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2. TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA UNIVERSIDADE-EMPRESA

2.3 MECANISMOS DE TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA UNIVERSIDADE-EMPRESA

A viabilização de meios mais diretos e efetivos para a transferência do que se produz na academia até o mercado tem sido uma busca constante das universidades, especialmente daquelas financiadas com recursos públicos. Isso porque, os produtos inovativos da universidade são orientados pelos critérios de sucesso acadêmico baseados na significância/relevância, criatividade e ineditismo. Tais critérios compõem um sistema que tende a produzir mais descobertas que são menos prováveis de ser imediatamente comercializadas (GRAFF; HEIMAN; ZILBERMAN, 2002) fazendo-se necessário a utilização de mecanismos específicos para o sucesso da transferência de tecnologia.

A escolha pelo mecanismo de transferência de tecnologia varia de acordo com a área tecnológica específica, as especificidades da tecnologia envolvidas no processo de transferência e o grau de tangibilidade dos métodos e processos. Para Cusumano e Elinkov, (1994) há uma relação entre a profundidade de conhecimento tecnológico e os modos de transferência, principalmente quanto aos mecanismos de transferência adotados.

Com efeito, em muito do que se faz dentro das universidades ocorre por um processo de transbordamento do conhecimento gerado (spill-over), a transferência de tecnologia (AZEVEDO, 2005). Os mecanismos mais tradicionais de transferência de

tecnologia têm relação com as primeiras funções da universidade, isto é, a formação de recursos humanos qualificados que vão ao mercado, e as publicações científicas disponíveis.

Nas últimas décadas, têm se desenvolvido novos meios de tornar a contribuição da universidade mais direta e imediata, quais sejam: licenciamento de tecnologia, atividades de extensão envolvendo toda gama de cursos, atividades de consultoria e pesquisa contratada, e prestação de serviços. Esses canais de transferência surgiram no contexto da incorporação de novas funções pela universidade que passou, na prática não em todos os casos, a desempenhar papel ativo no desenvolvimento econômico e social após a Segunda Revolução Acadêmica2 (ETZKOWITZ, 2004).

Nos EUA e na Europa têm crescido rapidamente nos últimos anos a comercialização de resultados de pesquisas de instituições públicas de pesquisa. Os canais- chave para a transferência de tecnologia têm sido as patentes, o licenciamento, pesquisas conjuntas e a formação de empresas spin-offs (LOCKETT et al., 2005). No Japão, a adoção de estruturas que apóiem a transferência de tecnologia têm crescido vertiginosamente nos últimos cinco anos destacando-se como mecanismos de transferência, a pesquisa contratada e a licença de patentes para o setor industrial (CAO et al., 2005, p.76).

Rogers, Takegami e Yin (2001) elencaram, com foco nos canais de comunicação, os principais mecanismos de transferência de tecnologia. São eles:

• Spin-offs – a transferência de uma inovação tecnológica para um novo empreendimento constituído por um indivíduo oriundo de uma organização-mãe e com uma tecnologia específica transferida desta organização-mãe;

• Licenciamento – garantias de permissão ou uso de direitos de certo produto, desenho industrial ou processo;

• Publicações – artigos publicados em periódicos acadêmicos;

• Encontros – interação face-a-face onde uma informação técnica é trocada; e

• Projetos de P&D cooperativos – acordos para compartilhamento de pessoas, equipamentos, direitos de propriedade intelectual, geralmente, entre institutos públicos de pesquisa e empresas privadas em uma pesquisa.

Os autores ressaltam que as empresas spin-offs geralmente ficam situadas em lugares próximos a centros de pesquisa quando a região é atrativa em termos de qualidade de

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A Segunda Revolução Acadêmica se refere à incorporação de funções empreendedores pelas universidades, seguindo a corrente teórica evolucionista acerca das relações da universidade com a sociedade. O autor mais expoente dessa corrente é Henry Etzkowitz, que trata com detalhes do tema em artigo publicado em 2004, intitulado “The evolution of the entreperneurial university” no International Journal Technology and

vida e também em função dos contatos que favorecem investidores de risco. Quanto ao licenciamento, esse gera pagamentos pelo uso da tecnologia adquirida, ou seja, royalties oriundos de licenças que se transformam em receitas para universidades.

As publicações, segundo os autores, não são um mecanismo efetivo de transferência de tecnologia, embora centros de pesquisa universitários citem o contrário com freqüência. Os encontros, por sua vez, são importantes para a troca de informações que facilitam a atividade empreendedora e, por fim, os projetos de P&D cooperativos são mais comuns com grandes corporações do que com pequenas e médias empresas, sendo comuns dificuldades na colaboração entre as partes em razão de divergências culturais.

Torkomian e Plonski (1998) propuseram um modelo de gestão tecnológica nas universidades com foco em mecanismos diretos de relacionamento da universidade com a sociedade. Basicamente, as tecnologias geradas nos laboratórios de pesquisa podem ser transferidas para empresas já estabelecidas por meio da interação universidade-empresa ou através do surgimento de novas empresas spin-offs (figura 2.9). O modelo conta com estruturas de apoio para facilitar o desempenho das atividades dos diferentes mecanismos de transferência de tecnologia como fundações, escritórios de transferência de tecnologia, etc.

Figura 2.9 – Modelo detalhado de gestão tecnológica na universidade. Fonte: Torkomian e Plonski (1998).

As spin-offs acadêmicas são empresas oriundas do ambiente acadêmico tendo como fundadores professores, alunos de graduação ou pós-graduação que, a partir de uma invenção abrem uma empresa para comercializar o novo produto conseguido como resultado

socie dade

des envolvimento de ciência

geração de tecnologia

grupos de pes quis a uni vers itários

pes quis a contratada cons ultoria pres tação de s erviços criação de empres as (spin-offs )

canais intermed iários

centros de pres tação de s erviços

laboratórios de geração de negócios

empres as

de pesquisa acadêmica. Para estimular o nascimento e apoiar a criação da empresa pode-se contar com um laboratório de geração de negócios.

A consultoria/assessoria diz respeito à capacidade que a universidade possui de contribuir na solução de problemas ou melhoria de produtos e processos produtivos, valendo- se de informações especializadas as quais seus pesquisadores têm acesso. Na consultoria há um envolvimento menor do que na assessoria onde o pesquisador tem um envolvimento contínuo em todas as etapas de determinado trabalho. Para auxiliar a consecução de tais atividades conta-se com canais intermediários que podem ser escritórios de transferência de tecnologia ou núcleos de cooperação U-E.

A pesquisa contratada refere-se a projetos tecnológicos e atividades de pesquisa organizadas em relação a um tema específico que a universidade realiza por contratação de terceiros. Estes projetos podem gerar inovações em produtos ou processos. Também, como auxílio para estas atividades, têm-se os núcleos de cooperação U-E ou escritórios de transferência de tecnologia nas universidades.

Por fim, a prestação de serviços, constitui-se no atendimento pela universidade a empresas que demandam serviços técnicos especializados, podendo haver uma troca de importantes informações e conhecimentos que estão na academia e chegam até à sociedade. Ou ainda, ser o primeiro passo para relacionamentos mais duradouros. Centros de prestação de serviços apóiam a consecução dessas atividades (TORKOMIAN, 1997).

Cumpre papel importante dizer que cada mecanismo de transferência utilizado indica um processo diferente, assim, não existe um processo de transferência genérico que possa ser demonstrado. Os estudos de Harmon et al. (1997) realizados na Universidade de Minnesota definiram cinco tipos diferentes de processo de transferência de tecnologia considerando algumas questões-chave, tais como:

• Local de origem da tecnologia, isto é, universidade ou empresa?;

• Destino da tecnologia desenvolvida: empresas incumbentes ou novas?; e

• Natureza do relacionamento entre o inventor e a empresa que adquiriu a tecnologia no sentido de facilitar a transferência?

O quadro 2.5 resume a classificação proposta pelos autores.

Algumas conclusões do trabalho dos autores são bastante relevantes. Eles observaram que a perspectiva dos “relacionamentos” descreve mais de 80% dos casos de transferência, sendo que esses contatos determinam o tipo de transferência. Avaliam também que ações de marketing da universidade no esforço de divulgar tecnologias passíveis de serem licenciadas surtem apenas resultados modestos (HARMON et al., 1997).

Tipos de transferência de tecnologia Aproximação e relações dos agentes

1 Tecnologia criada em laboratórios

universitários e vendida para empresa já existente.

• Motivo da aproximação: desenvolvimento de tecnologia. Relações prévias formais ou informais.

2 Tecnologia criada em laboratórios

universitários e vendida para empresa já existente.

• Motivo da aproximação: interesse em tecnologia divulgada pela universidade. Inexistência de relacionamento prévio.

3 Tecnologia criada em laboratórios

universitários e vendida para empresa de capital de risco.

• Motivo da aproximação: interesse em tecnologia divulgada pela universidade. Inexistência de relacionamento prévio

4 Tecnologia criada em laboratórios

universitários e vendida para empresa criada para sua comercialização.

• Não há novos agentes. Próprios inventores empreendem um novo negócio para comercializar a tecnologia.

5 Tecnologia desenvolvida inicialmente pela

empresa que então busca expertise na universidade em áreas específicas.

• Motivo da aproximação: solver problemas específicos de P&D. Empresa pode já ter comprado tecnologia da universidade e voltar, ter relações informais ou não.

Quadro 2.5 – Tipos de transferência de tecnologia. Fonte: Baseado em Harmon et al. (1997).

Conforme é possível verificar, a taxonomia proposta por Harmon et al. (1997) centra-se em processos de transferência de tecnologia direta. Este também é o foco do modelo de gestão tecnológica elaborado por Torkomian e Plonski (1998), sendo possível notar que, as transferências do tipo 1 mencionada no quadro 2.5 correspondem às pesquisas contratadas com duração mais longa de empresas que já tinham algum contato prévio com a universidade. Já os tipos 2 e 3 são aquelas transferências que ocorrem por meios formais e se iniciam sem a existência de pré-relacionamentos, podendo ser através de patentes. As transferências do tipo 4 correspondem ao surgimento de novas empresas (spin-offs) estritamente acadêmicas em que pesquisadores decidem viabilizar a produção da tecnologia empreendendo um novo negócio. Por fim, as transferências do tipo 5 se referem àquelas empresas que fazem uso de serviços de consultoria da universidade em áreas específicas do conhecimento (AZEVEDO, 2005).

Dentre todos os mecanismos de transferência direta de tecnologia, as spin-offs têm chamado atenção visto serem portadoras de enorme potencial de transferência mais rápida dos resultados de pesquisa (LOCKETT et al., 2005). Elas têm sido a motivação de numerosos estudos e são encontradas contribuições no sentido de elucidar o processo de criação de spin-offs por meio de estágios que enfatizam cada momento da criação, gestão e comercialização do conhecimento (NDONZUAU; PIRNAY; SURLEMONT, 2002). Também

acerca do sucesso de universidades na geração de novas empresas (O’SHEA et al., 2005) e, ainda, análises dos conjuntos de recursos particulares que podem justificar o desempenho de universidades na criação de spin-offs (POWERS; MCDOUGALL, 2005).

No Brasil, estudos sobre spin-offs mostram-se predominantemente exploratórios, sendo que alguns buscam identificar e caracterizar esse fenômeno geralmente associado a universidades públicas, outros ainda procuram verificar ações de universidades no sentido de promover a geração de empresas e a aderência dessas iniciativas com as funções da universidade (AZEVEDO, 2004; CUNHA, SANTOS; FILARDI, 2004).

O licenciamento de patentes é outro mecanismo de transferência de tecnologia direto e tem sido visto como o mais tradicional dentre todos (LOCKETT et al., 2005). Os direitos de propriedade intelectual criam fortes incentivos para as universidades adotarem uma perspectiva de comercialização de seus resultados de pesquisa (DEBACKERE; VEUGELERS, 2005). Até aqui, tal não foi explorado por se tratar do objeto do presente estudo. As considerações peculiares acerca do processo, a evolução histórica desse instrumento na experiência internacional e no Brasil são assunto para o capítulo 4.

O motivo para essa segregação é a necessidade de tratar adequadamente do tema da propriedade intelectual antes de abordar as patentes enquanto instrumento de transferência de tecnologia, o que é feito no capítulo que segue.