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ABORDAGENS DA INTELIGÊNCIA E SUAS IMPLICAÇÕES NA AVALIAÇÃO DO FUNCIONAMENTO

1.3. Abordagem Cognitivista

1.3.1. Teoria das Inteligências Múltiplas

Partindo da existência de um mecanismo de processamento de informação, Gardner (1983, 2000) elabora a inteligência à luz das origens biológicas de cada capacidade, vinculando-a à manipulação ou ao cunho cultural. Considerando apenas as capacidades que são universais à espécie humana, defende uma contextualização daquela faculdade mental, participando nela, pois, o aspecto cultural. Neste sentido, Gardner (1983) define inteligência como a habilidade para resolver problemas, ou criar produtos, que são importantes num determinado ambiente ou comunidade cultural.

A partir do desejo de seleccionar inteligências que tenham raiz biológica e que sejam valorizadas em um ou mais ambientes culturais, Gardner (1983) esboçou os pré-requisitos e os critérios para selecionar as inteligências que considerou genuínas, que inicialmente eram sete: (i) inteligência linguística, (ii) inteligência lógico-matemática, (iii) inteligência espacial, (iv) inteligência musical, (v) inteligência corporal-cinestésica, (vi) inteligência interpessoal e (vii) inteligência intrapessoal.

A inteligência linguística relaciona-se com a capacidade de usar as palavras de forma efetiva, quer oralmente, quer na escrita. Integra habilidades para lidar com os significados das palavras (semântica) e com os sons do discurso (fonologia), assim como para organizar gramaticalmente as frases (sintaxe) e usar de forma adequada a linguagem na comunicação diária e na resolução de problemas (pragmatismo). O autor associa esta inteligência ao lóbulo temporal esquerdo, demonstrando essa relação através de estudos com lesões específicas naquela região do cérebro, que resultam em dificuldades na discriminação fonológica ou na pragmática do discurso (Krechevsky & Gardner, 1994).

A inteligência lógico-matemática encontra-se associada às capacidades de apreensão e aplicação de relações, nomeadamente com números, princípios, quantidades ou símbolos. Ainda que a sua localização cerebral se apresente algo difusa, certas áreas parecem ser mais importantes do que outras na sua manifestação, designadamente os lóbulos parietais esquerdos e lóbulos contíguos.

A inteligência espacial está relacionada com as competências do sujeito para perceber informação visual ou espacial (por exemplo, identificar pormenores, perceber formas), transformar e modificar essa informação (por exemplo, visualizar movimentos, transformar ou rodar figuras) e

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recriar imagens visuais mesmo sem referência a um estímulo físico original (por exemplo, proceder a representações espaciais de problemas ou situações). Apesar desta diversidade de aspectos suscitar algumas dificuldades específicas de precisão da localização cerebral dos mesmos (Almeida, 1994), o processamento da informação espacial envolve, em definitivo, o hemisfério direito (Gardner, 2000). Aliás, lesões nos lóbulos parietais e temporais do hemisfério direito causam dificuldades na atenção visual, na representação e orientação espacial, bem como na produção de imagens mentais e na memória (Krechevsky & Gardner, 1994).

A inteligência musical refere-se às competências de melodia, ritmo e timbre que os indivíduos apresentam e que lhes permitem criar, comunicar e compreender significados. Os estudos de localização cerebral indicam que os processos e os mecanismos subjacentes a estas competências encontram o seu substrato neurológico no hemisfério direito do cérebro (zona frontal e temporal) (Almeida, 1994). Por outro lado, evidências de várias culturas e o vínculo com outras espécies (ex. canto dos pássaros) apoiam a noção de que a música é uma faculdade universal que assume, inclusivamente, um importante papel unificador nas sociedades (Gardner, 1983, 2000).

A inteligência corporal-cinestésica relaciona-se com a destreza dos sujeitos para lidar com o corpo (parte dele ou no seu global) e com os objetos quando isso envolve motricidade grossa e fina, controlo motor ou coordenações dos movimentos, seja na solução de problemas (por exemplo, bater uma bola de ténis), seja na construção de produtos (por exemplo, produzir um bailado) (Gardner, 2000). O controlo dos movimentos corporais encontra-se localizado no córtex motor e, nos destros, as competências nele envolvidas têm sido tradicionalmente encontradas no hemisfério esquerdo (Gardner, 1983).

A inteligência interpessoal baseia-se numa capacidade nuclear do indivíduo para perceber os outros, em particular no que toca os seus sentimentos, temperamentos, motivações e intenções, mesmo que não explicitamente manifestados. Se, nas sociedades pré-históricas, as habilidades como caçar, perseguir e matar exigiam a participação e cooperação de um grande número de pessoas, hoje em dia, a necessidade de coesão, liderança, organização e solidariedade no grupo decorre naturalmente disso (Gardner, 2000).

A inteligência intrapessoal é defendida pelo autor como a inteligência mais privada, na medida em que requer a capacidade do indivíduo para discernir e operar sobre os seus próprios sentimentos, forças, fraquezas e desejos (Gardner, 1983, 2000).

O substrato neurológico associado às inteligências interpessoal e intrapessoal reporta sobretudo aos lóbulos frontais (Krechevsky & Gardner, 1994).

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Estas foram as sete inteligências apresentadas, inicialmente, por Gardner (1983). Em produções mais recentes, o autor considera a existência de mais três inteligências, nomeadamente: a

inteligência naturalista ou ecológica, a inteligência existencial e a inteligência espiritual (Gardner,

1999, 2003).

A inteligência naturalista ou ecológica envolve a capacidade para compreender e trabalhar de forma eficaz no mundo natural, sendo que o autor, na sua definição, menciona que seria um tipo de competência próprio no reconhecimento da fauna e da flora, muito associada aos zoólogos, naturalistas e biólogos. Para o autor, o funcionamento cerebral desta inteligência está relacionado com o lobo parietal esquerdo (Gardner, 1999).

A inteligência existencial refere-se à capacidade para lidar com determinadas caraterísticas existenciais da condição humana, incluindo a preocupação com questões básicas da vida, tais como, o significado da vida e da morte. A partir de vários estudos de localização cerebral deduz-se que esta inteligência esteja associada a certas áreas do lobo temporal direito (Gardner, 1999; Gardner, 2003).

Por último, a inteligência espiritual, que devido à dificuldade encontrada na análise dos vários aspetos relacionados com o conceito “espiritual”, carece de um maior aprofundamento (Gardner, 2003).

Para avaliar estas inteligências, Gardner e colaboradores começaram a desenhar projetos e programas, ao abrigo do Harvard Project Zero. Estes projetos visam novas abordagens à avaliação, como alternativa à avaliação formal, com o objetivo de implementar as inteligências múltiplas em contexto educativo (Chen & Gardner, 2012). Por exemplo, Chen, Isberg e Krechevsky (1998) apresentam um conjunto de atividades com materiais diversificados, que apelam à manipulação e que se distribuem pelos diferentes domínios do conhecimento: linguagem, matemática, música, arte, compreensão social, ciência mecânica e movimento (o Spectrum Preschool Assessment Activities). Além disso, fornecem linhas orientadoras de avaliação (Observational Guidelines).

Num esforço de síntese das principais contribuições da Teoria das Inteligências Múltiplas, Walters e Gardner (1986) salientam a contextualização dos problemas e das soluções ou produtos emergentes de acordo com a cultura de pertença e, por outro lado, a multiplicidade de inteligências a que qualquer papel cultural apela, não importa o seu grau de sofisticação. Neste sentido, os autores reforçam a importância das implicações da teoria, quer na expansão da avaliação cognitiva alargada a tarefas que envolvam a vasta gama de aptidões envolvidas na resolução de problemas, diversificando a natureza daquelas; quer na promoção de oportunidades de exploração, estimulação e instrução explícita no desenvolvimento das inteligências.

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Apesar de Gardner (1983, 2000) concordar com algumas críticas que lhe são dirigidas, reconhecendo a natureza mais descritiva e menos demonstrativa da sua teoria, defende contudo o valor dos fundamentos neurofisiológicos e culturais das inteligências que identificou, deixando em aberto a possibilidade de vir a integrar novos dados decorrentes de posteriores investigações.

Quanto à designação escolhida pelo autor para se referir a determinadas habilidades cognitivas, Gardner (1983) confessa que o termo “inteligência” foi propositadamente escolhido para entrar em controvérsia com aqueles que colocam a lógica e a linguagem numa posição “privilegiada”, descurando ou mesmo discriminando outras competências. Daí que, sem qualquer espécie de preconceito, Gardner avance para uma visão mais holística, considerando as várias inteligências como igualmente válidas.

Acusado de ignorar décadas de pesquisa psicométrica, não conferindo espaço para g na teoria das inteligências múltiplas, o autor esclarece que não nega que g exista, antes questiona a sua importância explicativa fora do ambiente relativamente estreito da instrução formal (escola). É nesta linha de ideias que Gardner (1983, 2000) desvaloriza os testes psicométricos na predição de desempenho fora das tarefas escolares.

Ademais, se a construção de testes fiáveis para diferentes inteligências fosse possível, e se esses testes não dependessem exclusivamente de respostas objetivas, geralmente em apresentações tipo papel e lápis, mas utilizassem, em vez disso, materiais condizentes com o domínio a ser medido, as correlações que invocam g decerto diminuiriam significativamente (Gardner, 2000).

Para terminar, e no âmbito das implicações educativas, apesar de Gardner (2000) considerar a possibilidade dos fatores genéticos estabelecerem algum tipo de limite para o grau em que uma inteligência pode ser modificada no decurso da vida, também reconhece que qualquer pessoa que não tenha nenhum dano cerebral pode obter resultados bastante significativos num determinado domínio intelectual desde que lhe seja proporcionada uma suficiente exposição aos materiais daquela inteligência. Por esta razão, Gardner e outros investigadores têm vindo a explorar formas de implementação da teoria das inteligências múltiplas na sala de aula (e.g. Armstrong, 2000; Chen, Isberg & Krechevsky, 1998; Gardner, Feldman & Krechevsky, 1998; Prieto & Ballester, 2003).

Na opinião de Prieto, Ferrando, Bermejo e Ferrández (2008) a teoria das inteligências múltiplas é especialmente prometedora para alunos com necessidades educativas especiais e/ou prevenientes de ambientes mais desfavoráveis. De facto, algumas investigações realizadas em Portugal parecem apontar para vantagens de uma intervenção assente na promoção destas múltiplas inteligências em alunos com NEE em contexto educativo (e.g. Rebocho, Candeias, Peniche, Baldeira & Lagartixo, 2009; Rebocho, Peniche, Baldeira, Lagartixo & Candeias, 2006).

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