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6. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

6.3 O C ASO DA U NICAMP

6.3.3 Estudo ilustrativo de transferência de tecnologia na Unicamp

Para ilustrar o processo de transferência de tecnologia da Unicamp, no caso licenciamento de patente, foi escolhida uma tecnologia desenvolvida no Instituto de Química (IQ) em conjunto com a Empresa C. A referida empresa se caracteriza por ser multinacional com atuação em diversos segmentos de mercado, entre os quais o de fertilizantes e alimentos. Com cerca de 25 mil funcionários diretos em todo mundo, sendo 4 mil funcionários no Brasil, o faturamento da Empresa C gira em torno de R$ 2 bilhões por ano no Brasil. Focando na parceria ora mencionada, o pessoal alocado em P&D na área correspondente à tecnologia em questão é de 20 pessoas. Brevemente, foi observado que a empresa não se caracteriza como de alta tecnologia, tendo forte atuação em mercados de commodities.

Adicionalmente, é interessante mencionar que a tecnologia, que diz respeito ao segmento de fertilizantes da empresa no Brasil, não está ligada aos principais produtos já fabricados pela empresa, mas se refere ao aproveitamento de uma matéria-prima a fim do processo produtivo já realizado na área de fertilizantes e que despertou a atuação da empresa para um nicho de mercado promissor, de acordo com análises econômicas da companhia.

O desenvolvimento conjunto da tecnologia posteriormente licenciada à

Empresa C teve seu início de desenvolvimento em 1995 com uma outra empresa que foi

adquirida pela Empresa C algum tempo depois. Vale ressaltar que essa parceria foi formalizada por meio de instrumento de convênio entre a Unicamp e a respectiva empresa ainda em 1995, fornecendo as diretrizes da parceria e assegurando os aspectos da propriedade intelectual resultante do desenvolvimento do projeto.

Este fato possibilitou, com maior objetividade e segurança, a continuidade da parceria com a Empresa C, incluindo a venda e o licenciamento de patentes anteriores a sua participação na pesquisa que eram de propriedade exclusiva da Unicamp. De fato, foram licenciadas todas as patentes pertinentes ao produto e processo produtivo da tecnologia, sendo a patente principal de 2004, já em co-propriedade, depositada no Brasil e estendida a outros países com destaque para os EUA e diversos países da América Latina.

De forma breve, a tecnologia está situada em uma interface da química inorgânica e físico-química, mais especificamente na área de química de colóides e superfícies. Trata-se de um processo de obtenção de pigmento branco formado a partir de partículas nanoestruturadas de fosfato de alumínio em substituição ao dióxido de titânio, atualmente o único pigmento branco utilizado pela indústria, tendo como vantagens três eixos

principais: 1) não é agressivo ao meio ambiente; 2) produzido a custo inferior ao pigmento branco já existente; e 3) possui um desempenho superior ao já existente. A expectativa é de um mercado mundial na ordem de US$ 5 bilhões em maior peso na área de tintas, sendo que estima-se que, em 5 anos de sua comercialização, ele possa substituir 10% do dióxido de titânio atualmente consumido.

Segundo o inventor, a tecnologia desenvolvida diz respeito a uma linha de pesquisa iniciada em 1976 com orientação puramente pessoal do mesmo, de modo que a observação de resultados foi conduzindo a pesquisa visando à obtenção de um pigmento branco por meio do fosfato de alumínio. O inventor destacou que a obtenção da tecnologia foi uma típica situação em que se está procurando algo e tem-se como resultado uma novidade pela qual não se esperava, mas que é promissora do ponto de vista técnico-econômico.

A aproximação da empresa em relação à Unicamp se deu com o objetivo de realização de pesquisa conjunta por meio do convênio estabelecido em 1995. O conhecimento por parte dela em relação à tecnologia da Unicamp foi por meio de um prêmio conseguido pelo trabalho publicado pelo inventor e sua aluna junto a Associação Brasileira dos Fabricantes de Tinta (ABRAFATI). A empresa então procurou a universidade interessada em investir na referida pesquisa, podendo ser percebido com isto um mecanismo de comunicação útil para o encontro da oferta tecnológica universitária e a demanda pela empresa.

Prosseguindo, foi firmada a parceria em 1995, que entre o período de 1999- 2004 sofreu uma desaceleração. Em 2004, com ênfase para o interesse e os investimentos da

Empresa C, a pesquisa avançou no sentido do desenvolvimento do produto e escalonamento

da tecnologia visando à produção em grande volume e distribuição a potenciais consumidores de forma preliminar. O tempo de desenvolvimento da tecnologia até o estado em que se encontrava quando da entrevista era de aproximadamente 10 anos, observando um período intermediário menos intenso em atividades de 5 anos. O estágio de maturidade da tecnologia quando licenciada foi considerado avançado para escala laboratorial.

A empresa, embora desenvolva cooperação com universidades de forma sistemática, nunca havia procedido nenhuma licença de patente de instituições acadêmicas. O principal objetivo da empresa no licenciamento foi obter a exclusividade de exploração do mercado, tendo sido crucial a análise de negócio por profissionais da empresa para alavancar a parceria na forma de investimentos da empresa tanto tecnicamente quanto na gestão do projeto.

Da perspectiva legal, o contrato assinado pelas partes é tripartite envolvendo universidade, empresa e a Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (FUNCAMP), sendo

que esta última é responsável pela gestão financeira dos recursos recebidos da empresa. O contrato de licenciamento da patente foi firmado em 2005 com a Empresa C. Nesse caso, a Unicamp vendeu parte da titularidade de antigas patentes à empresa por R$ 100.000,00 e o pagamento de royalties terá o percentual de 1,5% do faturamento bruto com o produto em específico. Esse percentual foi definido com base em índice praxe de mercado para a área, não tendo sido amplamente discutido entre as partes frente ao negócio estabelecido.

Quanto à implementação da tecnologia licenciada, o inventor acredita que a empresa possui toda capacidade técnica de produção e de pesquisa para levar ao mercado o produto e também distribuí-lo. Nesse sentido, quanto à cooperação existente, novos conhecimentos e técnicas têm sido incorporados pela empresa em meio à cooperação corrente, aumentando sua capacidade tecnológica relacionada ao produto. A visão da empresa expressou semelhança nesse aspecto.

O delineamento da cooperação na perspectiva técnica das contribuições das partes para P&D foi realizado de forma conjunta pela Unicamp e Empresa C, ressaltando-se a menção do gestor na empresa que viu esse processo como um “amadurecimento” das perspectivas de desenvolvimento do produto. Na prática, considerando a fase de planta piloto do produto, conta-se com uma equipe de pessoas da empresa envolvendo as áreas de produção, pesquisa e mercado. A comunicação é constante por meio de reuniões mensais e trocas de informações on line e por telefone. A cada 3 meses ocorrem reuniões para tratar de novos desenvolvimentos e propriedade intelectual. Esse processo foi avaliado como muito positivo.

Quanto ao relacionamento com a empresa de forma institucional e, ainda inter- pessoal, o inventor enfatizou o papel de pessoas específicas dentro das instituições, as quais efetivamente tornam realidade os projetos. Com isso também destacou a importância de haver uma empatia entre o inventor da universidade e o interessado pelo lado da empresa, verificada principalmente pela qualidade da tecnologia e profissionalismo do pesquisador. De modo geral, o nível de compromisso e a idoneidade da empresa nos tratos com a universidade foram considerados positivamente altos.

O ETT destacou o papel do inventor para o sucesso do projeto de transferência de tecnologia, sem a dedicação do qual poderia não vingar o processo. No caso da Empresa C, a cooperação do inventor foi tida como bastante satisfatória.

O papel da patente foi visto como essencial para assegurar a empresa no tocante à estabilidade de obtenção de retorno sobre o investimento realizado, principalmente no que se refere à expectativa de monopólio de exploração do mercado. O inventor acredita

que a universidade precisa avançar na disseminação da cultura de patenteamento capaz de propiciar um maior número de pesquisadores que saibam ler, redigir e discutir sobre patentes, podendo, desta maneira, as mesmas serem redigidas pelos próprios inventores.

O papel do ETT na visão de um de seus profissionais é essencial do ponto de vista dos resultados obtidos com as negociações de contratos com empresas. A atuação dessa estrutura propicia um volume muito maior de comercialização de tecnologia da universidade e com maior qualidade. Com isto, não é onerado o tempo do inventor e, por outro lado, a qualidade das negociações é superior gerando royalties maiores. A figura 6.6 ilustra o processo de transferência de tecnologia da Unicamp para a empresa. A caixa pontilhada indica uma expectativa de ocorrência futura no processo.

Figura 6.6 – Etapas do processo de transferência de tecnologia da Unicamp.

6.3.4 Dificuldades, fatores de apoio e discussões

O relato de cada um dos três entrevistados envolvidos no processo de transferência de tecnologia, a saber, inventor, gestor do ETT e gestor do processo na empresa, revelaram uma cooperação não restrita ao momento do licenciamento de uma patente ou conjunto de patentes específicas. Isso deve ser levado em conta em primeira instância na descrição e análise do caso da Unicamp, pois o prévio relacionamento formal entre a Empresa

C e a universidade, incluindo o licenciamento de patente com co-titularidade com a empresa

tem implicações para os aspectos de destaque observados, expressamente por se tratar de um relacionamento mais amadurecido entre as organizações, bem como pela existência de contratos anteriores de parceira já assinados entre ambas as instituições.

Uma primeira conseqüência desse histórico diz respeito à inexistência de uma oferta ou demanda de licenciamento pró-ativamente por uma das partes. Em verdade, ambas já estavam realizando P&D conjunto há alguns anos, tendo sido percepção mútua a

Empresa verifica publicação. Procura a universidade. Convênio de P&D conjunto entre Unicamp e Empresa. Pesquisa Unicamp. Geração de tecnologia Publicação. Processo de negociação ente Unicamp e Empresa. Geração de tecnologia e patentes em co- titularidade Unicamp e Empresa. Geração de royalties para universidade Contrato de Exploração de Patentes e P&D conjunto Unicamp e Empresa.

conveniência do patenteamento das tecnologias desenvolvidas e posterior efetivação do contrato de licenciamento.

Na visão do inventor, o papel do ETT foi basicamente o encaminhamento jurídico-administrativo dos processos tendo como forte contribuição a elaboração do contrato e sua gestão. O mesmo relatou que, devido a sua experiência em redigir patentes, o serviço prestado pelo ETT no tocante à redação do documento foi menos importante do que o seria para um pesquisador com menor experiência nesta tarefa. Ele também chamou atenção à importância de um ETT deter inteligência em propriedade intelectual sobre as decisões da proteção, territórios e escopos, o que no caso necessita avançar ainda. De forma mais geral, o inventor avalia que ainda faltam estímulos para que os pesquisadores redijam patentes, tal como ocorre no campo da publicação científica.

Para o ETT, a maior dificuldade observada foi renegociar o contrato com a

Empresa C. Por tratar-se de negociação internacional, de definição de cláusulas em língua

inglesa e considerando legislação estrangeira, foi um aspecto complicado. Nesse sentido, a gestora do ETT pensa que a universidade necessita se internacionalizar e adquirir experiência nesse tipo de negócio. Isso pode incluir capacitação de pessoas, diminuição da rotatividade dos recursos humanos e remuneração em nível de mercado para profissionais experientes.

Uma dificuldade observada no processo foi a falta de pessoal técnico qualificado adequadamente do lado da empresa, mas que foi suprido sob orientação e apoio do inventor. Outra dificuldade foi a dinâmica de processos dentro da universidade, especialmente o tempo demasiado para trâmite de contratos que envolvem contratação de pessoal e outros aspectos que exigiam na ocasião uma agilidade, não observada de fato. Complementarmente, a empresa relatou que essa morosidade na universidade para adequação de recursos na parceria tem levado a soluções mais ágeis no sentido de não alocar os recursos na universidade, mas por meio da própria empresa a fim de garantir cumprimento de prazos.

A morosidade de processos decisórios não foi exclusividade da universidade, pois a empresa passou por um período determinado de transição ao longo da pesquisa que gerou uma desaceleração. Tanto o relato do inventor como da empresa relataram a questão da alta burocracia e pouca flexibilidade em contratos como obstáculos ao melhor desenvolvimento da parceria. Entretanto, no aspecto técnico a empresa relatou estar altamente satisfeita com o profissionalismo da cooperação com a universidade com ênfase para a adequada velocidade e qualidade dos trabalhos.

A empresa indicou como ponto de conflito a questão da publicidade dos negócios realizados com a universidade, com foco na divulgação de informações sobre os

dados do negócio efetivado em revistas de larga circulação. Como declarou o gestor na empresa, trata-se de idealmente resguardar ao máximo informações que, de alguma forma, revelem a estratégia da empresa.

Aspecto positivo para a gestão da propriedade intelectual foi a observação de que a empresa contratou escritórios de alta competência para gerenciar os pedidos relacionados ao produto, além de custear toda a proteção no território nacional e no exterior. Além disso, para a gestão profissionalizada do projeto, foi contratada uma empresa de consultoria da área química.

Como fatores de apoio levantados foi dado destaque à qualidade e o grande impacto da tecnologia no mercado em termos de abrangência e volume. Uma grande oportunidade de negócio favorece os esforços de ambas as partes. Também foi mencionado o fato de o pesquisador já possuir um histórico de relacionamento saudável e motivador com a empresa, o que acelera o processo de ganho de credibilidade da parceria. Ainda, a experiência do ETT em negociação de licença de patentes foi essencial para sustentar a atuação neste caso de maior vulto que se mostrou relativamente complexo.

Para a empresa, a reputação do inventor foi um fator de apoio ao investimento da empresa na tecnologia, além da perseverança da universidade no sentido de aguardar as decisões internas da empresa sobre o prosseguimento ou não das pesquisas associadas à tecnologia, especialmente o engajamento do inventor em apresentar as propostas de desenvolvimento de processos e produtos quando solicitado e de forma direta com a empresa. Além disso, o aspecto da formalização e definição em contrato da parceria em seus aspectos financeiros e operacionais foi muito importante para empresa quanto à segurança para investimento, sendo que o processo avançou efetivamente após esses trâmites. Decorreu então uma integração das equipes da universidade e empresa favorecendo a solução de problemas.

Na visão geral da universidade sobre o que pode avançar na transferência de tecnologia observou-se destaque para a expectativa de difusão da cultura de propriedade intelectual como geradora de um incremento do número de patentes e aperfeiçoamento no processo de comercialização. A Lei de Inovação, segundo gestores, realiza avanços, mas do ponto de vista da comercialização gerou alguns impedimentos como o da venda de patentes. Neste caso ilustrativo a Empresa C não poderia ter adquirido as primeiras patentes da Unicamp, pois isto foi feito em período anterior a Lei.

Ademais, a necessidade de publicar Edital de oferta de tecnologia e a apresentação de propostas por empresas afeta o sigilo, muitas vezes, estratégico para empresas, além da revelação de dados sobre a própria tecnologia. Esses pontos impactam

negativamente a eficiência da transferência de tecnologia, conforme visão de gestores na universidade. O quadro 6.3 apresenta de forma sistematizada as principais dificuldades e fatores de apoio e estímulo observados no caso da Unicamp.

Agentes do processo de transferência de

tecnologia

Dificuldades Fatores de Apoio e Estímulo

Inventor (docente Unicamp)

- Morosidade da área administrativa e jurídica da universidade em efetivar o contrato;

- Pouca flexibilidade para realocação de recursos da parceria ou contratação de pessoal devido à forma de gestão dos contratos na universidade;

- Pessoal da empresa qualificado em áreas específicas;

- Contratação de empresas especializadas na gestão das patentes e dos projetos de P&D pela Empresa C;

- Apoio do ETT para negociação do contrato e encaminhamento interno à universidade.

ETT (INOVA - Unicamp)

- Negociação de contrato internacional: inglês jurídico, pessoal qualificado, conciliar legislações nacionais; - Alguma dificuldade no acesso ao inventor devido a compromissos do mesmo.

- Experiência do ETT em licenciamentos anteriores;

- Pré-relacionamento entre as partes favorecendo a mútua confiança;

Empresa C

- Burocracia jurídico-administrativa da universidade resultando em prazo estendido para assinatura de contrato e realocação de recursos da parceria; - Publicação de informações pela universidade/ETT sobre a parceria.

- Alto nível de qualidade da tecnologia e expectativa de retorno financeiro; - Alto reconhecimento do inventor na academia e pela indústria na área técnico- científica da tecnologia;

- Perseverança da universidade na parceria em aguardar momentos de transição da empresa;

- Formalização da parceria por meio de contratos favorecendo a segurança jurídica. Quadro 6.3 – Dificuldades e fatores de apoio observados pelos agentes do processo de transferência de tecnologia da Unicamp.