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A evolução vivida pela humanidade tem suas raízes em importantes fenômenos e movimentos sociais com impacto direto nas concepções familiares, sobretudo em sua estrutura e funcionamento. Aun (2012) ressalta que toda sociedade tem uma idealização social da definição de família que resulta em um modelo ideal. Porém esse modelo hegemônico não representa, necessariamente,

todas as diversas formas concretas de organização familiar, especialmente nas realidades evidenciadas no século XXI.

Anton (2012, p. 71) relata que a família pode ser compreendida como “um grupo com história”, dada a dimensão duradoura de suas relações, funcionais ou disfuncionais e, bem ou mal, essas relações são importantes para os membros envolvidos. Para Minuchin (1990, p. 57), “a estrutura familiar é o conjunto invisível de exigências funcionais que organiza as maneiras pelas quais os membros da família interagem”. Com essa compreensão inicial, Minuchin e Fishman (1995, p. 41), ao relatarem suas experiências de atendimento familiar, na abordagem sistêmica, perceberam a existência de padrões de funcionamento das famílias. Constataram que “a estrutura da família não dita a maneira pela qual as pessoas funcionam, mas estabelecem alguns limites, e organiza a maneira pela qual elas preferem funcionar”. Assim, a dimensão de funcionamento familiar passa por um acordo entre seus membros. Minuchin (1990) disserta, ainda, sobre a importância das tarefas na criação dessa estrutura familiar, ditando a dinâmica da família que se apresenta sob dois diferentes objetivos, o primeiro de proteção psicossocial dos membros que a constitui, e um segundo voltado ao ambiente externo, reagindo e transmitindo aspectos culturais. Sua estrutura é constituída para que a família desempenhe suas tarefas essenciais e para que dê apoio a seus membros (MINUCHIN; FISHMAN, 1995).

A família é uma célula modificável, que transforma e é transformada pela sociedade como um todo. Ela permite mudanças sociais pelas regras conceituais e comunicativas. A “organicidade familiar” (BENINCÁ; GOMES, 1998, p. 178) se redimensiona em decorrência das pressões sociais que surgem por tais mudanças. Trata-se de uma movimentação constante de oposição entre os valores e as regras da herança familiar e os valores e as regras da atualidade.

O processo transformatório da família não é repentino e linear, ele acompanha aspectos ambientais. Bertolini (2002) ressalta que a família brasileira sofreu mudanças ao longo da história. Inicialmente, coerente com o tipo de colonização desenvolvido pela Coroa portuguesa: para a Terra de Vera Cruz, vieram o branco europeu – para explorar as riquezas da nova colônia – e o negro africano – para o

trabalho escravo. Juntamente com o índio nativo, teve início a miscigenação, que influiu decisivamente na formação da sociedade brasileira. A mudança da Corte portuguesa para o Brasil trouxe também diversas famílias tradicionais que deram novo formato à sociedade colonial. Os movimentos abolicionistas da metade do século XIX acabaram por modificar o tipo de imigração, levando um grande número de europeus a ingressar no Brasil para exercer ofícios antes realizados pelos escravos. Em decorrência disso, aumentou-se ainda mais a miscigenação, graças ao incremento no número de casamentos entre pessoas de diferentes origens.

Tal miscigenação, as diferenças socioeconômicas, a magnitude do território nacional e a diversidade de modelos familiares tornam difícil uma generalização da família brasileira. Além disso, a vida moderna apresenta novas configurações para a família nuclear (pais e filhos). São famílias formadas por pais separados, pais recasados, mães ou pais solteiros, entre outros casos. Entretanto, “a família nunca deixou de constituir-se numa rede de sustentação afetiva básica sobre o qual se fundamenta a segurança psicológica para formação e crescimento de cada geração nova de filhos” (BERTOLINI, 2002, p. 24).

Nesse sentido, respondendo aos aspectos resultantes da modernização da família, é cada vez mais comum perceber mudanças nas definições dos papéis familiares e parentais, em que pais e mães compartilham aspectos referentes às tarefas educativas e operacionais do cotidiano da família, aspectos que, há pouco tempo, eram impensáveis, uma vez que a dinâmica era a de divisão e distinção total das tarefas do lar, cada um com sua responsabilidade específica. Entretanto, a modernização da família não tem um desdobramento tão simples, ela modifica seus ideais e identificações, dentre outros aspectos que nos fazem pensar que esse processo não é linear e que seus resultantes são, portanto, complexos (FIGUEIRA, 1987).

Alguns estudos sobre a família brasileira enfatizam quatro fatores para as mudanças ocorridas ao longo do tempo, como as exigências econômicas decorrentes da intensificação industrial e urbana, a inserção profissional da mulher na produção de bens de consumo, a distribuição social do conhecimento pela transformação súbita nos meios de comunicação de massa, a quebra do poder integrador das relações de parentesco com o enfraquecimento da família nuclear. Há

a nova configuração de poder entre esposa, marido e pais, não mais centrada, exclusivamente, na figura masculina. Tais mudanças nas relações econômicas modificaram as relações familiares (AUN, 2012; BENINCÁ; GOMES, 1998).

Feréz-Carneiro (2004) direciona atenção aos estudos psicossociais que vêm sendo realizados nas últimas décadas com o objetivo de apreender os aspectos resultantes da transição do modelo tradicional de família para o novo modelo familiar. Evidencia-se a convivência conflituosa entre dois modelos: um tradicional, focado na divisão clara entre feminino e masculino, naturalmente diferentes. Nesse modelo, o casamento é considerado indissolúvel e monogâmico, e ligado à reprodução. Na organização familiar, fica evidente a função dos pais com autoridade sobre os filhos. O outro modelo é igualitário, marcado pelo fenômeno do individualismo, forte resultante do ritmo dos grandes centros urbanos brasileiros, onde o processo de modernização avançou consideravelmente e apresenta-se com as seguintes características:

No modelo novo de família, as fronteiras de identidades entre os dois sexos são fluídas e permeáveis, com possibilidades plurais de representações: mulher oficial das forças armadas, homem dono-de-casa, mãe e pai solteiros [...]. A instituição casamento já traz, em si, o embrião da dissolução. A sexualidade dos parceiros é desvinculada da reprodução ou de uma resposta feminina ao desejo masculino [...], deveres e privilégios são compartilhados (NEGREIROS; FERES-CARNEIRO, 2004, p. 39).

Um dos fatores que torna ainda mais complexa essa transição é o fato de que as mudanças nas estruturas familiares não se apresentam com a mesma intensidade e proporção em todas as famílias, o que resulta em famílias com configurações estruturais diferentes umas das outras. Umas mais tradicionalistas definem seus papéis com base em concepções nas quais há hierarquias e tarefas bem definidas de acordo com “idade, gênero e função na família”; por outro lado, há famílias que aderem ao compartilhamento de tarefas domésticas e educativas entre pais e mães e, ainda, as estruturas nas quais a mulher passa a ser a principal mantenedora (FLECK; WAGNER, 2003). Verifica-se, portanto, uma reestruturação social em relação aos modelos familiares, o que amplia as possibilidades de estudos com o foco nessas novas dinâmicas e estruturas. Especificamente, o presente estudo focará na relação dos casais.