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6. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

6.1.3 Estudo ilustrativo de transferência de tecnologia na USP

O estudo ilustrativo sobre a transferência de tecnologia na USP se refere a um licenciamento de patente no campo da saúde e estética, mais especificamente cosmetologia. Trata-se de um processo para obter o extrato de uma planta vulgarmente conhecida como Pariparoba, de nome científico, pothomorphe umbellata. A invenção depositada como pedido de patente junto ao INPI em setembro de 2002 (PI0204130-8) surgiu na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) e foi também depositada no exterior, em co-titularidade envolvendo USP e FAPESP. O tempo de desenvolvimento foi de 7 anos até a realização da proteção, tendo havido financiamento da FAPESP.

Basicamente, a tecnologia tem como resultante a obtenção otimizada de um extrato utilizado no preparo de composições dermocosméticas para prevenção ou combate ao dano fotooxidativo na pele, envelhecimento cutâneo ou câncer de pele, além do combate aos danos resultantes da exposição excessiva aos raios ultravioleta do sol e das lâmpadas de bronzeamento artificial. O produto resultante da tecnologia licenciada já foi lançado pela

Empresa A com distribuição em âmbito nacional.

A Empresa A atua no mercado de cosméticos e produtos de higiene de perfumaria fundada no final da década de 1960, tendo se expandido fortemente nos últimos anos, comercializando produtos em diversos países no continente americano e, recentemente, na Europa. Possui cerca de 5.000 funcionários diretos, sendo 197 na área específica de P&D, incluindo a área de desenvolvimento de produto e de gestão tecnológica.

Com relação ao desenvolvimento da pesquisa que resultou no pedido de patente, conforme informou a inventora, docente da USP, os estudos começaram em 1996 sem o propósito específico de se chegar a um objeto patenteável que viesse a se tornar um produto. Inicialmente, foi uma idéia relacionada a um projeto de doutoramento com apoio da FAPESP. A preocupação em solucionar problemas da sociedade houve de forma indireta, pois a planta, objeto de investigação, tem sido utilizada largamente pela medicina popular, de

modo que estava embutida a possibilidade de que houvesse com os resultados da pesquisa uma contribuição para a área de medicamentos.

A Empresa A tem desenvolvido sistematicamente relações colaborativas com universidades, entretanto, foi a primeira experiência ligada a obtenção de licenças de universidades brasileiras. No caso específico, a empresa declarou que estava realizando pesquisa internamente na mesma área objeto do pedido de patente da USP. De acordo com as entrevistas, estava havendo desenvolvimento paralelo entre universidade e empresa tratando da planta pariparoba, sendo que, uma vez deparada com a proteção intelectual da USP, tornou-se fundamental obtenção da licença para explorar a tecnologia, gerar o produto e comercializá-lo.

De outra parte, a inventora possuía contato com funcionários da empresa e isso também contribuiu para o atentamento da empresa por verificar o que já existia desenvolvido sobre a pariparoba. Prosseguindo, a empresa procurou a universidade solicitando o processo de licenciamento, tendo como principal objetivo a legalidade de uso e exploração dos elementos patenteados. Quanto à capacidade técnica de implementação da tecnologia na empresa, a inventora declarou que a empresa estava totalmente habilitada a tornar concreto um produto.

A sistemática do relacionamento entre empresa e universidade assumiu a formalidade necessária para realização da licença da patente, isto é, no caso da USP, foi preparado instrumento jurídico Edital de Licitação, por meio do qual a tecnologia foi ofertada a quaisquer entes juridicamente constituídos interessados na sua comercialização. Nesse sentido, as empresas candidatas, uma vez de posse de toda documentação necessária relacionada à possibilidade de estabelecer contratos com a administração pública, apresentaram propostas de investimento e royalties a serem pagos conforme diretrizes do licenciamento indicadas no referido Edital. Vale ressaltar que, atualmente, este tipo de processo não mais é necessário tendo em vista o disposto pela Lei de Inovação, bastando a publicação de Edital de oferta de tecnologia pela universidade.

A Empresa A fez a devida apresentação de proposta contendo o percentual de

royalties a serem pagos, além de um up-front (aporte inicial de recursos para ingresso no

negócio) para assinatura do contrato. Em função do procedimento adotado para comercialização ter sido a licitação pública, o contrato de licença foi elaborado estritamente dentro das diretrizes do Edital. Disto decorreu a possibilidade de negociar apenas cláusulas secundárias, não permitindo, portanto, um processo de negociação específico, inclusive acerca da remuneração diante da realidade presente, isto é, o conhecimento da empresa licenciada e

sua atuação no mercado. Essa impossibilidade de remodelação de negócio é um aspecto que será abordado posteriormente.

Outrossim, não houve um contrato de cooperação técnica envolvendo desenvolvimento conjunto entre empresa e universidade, restringindo-se o contrato assinado de 30 meses ao modelo de negócio realizado, o qual atualmente está em processo de renovação por igual período. A colaboração técnica efetiva entre as partes foi definida como sendo a possibilidade da inventora prestar assessoramento por meio de comunicações escritas. Isto porque, a empresa não manifestou interesse no desenvolvimento tecnológico que visou o alcance do produto, já que, com sua própria estrutura de P&D foi capaz de fazê-lo. Nesse sentido, o licenciamento tecnológico não implicou em um processo de desenvolvimento tecnológico conjunto entre as partes.

Não obstante, a pesquisa e a patente universitária permitiram a revelação de um conhecimento que se mostrou aderente ao processo de desenvolvimento que a empresa estava levando a cabo, o qual serviu de suporte para a continuidade dos trabalhos na empresa, em um segundo momento, de forma mais dirigida. Nesse sentido sim, houve uma espécie de transferência de tecnologia, na perspectiva do aproveitamento da pesquisa universitária.

Ressalta-se que, todo o processo de patenteamento foi conduzido pelo órgão oficial da universidade, à época o GADI, o qual interagiu com a empresa para condução do processo de licença. Segundo a inventora, a atuação dessa estrutura universitária foi essencial para efetivação do negócio, especialmente nos seus aspectos jurídicos, administrativos e financeiros, pois dessa forma seu tempo foi desonerado para esses assuntos. Ademais, o modelo de negócio proposto na licitação precedeu um trabalho de pesquisa e visão de mercado, o qual foi feito em colaboração com a inventora, mas, sobretudo pelo GADI.

O papel de cada um dos atores envolvidos no processo, a saber, inventor, ETT e empresa foi definido pelos entrevistados. A universidade gerou o conhecimento e o protegeu assegurando a possibilidade de exploração monopolista no mercado do produto resultante. Isto foi fundamental para que a empresa se decidisse por se tornar parceira da universidade. O ETT efetuou o trâmite jurídico-administrativo altamente especializado, com o adicional de ser o órgão oficial para tratativas negociais dentro da universidade. Nisto, é relevante dizer que houve uma estratégia de licenciamento da patente, sendo que foi licenciado somente uso para área cosmética, resguardando a possibilidade de licenciamento da área farmacêutica para outros usos da mesma tecnologia para outras empresas.

Por fim, a empresa teve o papel fundamental de implementação industrial, produção e distribuição do produto à sociedade, remunerando a universidade, a qual recebeu

os pagamentos estipulados em contrato. O lançamento do produto pela empresa não seguiu o cronograma inicial, possivelmente, devido a um conjunto de aspectos técnicos inerentes à tecnologia e estratégicos definidos pela empresa. A figura 6.2 ilustra as etapas do processo de transferência de tecnologia universidade-empresa como neste caso em particular se mostrou.

Figura 6.2 – Etapas do processo de transferência de tecnologia da USP.