos atrasados.45

O aparelhamento compreendia a Intendência das Minas, os Registros e as Casas de Fundição. A primeira foi criada para policiar, julgar, fiscalizar e administrar a região mineradora: prestava contas somente à Coroa. Os Registros eram centros de inspeção policiados nos caminhos de saída das regiões mineiras e lugares onde se emitiam títulos de crédito tributário cobrados no local de destino das mercadorias ou de residência do devedor-contratador. As Casas de Fundição fiscalizavam e também cobravam tributos: era por onde todo ouro encontrado deveria passar para ser recolhido o quinto (tributo cuja alíquota era de vinte por cento) e auferir o carimbo indicador do recebimento dos direitos reais para circular livremente. O principal objetivo era fiscalizar para evitar o contrabando que apresentava altos índices, por isso nos postos de vigilância mantinham-se militares com a função de vigiar atentamente:

Além do controle feito nas casas de fundição, havia postos de vigilância nas estradas, especialmente entre as minas e o litoral, onde uma guarnição militar, composta por um tenente e cinquenta soldados, tinha autorização para revistar qualquer pessoa que por ali passasse. A punição para contrabandistas era drástica: prisão, confisco de todos os bens e deportação para a África.46

Ressalte-se, contudo, que essa organização se deu aos poucos: a Intendência das Minas foi criada em 1702 (por meio do referido Regimento) e as Casas de Fundição, começaram a funcionar em 1725:

Todo o ouro era levado a esses estabelecimentos e, após a retirada dos quintos, era fundido e restituída a respectiva barra ao proprietário, com a sua guia. Julgado excessivo o imposto e acentuando-se a fraude, foi ele, em 1730, reduzido a 12%.47

43 Cf. MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico-geográfico da província do Maranhão. 3. ed. Rio de

Janeiro: Cia da Editôra Fon-Fon e Seleta, 1970.

44 SÁ, A. Lopes de. Aspectos contábeis no período da inconfidência mineira. Ouro Preto: ESAF, 1980, p. 44. 45 AMED, Fernando José; NEGREIROS, Plínio José Labriola de Campos. História dos tributos no Brasil. São

Paulo: Edições Sinafresp, 2000, p. 158.

46 GOMES, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta

enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007, p. 132.

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Ainda no Século XVIII, o contratador, durante os três anos de concessão, arrecadava, cobrava e executava. Terminado esse prazo, a inadimplência era a regra e aquele contava com seus advogados e com a morosidade da justiça, isso sem mencionar a corrupção, que chegava a envolver o governador e seus militares. Entretanto, houve contratadores que tiveram seus bens confiscados por não conseguirem arcar com suas dívidas,48 em ressentimento que conduziu à Inconfidência Mineira.49

O confisco de bens é apontado como o principal motivo da Guerra dos Mascates, que se deu de 1710 a 1711.50 Houve uma queda na produção açucareira do Brasil. Os senhores de engenho decidiram se concentrar em Olinda, onde os proprietários rurais detinham poder enquanto vereadores. Em Recife se reuniam os comerciantes portugueses, financiadores e credores dos senhores de engenho e dos contratadores. Olinda impunha sua legislação tributária a Recife. Os comerciantes portugueses, então, reivindicaram e obtiveram participação na Câmara Municipal de Olinda. Sem resultados eficazes na participação legislativa, os portugueses pediram à Coroa a condição de Município ao Recife, o que foi atendido em 1709. Os senhores de engenho atacavam Recife alegando tensões relativas aos limites geográficos entre as cidades. Todavia, um panfleto da época com o título

“Calamidades em Pernambuco”, trazia o motivo oculto: os senhores de engenho aceitavam a

cobrança das dívidas, mas não o confisco de suas propriedades. “Eles desejavam que suas dívidas fossem amortizadas a partir dos seus ganhos, nunca pelos seus bens”.51 A guerra terminou com a intervenção da Coroa em favor dos comerciantes portugueses.52

Essa foi apenas uma das várias revoltas relacionadas à política tributária da época, que também assistiu ao motim em Vila do Carmo (1712), à Revolta do Morro Vermelho (1715), à Conspiração no Rio das Velhas (1716), à Sedição de São Francisco (1718), à Revolta dos Paulistas em Pitangui (1719), à Sedição de Vila Rica (1720), à Conjuração Mineira (1789) e à Revolução Pernambucana (1817).53 Assim os colonos demonstravam que a opressão fiscal praticada por Portugal não passava despercebida.

48 AMED, Fernando José; NEGREIROS, Plínio José Labriola de Campos. História dos tributos no Brasil. São

Paulo: Edições Sinafresp, 2000, p. 110.

49 AUTOS DE DEVASSA DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA. Brasília: Câmara dos Deputados; Belo Horizonte:

Imprensa Oficial, 1976, 10 v.

50 NOGUEIRA, Severino Leite. O seminário de Olinda e seu fundador o Bispo Azeredo Coutinho. Recife:

FUNDARPE, 1985.

51 AMED, Fernando José; NEGREIROS, Plínio José Labriola de Campos. op. cit., p. 121.

52 ANDRADE, Gilberto Osório de. Montebelo, os males e os mascates. Recife: Editora da Universidade

Federal de Pernambuco – UFPE, 1969.

53 Cf. MOURÃO, Gonçalo de B. C. e Mello. A Revolução de 1817 e a história do Brasil. Belo Horizonte:

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Aos tributos estabelecidos antes da mineração, somaram-se os que foram instituídos em função da mesma e, ainda, os de cunho religioso. O quinto, por exemplo, era um tributo que recaía sobre os metais preciosos encontrados em virtude de as terras pertencerem ao Rei e destinava-se a “cobrir gastos com o príncipe e aumentar a fé”.54 O dízimo custeava as despesas clericais e as construções das igrejas. Os que não pagassem o dízimo eram considerados pecadores e condenados, pela Igreja, a não entrarem no Reino de Deus.55 Além desses tributos, ainda havia, pelo menos: dízimo na alfândega e chancelaria, imposto guarda-costa sobre a entrada e saída de navios, direitos de entrada sobre todas as mercadorias com destino às minas, imposto sobre passagem nos rios, imposto sobre o açúcar, imposto de exportação, imposto sobre o pescado, subsídios grande e pequeno dos vinhos, subsídio das aguardentes, subsídio dos escravos que iam para as minas e Bulas da Santa Cruzada.56

A região mineradora atraiu grande número de pessoas em busca dos diamantes e do

ouro: “No auge da sua prosperidade, Vila Rica chegou a ser a maior cidade do Brasil, com

100 000 habitantes.”57 Cobrava-se direito de passagem para lá chegar, que necessariamente

deveria acontecer por caminhos predeterminados de ida e de volta, a fim de evitar a sonegação, além da proibição legal de criar novos trechos:

Uma lei de 1733 proibia a abertura de estradas como forma de combater o contrabando de ouro e diamantes, facilitando a fiscalização por parte dos funcionários portugueses encarregados de recolher o quinto real sobre toda a produção de pedras e minerais preciosos da colônia. As poucas estradas existentes tinham sido abertas sobre picadas abertas pelos índios antes ainda do descobrimento e reaproveitadas pelos primeiros colonizadores.58

Em 1735, após frustrada a tentativa de 1732, foi instituída a Taxa de Capitação dos Escravos:59

Foi fixado em 4,75 oitavas ou 17 gramas por escravo; os nascidos nas minas, com menos de 14 anos, ficariam isentos. Na base de 100.000 escravos, que recentes documentos provam terem trabalhado nas Minas Gerais, no período de maior efervescência da procura de ouro, esse imposto deveria render à Coroa mais de 113 arrobas.60

A preocupação central da região era a de lá extrair riqueza e não de desenvolver-se economicamente ou produzir para o mercado local. A isso aliados os entraves naturais e

Abelardo. Heróis de batina: pequena história do clero do Brasil. Coleção terra dos papagaios. Estado da Guanabara: Conquista, s/d.

54 BALTHAZAR, Ubaldo César. História do tributo no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005, p. 54. 55 Ibid., p. 53-54.

56 Cf. GODOY, José Eduardo Pimentel de; MEDEIROS, Tarcízio Dinoá. Tributos, obrigações e penalidades

pecuniárias de Portugal antigo. Brasília: ESAF, 1983.

57 GOMES, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta

enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007, p. 131.

58 GOMES, Laurentino. op. cit., p. 125.

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legais, o preço das mercadorias na região era muito superior ao cobrado em outros lugares e geraram, inclusive, o contrabando de produtos alimentícios. Um alqueire de farinha de mandioca, por exemplo, custava seiscentos e quarenta réis em São Paulo e quarenta e três mil-réis em Minas Gerais. Um alqueire de sal custava setecentos e vinte mil-réis no Rio de Janeiro e três mil e seiscentos réis em Minas Gerais, pois, somente para entrar na região mineira, pagavam-se setecentos e cinquenta réis.61 Assim, apesar de a carga tributária se abater sobre toda a colônia portuguesa, a tributação era concentrada na região mineradora.

Por volta de 1750, o Marquês de Pombal começou a promover consideráveis mudanças na tributação brasileira: criou o subsídio literário, a derrama e o subsídio voluntário (que, apesar da denominação, não possuía tal caráter). O subsídio literário destinava-se a custear o ensino público no Brasil, que até então ficava a cargo da Igreja, a qual deixou de fazê-lo devido à expulsão dos Jesuítas do Brasil, ordenada pelo Marquês. A derrama tinha por objetivos recuperar os impostos atrasados e complementar a diminuição de arrecadação do quinto. O subsídio voluntário, com alíquota de 4% incidente sobre a importação de mercadorias,62 foi feito para angariar fundos para a reconstrução de Lisboa, abalada por um forte terremoto no ano de 1755. Pombal procurou retirar o máximo de riqueza possível da colônia:

[...] o fisco metropolitano buscava suprir as necessidades da Fazenda Real independentemente da capacidade que os colonos tinham de pagar tributos, também pouco importava se alguma taxação atrapalhasse o desempenho de determinadas atividades econômicas.63

O Marquês de Pombal ainda concedeu a particulares o poder de cobrar tributos por meio das Companhias de Comércio. Essas Companhias eram empresas de capital misto que funcionavam sob concessão do Rei para agir em determinada região. A permissão era comprada da Fazenda Real e autorizava o exercício do controle de entrada e saída de qualquer mercadoria, além do tráfico negreiro.64 Além disso, criou a Mesa de Inspeção para manutenção da qualidade do tabaco e do açúcar brasileiro, os quais tinham muita importância no mercado internacional e da qual o Visconde do Cairu foi o principal funcionário. O Marquês de Pombal também fixou o preço de algumas mercadorias coloniais, aboliu a taxa de capitação, proibiu a indústria de ourivesaria no Brasil e o cultivo de arroz vermelho no

61 AMED, Fernando José; NEGREIROS, Plínio José Labriola de Campos. História dos tributos no Brasil. São

Paulo: Edições Sinafresp, 2000, p. 126.

62 SIMONSEN, Roberto C. História econômica do Brasil: 1500-1820. Brasília: Senado Federal, 2005, p. 335. 63 Ibid., p. 103.

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Maranhão.65 Procurou-se, enfim, aumentar a receita tributária e aprimorar a administração de forma geral.

Vale assinalar, no entanto, que as referidas características da tributação em solo brasileiro por muito tempo perduraram e que o objetivo de aumentar a renda da metrópole adveio não só das necessidades portuguesas, mas também das imprescindíveis mudanças na colônia quando a Família Real aqui desembarcou, na manhã de 22 de janeiro de 1808. Note-se que havia carência em todas as áreas da vida social: desde infraestrutura até assistência social e saúde pública.

Sobre o saneamento,66 informe-se que a limpeza, até mesmo das melhores casas, era apenas aparente: muita sujeira, ratos e urubus compunham o cenário. A proibição de construir fossas sanitárias em virtude de serem rasos os lençóis freáticos, contribuía para a existência

dos chamados “tigres”: escravos que transportavam as fezes e urinas de seus senhores, em

barris, para lançá-las ao mar. De baixo custo, eram assim conhecidos devido às listras feitas em suas costas, conforme caminhavam e o esgoto sobre suas cabeças lhe escorria no corpo.

O contexto geral compreendia um vasto território de baixa densidade populacional em que as aglomerações de pessoas se faziam recolhidas e de pouca produtividade. Assim, D. João VI não demorou a tomar providências:

D. João passou um mês na Bahia. Foram dias de incontáveis festas, celebrações, passeios e decisões importantes, que haveriam de mudar os destinos do Brasil.

[...]

No dia 28 de janeiro, apenas uma semana depois de aportar em Salvador e mais uma cerimônia do Te Deum, D. João foi ao Senado da Câmara assinar seu mais

famoso ato em território brasileiro: a carta régia de abertura dos portos ao comércio

das nações amigas. A partir dessa data, estava autorizada a importação “de todos e

quaisquer gêneros, fazendas e mercadorias transportadas em navios estrangeiros das potências que se conservam em paz e harmonia com a Real Coroa.”67

José da Silva Lisboa – o Visconde do Cairu – é frequentemente mencionado como o mentor deste fundamental episódio da História nacional: a abertura de portos.

O Príncipe Regente D. João, mais tarde D. João VI, fora convencido a tomar tal medida por José da Silva Lisboa, mais tarde Visconde do Cairu, advogado, estudioso de economia, membro de Mesa de Inspecção do Açúcar e Tabaco de Salvador, que encaminhara tal sugestão num parecer dirigido ao Conde da Ponte.68

65 Cf. CORRÊA, Rossini. Formação social do Maranhão: o presente de uma arqueologia. São Luís: SIOGE,

1993.

66 Sobre a situação sanitária do Brasil, sobretudo na colônia, consultar MOURÃO, ROSA & PIMENTA.

Notícias dos três primeiros livros em vernáculo sobre a medicina no Brasil. Recife: Arquivo Público Estadual, 1956.

67 GOMES, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta

enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007, p. 116-117.

68 GODOY, José Eduardo Pimentel de. O comércio internacional do Brasil antes de 1808. In: Tributação em

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Note-se que o Conde da Ponte, a que se faz referência na transcrição acima, era o governador e Capitão-Geral da Bahia e a ele se dirigiu o Príncipe Regente ao redigir a Carta Régia de 28 de Janeiro. Logo, é possível que Cairu, enquanto membro da Mesa de Inspeção de Açúcar e Tabaco na Bahia, tenha transmitido sua ideia ao Conde da Ponte, que por sua vez a tenha feito chegar a D. João VI. No mesmo sentido, diz Oliveira Lima:

Tornou-se livre a indústria, como livre se tornou o comércio graças às circunstâncias do momento de que se valeram os esforços de José da Silva Lisboa. Foi o futuro visconde de Cairu quem de fato na passagem do príncipe regente pela Bahia — onde arribou a 22 de janeiro e donde singrou a 26 de fevereiro — obteve por intermédio de D. Fernando José de Portugal a decretação de uma tão revolucionária medida.69

E Rossini Corrêa:

Chegando à Bahia, o primeiro ato de D. João VI foi, por influência de José da Silva Lisboa, economista liberal, a abertura dos portos às nações amigas, atendendo a uma reivindicação capital formulada pela Conspiração dos Alfaiates, com exatamente uma década de antecedência, sem que houvesse a ruptura do pacto colonial [...].70

Muito embora existam também autores que opinem pela duvidosa71 participação do Visconde ou, ainda que assumam sua existência, procurem minimizá-la ao afirmarem que de fato houve, mas, ainda que assim não fosse, tal abertura fatalmente aconteceria porque se trataria de uma necessidade que com certeza viria à tona:

A abertura dos portos foi, sem dúvida alguma, benéfica ao Brasil e coincidia com as opiniões liberais de Silva Lisboa. Mas, na prática, era uma medida inevitável. Com Portugal e o porto de Lisboa ocupados pelos franceses, o comércio do reino estava virtualmente paralisado. Abrir os portos do Brasil era, portanto, uma decisão óbvia. Além disso, a liberação do comércio internacional na colônia era uma dívida que D. João tinha com a Inglaterra. Foi o preço que pagou pela proteção contra Napoleão devidamente negociado em Londres em outubro de 1807 pelo embaixador português D. Domingos de Sousa Coutinho. O acordo previa não só a abertura de portos, mas também a autorização para a instalação de uma base britânica na Ilha da Madeira.72

Todavia, convém assinalar, em retrospecto, que os portos brasileiros não eram de todo parados antes da abertura às nações amigas em 1808. A primeira vez que foram abertos ao comércio exterior aconteceu em 1534, com a criação das capitanias hereditárias. A proibição restringia-se à comercialização com os índios. A tributação sobre a atividade comercial através dos portos era regulada por forais de cada capitania, mas muito similares uns aos outros, que previam, em suma, o seguinte: do Brasil para Portugal, pagava-se a sisa; do Brasil para fora do reino nada se pagava, com exceção de escravos, pau-brasil e especiarias - cujo

69 LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2006.

70 CORRÊA, Rossini. Liberalismo no Brasil: José Américo em perspectiva. Brasília: Senado Federal, 1994, p.

204.

71 Cf. PAIM, Antonio. Cairu e o liberalismo econômico.Série “Os Brasileiros”. Rio de Janeiro: Tempo

Brasileiro, 1968.

72 GOMES, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta

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comércio era proibido por ser monopólio da Coroa; de Portugal para o Brasil, nada pagariam aqui se já o tivessem feito na metrópole; os navios portugueses que viessem ao Brasil se carregarem de mercadorias, só pagariam a dízima se as levassem para comerciarem fora do reino; e navios estrangeiros pagariam a dízima em Portugal, no Brasil por aqui entrarem e, se daqui levassem mercadorias, nova dízima seria recolhida para saírem.73

Mais tarde, com o sumiço do Rei D. Sebastião numa expedição no norte da África e com a formação da União Ibérica, os portos brasileiros foram fechados porque a Espanha –

que agora dominava Portugal – enfrentava guerras com os Países Baixos, França e Inglaterra:

Para evitar qualquer influência dessas nações inimigas no Brasil, Felipe II decretou em 9 de fevereiro de 1591 a proibição por lei da visita de navios estrangeiros aos nossos portos, sem licença prévia. Já antes, pelo Regimento do Governador-Geral Francisco Giraldes, de 1588, essa visita fora proibida. Como essa [sic] governador nunca conseguiu chegar ao Brasil, tal dispositivo ficara como letra

morta. [...]

O Alvará de 18 de março de 1605, confirmado pela Lei de 16 de junho de 1606, tornou essa proibição total.74

Em 1662, mesmo após a separação de Portugal da Espanha, um Decreto de 20 de maio revigorou as ditas proibições, que novamente foram reforçadas em diplomas legais diversos na época da mineração em solo brasileiro. Godoy afirma que uma das mais restritivas disposições era encontrada na Provisão Régia de 15 de dezembro de 1661: navios vindos da

Índia não tinham autorização para aqui descarregarem seus produtos: “O fechamento dos

portos brasileiros atingiu o auge com essa medida que vedava até mesmo a navios

portugueses o comércio direto com o Brasil.”75 Isso apesar de, desde 1654, Portugal ter

assinado um tratado que permitia o comércio do Brasil com a Inglaterra:

Mas esse tratado foi ainda mais desastroso para Portugal do ponto de vista político, pois entregou também aos ingleses a ilha de Santa Helena e diversas possessões na Índia. Tudo isso para sacramentar o casamento do Rei Carlos II com a Infanta Catarina de Portugal. Além disso, o Brasil teve que pagar durante décadas

um imposto extraordinário, pesadíssimo denominado “Dote da Rainha da Grã

-Bretanha”.76

Em 1703, foi celebrado o já mencionado Tratado de Methuen, que também incrementou a movimentação nos portos do Brasil. Ainda que com restrições, era intenso o comércio exterior da colônia mesmo antes do Alvará de 1808, incluindo-se o contrabando.

“Em 28 de janeiro de 1808 apenas se escancarou uma porta que já estava entreaberta...”77

Ainda nesse ano, o porto do Rio Grande do Sul recebia o triplo de navios que atracavam em Montevidéu. Os portos de Recife e do Rio de Janeiro também recebiam considerável volume

73 GODOY, José Eduardo Pimentel de. O comércio internacional do Brasil antes de 1808. In: Tributação em

revista. Ano 14, n. 53, jan-mar 08, p. 26-27.

74 Ibid., p. 28.

75 GODOY, José Eduardo Pimentel de., loc. cit. 76 Ibid., p. 29.

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de navios, até porque ali faziam escala os navegantes provenientes de ou em direção à América, à África ou à Europa, carregados de produtos e escravos:

Depois da ocupação de Lisboa pelos franceses, o Rio de Janeiro se tornou o mais importante centro naval e comercial do império. Mais de um terço de todas as exportações e importações da colônia passavam pelo seu porto, bem à frente de Salvador que, apesar da importância da produção de açúcar no Nordeste, nessa época respondia por apenas um quarto do comércio exterior brasileiro. Era também o maior mercado de escravos das Américas. Seu porto vivia congestionado por navios negreiros que atravessavam o Atlântico, vindos da África. Segundo cálculos do historiador Manolo Garcia Florentino, nada menos do que 850 000 escravos africanos tinham passado pelo porto do Rio no século XVIII, o que representava pouco mais da metade de todos os negros cativos trazidos para o Brasil nesse período.78

Além da abertura de portos, D. João também deu início: à criação da primeira escola de Medicina do Brasil e da primeira companhia de seguros, denominada Comércio Marítimo; à criação da cadeira de Ciência Econômica, nomeando para tanto José da Silva Lisboa;79 à construção de fábrica de vidro e de fábrica de pólvora; à cultura e moagem de trigo; à abertura de estradas e procurou reforçar a frota naval e a fortificação da Bahia.80

Todas essas medidas foram tomadas logo em Salvador. De lá para o Rio de Janeiro, as circunstâncias sociais e de estrutura também não eram muito diferentes. O Rio de Janeiro já era a capital da colônia desde 1763 e possuía cerca de sessenta mil habitantes, aproximadamente quatorze mil a mais que Salvador. A descentralização e a ausência de organização governamental afetavam profundamente a administração do imenso território português do lado americano. Faltavam estradas, escolas, tribunais, fábricas, bancos, moeda, comércio, imprensa, biblioteca, hospitais, comunicações eficientes e, principalmente, a unidade governamental. 81

A Família Real trouxe consigo entre dez e quinze mil portugueses. Isso significa que a comitiva Portuguesa era de dez a quinze vezes maior, por exemplo, que a burocracia americana composta de cerca de mil funcionários na época.82 Ademais, pouco tempo antes da chegada de D. João, acontecera uma explosão demográfica devido à mineração:

Só de Portugal, entre meio milhão e 800 000 pessoas mudaram-se para o Brasil de 1700 a 1800. Ao mesmo tempo, o tráfico de escravos se acelerou. Quase 2 milhões de negros cativos foram importados para trabalhar nas minas e lavouras do Brasil durante o século XVIII. Foi uma das maiores movimentações forçadas em

78 GOMES, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta

enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007, p. 156.

79 BRASIL. Decreto de 23 de fevereiro de 1808. Crêa na cidade do Rio de Janeiro uma cadeira de Sciencia

Economica. In: Colecção das Leis do Brazil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891, p. 2.

80 LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2006.

81 LIMA, José Ignacio de Abreu e. Sinopse ou dedução cronológica dos fatos mais notáveis da História do

Brasil. 2. ed. Recife: Fundação de cultura cidade do Recife, 1983.

82 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 3. ed. rev. Rio de

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toda a história da humanidade. Como resultado, a população da colônia, estimada em cerca de 300 000 habitantes na última década do século XVII, saltou para mais de 3 milhões por volta de 1800.83

A chegada de grande número de pessoas não colaborou para o melhoramento da colônia em termos sociais: a fartura era de pobreza, analfabetismo, precariedade na saúde e nas comunicações. A carência claramente atingia a todas as searas da vida civil. No comércio, por exemplo, sequer havia moeda corrente no Rio de Janeiro, o que dificultava a entrada de artigos de luxo. Com exceção do Maranhão, todo o resto do Brasil passava por acentuada decadência.84 A educação também era minguada não só devido à ausência de um sistema de ensino público, como também em virtude da censura, por meio da qual arriscavam-se à prisão e deportação aqueles que se atrevessem a anunciar temas contrários à Coroa:

A existência dessa pequena elite intelectual representava uma proeza numa colônia em que tudo se proibia e censurava. Livros e jornais eram impedidos de circular livremente. [...] Quem ousasse expressar opiniões em público contrárias ao pensamento vigente na corte portuguesa corria o risco de ser preso, processado e, eventualmente, deportado. Imprimi-las, então, nem pensar. Até mesmo reuniões para discutir idéias eram consideradas ilegais.85

Dada a urgência de organização, quarenta e oito horas depois de desembarcar no Rio de Janeiro, D. João montou o novo gabinete num tripé e o incumbiu de agir em duas vertentes: interna, para melhorar a colônia em suas comunicações, aumentar o povoamento e aproveitar suas riquezas; e externa, para ampliar as fronteiras do Brasil.86 A subdivisão do gabinete era composta de: Negócios Estrangeiros e da Guerra, Negócios do Reino e Negócios da Marinha e Ultramar. Equiparada à abertura de portos em Salvador foi a concessão de liberdade de indústria manufatureira e comércio no Brasil por meio da revogação de um Alvará de 1785:

Combinada com a abertura dos portos, representava na prática o fim do sistema colonial. O Brasil libertava-se de três séculos de monopólio português e se integrava ao sistema internacional de produção e comércio como uma nação autônoma. Livre das proibições, inúmeras indústrias começaram a despontar no território brasileiro. A primeira fábrica de ferro foi criada em 1811 [...].87

Mister ressaltar os avanços que tais providências significavam naquele momento, considerando as condições nas quais o Brasil se encontrava, que, aliás, não diferiam muito de sua própria metrópole em termos econômicos e industriais. O atraso do Brasil era, em grande

83 GOMES, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta

enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007, p. 123.

84 Cf. CORRÊA, Rossini. Formação social do Maranhão: o presente de uma arqueologia. São Luís: SIOGE,

1993; FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006;

VIVEIROS, Jerônimo de. História do comércio do Maranhão: 1612 -1895. São Luís: Associação Comercial do Maranhão, 1992, 4 v. (Reedição Fac-similar).

85 FURTADO, Celso. op. cit., p.134.

86 VICENTE, António Pedro. Política exterior de D. João VI no Brasil. In: Estudos avançados. vol. 7. n. 19.

Set/Dez, 1993, p. 193-214, São Paulo: USP.

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parte, provocado por Portugal que sempre freava as evoluções aqui em curso. Assim o foi, por exemplo, em relação à exploração de ferro, que seria o próximo passo na história do Brasil, na visão de Franklin de Oliveira:

Não poderia ter sido outra senão esta: à mineração do ouro e dos diamantes seguir-se-ia a metalurgia do ferro que, aliás, foi ensaiada pelo Intendente Câmara. E assim o Brasil se integraria no mundo moderno, participando do ciclo da Revolução

Industrial. Teria deixado, há dois séculos, de ser “país essencialmente agrícola”.88 O repentino crescimento populacional com o advento da Corte representava volumoso custo que ia desde a alimentação aos salários dos nobres, padres e artistas que vieram na sombra da Rainha. A demanda por comida para a Família Real atingia novecentos contos de réis anuais, isto é, o equivalente, em 2007, a aproximados cinquenta milhões de reais e gerava até mesmo a escassez de galinhas no mercado. A organização da Corte era composta de seis repartições administrativas: a Mantearia Real, que cuidava da mesa do Rei; o Guarda-Roupas, que zelava pela vestimenta Família Real; a Cavalariça, responsável pelos animais e carruagens; Ucharia e Cozinhas, que tratava da comida e bebida; a Real Coutada, para administrar florestas e bosques reais e Mordomia-Mor, para tudo isso administrar com dinheiro público. 89

Porém, o montante necessário para cobrir tais despesas não existia nos cofres, razão pela qual foram postas duas aparentes soluções, além da criação de tributos: emprestar da Inglaterra e criar o Banco do Brasil para vender ações e emitir moeda. Pela compra de ações obtinham-se títulos de nobreza. A emissão de moeda não correspondia às reservas bancárias, resultando em dinheiro podre em circulação:

Onde achar dinheiro para tanta gente? A primeira solução foi obter um empréstimo da Inglaterra, no valor de 600 000 libras esterlinas. Esse dinheiro, usado em 1809 para cobrir as despesas da viagem e os primeiros gastos da corte, seria um pedaço da dívida de 2 milhões de libras esterlinas que o Brasil herdaria de Portugal depois da Independência.90

Dessa forma, observa-se que tais fatos, somados às providências organizacionais em andamento, mais gastos trouxe, o que levou à necessidade de aumento na tributação com o intuito de satisfazer às necessidades da Coroa. Isso porque essa era a forma comum pela qual se resolvia o problema de falta de dinheiro público, além dos empréstimos.

88 OLIVEIRA, Franklin de. Morte da memória nacional. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967, p. 54. 89 Cf. LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2006.

90 GOMES, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta

Referências

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