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2.3 Investigações com o SAC

2.3.3. Estudos no âmbito das Dificuldades de Aprendizagem

2.3.3.1. A importância dos processos PASS na identificação de alunos com dificuldades de aprendizagem

A tipologia dos alunos que podem apresentar dificuldades de aprendizagem é diversa e pode levar a confusões (Citoler, 1996). De facto, na bibliografia especializada facilmente se constata a ausência de acordo entre os investigadores, no que diz respeito à delimitação da população que se deve considerar com dificuldades de aprendizagem, na delimitação das suas manifestações nucleares ou, inclusivamente, sua natureza (Miguel & Martín, 1998).

Neste contexto, alguns autores como Citoler (1996), Correia (1997), Cruz (1999, 2005) e Fonseca (1984) distinguem ente dificuldades gerais e dificuldades específicas de aprendizagem.

As dificuldades gerais de aprendizagem são normalmente atribuídas a uma combinação de fatores, que tanto podem ser exteriores à pessoa como inerentes a ela, como por exemplo: baixa inteligência; escolaridade inadequada ou interrompida; desvantagem socioeconómica; deficiência física; desordem neurológica visível; e, problemas emocionais. As dificuldades específicas são normalmente descritas como uma perturbação da aprendizagem que se manifesta devido a uma presumível disfunção neurológica e para a qual não existe uma explicação evidente (Cruz, 2005).

Neste estudo, quando utilizamos a expressão “dificuldades de aprendizagem” referimo-nos em concreto às dificuldades específicas, por serem aquelas que foram objeto de investigação com o SAC.

Normalmente, o diagnóstico das dificuldades de aprendizagem baseia-se no critério da discrepância entre inteligência e rendimento, assim como o de exclusão de uma série de fatores que afetam a aprendizagem. Por exemplo, segundo o DSM-IV (APA, 1996), “as perturbações da aprendizagem são diagnosticadas quando o rendimento individual nas provas habituais de leitura, aritmética ou escrita for substancialmente inferior ao esperado para a idade, para o nível de escolaridade ou para o nível intelectual” (p.47). Por outro lado, “elas devem ser diferenciadas de possíveis variações normais do rendimento escolar ou de dificuldades devidas à falta de oportunidades, ensino deficiente, fatores culturais, défices sensoriais, deficiência mental ou de uma perturbação global do desenvolvimento” (APA, 1996, p.48).

Sistema de Avaliação Cognitiva

Se adotarmos o ponto de vista puramente sintomático e não teórico patente no DSM-IV (APA, 1996), então o diagnóstico das dificuldades de aprendizagem tem consequências em termos do modelo de avaliação que devemos utilizar. Ou seja, teremos que avaliar: (i) o nível de leitura, escrita ou aritmética; (ii) o desvio entre esse nível e o nível esperado; e, (iii) o nível intelectual, para excluir um eventual atraso mental. Estas três condições, aparentemente simples, levantam diferentes questões.

O primeiro problema surge no momento em que se pretende quantificar a discrepância entre inteligência e rendimento, não existindo acordo entre os investigadores. Por outro lado, as provas que avaliam o rendimento apresentam uma grande heterogeneidade entre si, e nem sempre se encontram devidamente aferidas para a população em causa. Por último, para a avaliação da inteligência normalmente utilizam-se os tradicionais testes de Q.I, o que também tem suscitado várias críticas.

Por exemplo, Siegel (1989, 1999) considera que o QI é irrelevante para a definição de dificuldades de aprendizagem. Esta afirmação baseia-se nos estudos que realizou e onde se comparou diferentes subgrupos de sujeitos em função do QI, em tarefas variadas como a leitura, a linguagem, a memória, a escrita e tarefas fonológicas, não se encontrando diferenças significativas. A partir destes estudos, Siegel (1989) concluiu, por exemplo, que: (i) o problema básico da dificuldade leitora reside no processamento fonológico, (ii) o processamento fonológico não é necessariamente regulado por qualquer sistema de processamento central, e (iii) por conseguinte, a dificuldade leitora é independente da inteligência.

Contudo, Naglieri e Das (1990) consideram que a visão de Siegel, de que a leitura não está relacionada com a inteligência, se baseia na perspetiva de que a Escala de Inteligência de Wechsler para Crianças mede a inteligência, preterindo a visão mais realista de que este instrumento assenta apenas numa conceção do que a inteligência poderá ser. Estes autores consideram ainda que as Escalas de Wechsler não são apropriadas para detetar défices específicos e que qualquer recomendação baseada nessa análise é arriscada. De facto, as Escalas de Wechsler parecem apresentar consideráveis limitações quando comparadas com as novas concetualizações da inteligência (e.g. Das, Mishra & Kirby, 1994; Kirby, Booth & Das, 1996; Kirby & Das, 1997; Naglieri & Reardon, 1993).

Naglieri e Reardon (1993) realizaram uma das primeiras investigações, com o objetivo de provar a relação entre os processos cognitivos do modelo PASS e as dificuldades em leitura. Como consequência deste estudo, os autores propõem o uso do modelo PASS como alternativa ao conceito de discrepância QI-rendimento na identificação de alunos com dificuldades de aprendizagem, nomeadamente, com a utilização de medidas dos processos de atenção, processamento sucessivo, processamento simultâneo e planificação. Desta forma, um défice cognitivo específico justificaria uma dificuldade académica específica, sendo que a leitura na sua componente de descodificação estaria

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essencialmente dependente do processamento sucessivo (Das, 1999a; Das, Mishra & Kirby, 1994; Das, Naglieri & Kirby, 1994; Das, Parrila & Papadopoulas, 2000).

Deste modo, de acordo com a teoria de Das, Naglieri e Kirby (1994), as crianças com dificuldades de aprendizagem são aquelas que apresentam um transtorno do funcionamento cognitivo de um ou mais dos processos cognitivos básicos (planificação, atenção, processamento simultâneo e sucessivo), apesar de possuírem uma inteligência normal, o que para Garrido e Molina (1996) explica porque é que a avaliação do QI através da metodologia psicométrica básica é inútil para realizar o diagnóstico dos indivíduos com dificuldades de aprendizagem.

Resumindo, o modelo de funcionamento cognitivo PASS parece constituir atualmente uma alternativa válida à utilização do QI. Segundo González (1999), a teoria PASS tem merecido grande aceitação no campo das dificuldades de aprendizagem, “já que numerosos estudos têm demonstrado a validade dos construtos propostos na explicação do rendimento académico e, consequentemente, na explicação das dificuldades de aprendizagem, especialmente na área da leitura” (p.130).

2.3.3.2. Alguns dados da investigação

A investigação no âmbito da teoria PASS tem demonstrado uma relação entre os processos cognitivos PASS e conteúdos académicos específicos. Seguidamente, apresentamos as principais conclusões dos estudos que têm sido realizados no âmbito da leitura e da matemática.

Processos PASS e desempenho na leitura

São vários os estudos que examinaram a relação entre os processos PASS e a leitura (e.g. Cummins & Das, 1977; Das & Cummins, 1982; Kirby & Das, 1977; Kirby & Gordon, 1988; Leong 1984).

Alguns desses estudos mostram que nas fases iniciais de aprendizagem da leitura, devido à importância do processamento fonológico na descodificação das palavras, o processamento sucessivo que se encontra subjacente ao mesmo, é aquele que melhor prevê o insucesso na leitura (ver Bishop, 2003; Cruz, 2005; Das, Mishra & Kirby, 1994; Parrila et al., 1999). Por outro lado, algumas intervenções no âmbito da teoria PASS revelaram a existência de melhorias na leitura como resultado do treino do processamento sucessivo (e.g. Boden & Kirby, 1995; Carlson & Das, 1997; Cruz, 2005; Das, Mishra & Pool, 1995; Fonseca & Cruz, 2001; Garrido & Molina, 1996).

Por seu lado, o papel do processamento simultâneo parece estar mais fortemente relacionado com a compreensão da leitura do que com a descodificação das palavras (Kirby & Williams, 1991;

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Das, Naglieri & Kirby, 1994), pois na compreensão da leitura o processamento simultâneo é necessário para estabelecer as relações entre as unidades com significado e para as integrar em unidades de maior complexidade (Kirby, Booth & Das, 1996). Designadamente, alguns estudos têm demonstrado que o processamento simultâneo, em particular, mas também a planificação, são importantes para a compreensão da leitura (ver Kirby & Das, 1977; Kirby & Gordon, 1988).

De referir ainda que, embora as tarefas comuns de descodificação não pareçam ser afetadas por pequenas diferenças nos processos de planificação e de atenção, estes dois processos centrais são necessários em todos os níveis de leitura, verificando-se que a sua importância aumenta em função da complexidade das tarefas (Das, Parrila & Papadopoulos, 2000).

Em síntese, os estudos que têm vindo a ser realizados no âmbito da relação entre processos cognitivos PASS e leitura, parecem demonstrar que o processamento simultâneo e a planificação são bons preditores da compreensão na leitura, enquanto que o processamento sucessivo é um bom preditor do rendimento da leitura de palavras. Por sua vez, o papel da atenção parece menos claro (Das, Naglieri & Kirby, 1994).

Queríamos ainda referir que nos estudos americanos de aferição do SAC, no âmbito dos estudos de validação com grupos especiais, verificou-se que as crianças disléxicas tendem a apresentar um padrão caraterístico de processamento cognitivo PASS, nomeadamente o seu perfil de desempenho no SAC é marcado por baixos resultados na Escala Sucessivo (1 desvio-padrão ou mais de 1 desvio- padrão abaixo da média do grupo normativo), enquanto que nas outras Escalas tendem a obter resultados na média ou acima da média (Naglieri & Das, 1997b). Estes dados foram também verificados num estudo realizado em Espanha (e.g. Pérez-Álvarez & Timoneda-Gallart, 2000).

Processos PASS e desempenho matemático

O

s estudos realizados neste âmbito têm demonstrado que as medidas de desempenho matemático encontram-se relacionadas com os processamentos sucessivo e simultâneo (Garofalo, 1986; Naglieri & Das, 1987), com a planificação (Ashman & Das, 1980; Garofalo, 1986; Kirby & Ashman, 1984) e com a atenção (Warrick, 1989).

Do mesmo modo que a leitura contempla as componentes de descodificação e de compreensão, a matemática também pode contemplar duas componentes: o cálculo e a resolução de problemas. Deste modo, o processamento sucessivo parece ser importante nos estádios iniciais da aprendizagem das operações matemáticas, enquanto o processamento simultâneo está relacionado com o reconhecimento imediato dos números e dos padrões numéricos que são habilidades subjacentes ao cálculo (Garofalo, 1986; Kaufman & Kaufman, 1983; Leong, Cheng & Das, 1985). Por sua vez, na

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resolução de problemas, através de um enunciado verbal, o processamento sucessivo é importante para a descodificação das palavras, enquanto que o processamento simultâneo encontra-se envolvido na compreensão das frases, decidindo que partes do enunciado do problema são importantes. Por fim, o cálculo devido à sua natureza, passo a passo, e por requerer um plano, parece também estar dependente da planificação (Deaño & Rodríguez-Moscoso, 2002).

Numerosos estudos têm demonstrado a importância do processamento simultâneo na matemática (e.g. Garafolo, 1986; Leong, Cheng & Das, 1985). De facto, muitas habilidades na área da resolução de problemas matemáticos podem relacionar-se com o processamento simultâneo, tais como, a compreensão de relações geométricas, a formação de representações mentais dos problemas, e o reconhecimento de que um problema particular se ajusta a um modelo geral (Kirby & Williams, 1991).

Por sua vez, Garofalo (1986) verificou que a resolução de problemas se encontra mais fortemente relacionada com o processamento simultâneo do que com outros fatores, enquanto que o cálculo encontra-se mais relacionado com a planificação do que com o processamento simultâneo e sucessivo. Ao contrário, Warrick (1989) verificou que o cálculo encontrava-se relacionado com a atenção.

Algumas diferenças encontradas nos estudos que têm sido realizados parecem estar relacionadas com as medidas de matemática utilizadas e com os níveis de destreza dos sujeitos, mas o importante é que os estudos têm demonstrado de forma inequívoca que existe uma relação entre os processos PASS e o desempenho matemático (Deaño & Rodríguez-Moscoso, 2002).