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2.3 Investigações com o SAC

2.3.1. Estudos no âmbito das diferenças individuais

2.3.1.1. Diferenças em função do género

A investigação tem demonstrado que existem diferenças em função do género pelo menos em determinadas habilidades cognitivas, ainda que sejam de pequena magnitude e tendam a variar em função das amostras em estudo e das tarefas propostas (Almeida, 1988a; Halpern, 1997; Lemos & Almeida, 2006; Naglieri & Rojahn, 2001; Simões, 2000). As que mais interesse têm despertado, devido à consistência dos resultados, reportam-se a três domínios do funcionamento cognitivo,

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nomeadamente: habilidades verbais, quantitativas e espaciais (Hyde, 1990). Neste sentido, as raparigas tendem a obter melhores desempenhos que os rapazes em tarefas que avaliam habilidades verbais (Hyde & Linn, 1988; Maccoby & Jacklin, 1974); por sua vez, os rapazes tendem a obter melhores desempenhos que as raparigas em habilidades quantitativas e espaciais (Almeida, 1988a; Almeida & Campos, 1985; Geary, 1996; Hyde, Fennema, & Lamon, 1990; Lemos & Almeida, 2006; Linn & Petterson, 1985; Maccoby & Jacklin, 1974; Pinto, 1992; Ribeiro, 1998).

De acordo com Naglieri e Rojahn (2001), estes estudos de diferenças de desempenho entre géneros devem ser interpretados com cuidado, já que se baseiam nas interpretações que os investigadores dão para os resultados encontrados em diferentes testes, que nem sempre avaliam o mesmo construto. Por exemplo, os estudos que comparam os rapazes e as raparigas na habilidade verbal podem incluir uma grande variedade de tarefas, tais como vocabulário, fluência, analogias verbais que, apesar de tudo verbal, podem ter diferentes demandas cognitivas e levar a inconsistência na medição do construto verbal. Da mesma forma, a capacidade quantitativa é tipicamente medida com base na realização matemática, onde podemos encontrar itens tão diversos, como cálculos simples e complexos, resolução de problemas, álgebra, trigonometria, etc. Como exemplo, referimos os estudos de Geary (1996) e de Hyde, Fennema e Lamon (1990), enquanto o primeiro estudo detetou diferenças significativas a favor dos rapazes em testes que envolvem a representação espacial de relações matemáticas, o segundo estudo aponta para uma vantagem das raparigas em testes aritméticos básicos (pelo menos nos primeiros anos de escolaridade).

Estes condicionalismos levaram Halpern (1997) a rejeitar a taxonomia verbal, quantitativa e espacial, e a propor uma nova taxonomia assente “em processos cognitivos subjacentes” (p.1092). Por sua vez, McHough, Koeske e Frieze (1986) defendem que as diferenças de género só podem ser entendidas de forma adequada se utilizarmos um modelo teórico do funcionamento cognitivo. Geary (1989) enfatiza, ainda, que os modelos concetuais de diferenças cognitivas entre géneros devem proporcionar uma integração dos componentes neurológicos e socioculturais que influenciam o desenvolvimento dos processos cognitivos. É neste sentido que Naglieri e Rojahn (2001) consideram que a teoria do funcionamento cognitivo PASS pode oferecer um contributo importante para a compreensão das diferenças entre géneros.

Os primeiros estudos de diferenças entre géneros, no âmbito da teoria PAS, foram desenvolvidos por Bardos, Naglieri e Prewett (1992) e por Warrick e Naglieri (1993). O primeiro estudo utilizou medidas dos processos de planificação, simultâneo e sucessivo com uma amostra de alunos do 2º, 6º e 10º anos de escolaridade (n=434) e com uma amostra de alunos do 4º e 5º anos de escolaridade (n=112). O segundo estudo analisou os 4 processos PASS numa amostra de alunos do 3º, 6º e 9º anos de escolaridade (n=197). Ambos os estudos encontraram diferenças entre rapazes e

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raparigas: no primeiro estudo, as raparigas do 4º, 5º e 6º anos obtiveram melhores desempenhos que os rapazes nas medidas de planificação; no segundo estudo, as raparigas obtiveram melhores resultados que os rapazes nas medidas de planificação em todos os grupos etários analisados e ainda nos processos de atenção no grupo do 3º ano.

Tendo em conta que estes primeiros estudos se basearam em amostras relativamente pequenas e em tarefas PASS que exigiam maior desenvolvimento (versões experimentais do SAC), mais tarde, Naglieri e Rojahn (2001) replicaram estes estudos com a amostra de estandardização americana do SAC (N= 2200), considerando três grupos etários: 5-7 anos, 8-10 anos e 11-17 anos. Os dados obtidos, e agora mais facilmente generalizáveis à população em estudo, vão no sentido de que: as raparigas tendem a ter melhores resultados do que os rapazes nas Escalas de Planificação e Atenção, e ainda, ligeira vantagem na Escala Sucessivo, em todos os grupos etários considerados. Na Escala Simultâneo, apesar dos rapazes dos grupos 8-10 anos e 11-17 anos apresentarem melhores desempenhos que as raparigas, as diferenças encontradas não foram estatisticamente significativas.

Naglieri e Rojahn (2001) consideram que as diferenças nos processos psicológicos básicos de planificação e atenção encontradas na sua pesquisa, ainda que não sejam grandes, podem ter implicações importantes na sala de aula, especialmente para os rapazes. Sendo o planeamento e a atenção processos importantes que afetam muitas áreas da vida diária, e em especial, o desempenho académico, as pontuações mais baixas obtidas pelos rapazes nas Escalas de Planificação e Atenção sugerem que estas crianças precisam de ser ensinadas a planear com mais atenção e a serem mais estratégicos nas coisas que fazem. Por exemplo, Naglieri e Gottling (1995, 1997) e Naglieri e Johnson (2000) desenvolveram um programa baseado na instrução da planificação para crianças com baixos resultados na Escala de Planificação do SAC e com fraco desempenho em tarefas de cálculo matemático, e os três estudos demonstraram que a intervenção facilitou os processos de planificação e levaram a um melhor desempenho em problemas de multiplicação na sala de aula.

2.3.1.2. Diferenças em função de variáveis sociais

Ainda que controversos, os estudos que analisam os resultados em testes de habilidades cognitivas segundo a classe social dos sujeitos têm demonstrado que os grupos mais favorecidos socialmente tendem a manifestar níveis superiores de realização face aos grupos mais desfavorecidos (Viola, Sousa, Lopes & Almeida, 2005). Por sua vez, a investigação parece apontar para uma maior diferenciação dos sujeitos em função da sua origem social quando se utilizam provas cujos itens recorrem a conteúdos mais relacionados com as vivências educativas e culturais, e em particular próximos das disciplinas do currículo escolar (e.g. Candeias, Rosário, Almeida & Guisande, 2007).

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De acordo com Almeida (1988a), alguns autores concebem as diferenças em função da classe social como reflexo de oportunidades educativas qualitativamente diferentes que caraterizam os vários grupos sociais. Outras vezes, tais diferenças são questionadas quanto à sua origem e explicação, podendo o próprio conteúdo e formato dos testes, se não produzir as diferenças, contribuir para a sua magnitude (Almeida & Roazzi, 1988).

Independentemente das explicações que possam ser dadas, a verdade é que os testes de inteligência continuam a ser utilizados nos contextos educativos, assumindo-se a sua validade no diagnóstico das dificuldades de aprendizagem, mesmo que subsista a suspeita de uma avaliação diferencial destes testes em função da origem social dos sujeitos (Almeida, 1994). Nesta linha de preocupação, poder-se-á, com tais testes, avaliar de forma desigual as capacidades cognitivas de alunos provenientes de distintos meios sociais, económicos e culturais, favorecendo os estratos sociais mais elevados em detrimento dos grupos menos favorecidos (Viola et al., 2005).

Por outro lado, mesmo que se tenham feito tentativas no sentido de construir testes de avaliação cognitiva “livres de cultura” ou “interculturais”, nomeadamente através de itens envolvendo pouca linguagem, as aprendizagens escolares e a cultura, ou recorrendo apenas a material figurativo- abstrato ou não-verbal, ainda não existe clareza quanto às formas mais eficazes de o fazer (Almeida et al., 2008; Viola et al., 2005). Contudo, tem existido um esforço por parte dos investigadores em ajustar os testes à diferenciação social dos indivíduos, preocupação que esteve também patente no desenvolvimento do Sistema de Avaliação Cognitiva (Naglieri & Das, 1997b).

Tal como refere Naglieri (1999a), o SAC foi desenvolvido de modo a avaliar a pessoa através de um conjunto de itens que, tanto quanto possível, sejam livres de conhecimentos adquiridos, ou seja, que envolvam o menos possível a base de conhecimentos da pessoa, o que parece contribuir para menores diferenças entre grupos provenientes de culturas e etnias diversas, como alguns estudos sugerem (e.g, Naglieri, Otero, DeLauder & Matto, 2007; Naglieri, Rojanh & Matto, 2007; Naglieri, Rojahn, Matto & Aquilino, 2005).

O facto de o SAC ter por base uma teoria do processamento cognitivo, em que a ênfase é colocada em processos cognitivos básicos como um aspeto importante na avaliação e no diagnóstico diferencial, em vez de habilidades e conhecimentos adquiridos, como acontece em alguns testes tradicionais, faz com que este instrumento se preste ao uso em línguas e culturas diversas, como os estudos de adaptação e validação deste instrumento para países tão diferentes têm demonstrado (p.e., Alemanha, Noruega, Coreia, Japão, França, Espanha, Itália e China).

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2.3.2. Estudos no âmbito da relação entre processos PASS e Rendimento