• Nenhum resultado encontrado

1 UM HISTÓRICO DA ARTE DE ARGUMENTAR

1.2 A RETÓRICA: do conceito à aplicação nas propagandas e discursos políticos

1.2.2 Ethos, pathos e logos

De acordo com Aristóteles, os meios artísticos (ou técnicos) pathos e ethos são

subjetivos, de ordem afetiva, morais, em oposição aos objetivos, que são intelectuais,

racionais. O discurso político está, quase sempre, recheado de trechos que revelam as paixões provocadas pelo orador e o que estas despertam. Assim, compreendemos como as estratégias argumentativas corroboram a incitação do pathos no auditório.

Aristóteles distingue os três tipos de argumentos, os meios de persuadir (pisteis). Com relação ao logos, entendemos que este argumento está relacionado à argumentação

exatamente como ela é organizada no discurso. Para Reboul (2004, p. 49), o logos “é o aspecto dialético da retórica”.

Como em Tópicos, distingue dois tipos de argumentos, o entimema, ou silogismo baseado em premissas prováveis, que é dedutivo, e o exemplo, que a partir dos fatos passados conclui pelos futuros, e que é indutivo. As premissas prováveis dos entimemas são: ou verossimilhanças (eikota), como por exemplo que um filho ama o pai, ou indícios seguros, como por exemplo que uma mulher que aleita teve um filho, ou indícios simples, como por exemplo que a presença de cinza indica que houve fogo (REBOUL, 2004, p. 49).

Reboul (2004, p. 47) afirma que o “ethos é o caráter que o orador deve assumir para inspirar confiança no auditório, pois, sejam quais forem seus argumentos lógicos, eles nada obtêm sem essa confiança”. Já o pathos corresponde ao conjunto de emoções, paixões e sentimentos. É o argumento que se subsidia no psicológico dos diferentes públicos. Aristóteles dedicou seu segundo livro da Retórica para deliberar sobre o pathos. A Retórica

das Paixões é um componente primordial de nossa análise. A paixão é a alternativa, sede da

ordem do que é primeiro para nós, dissociada essa ordem daquilo que é em si irredutível a ela. Ela é por isso mesmo, o lugar do outro, da possibilidade diferente do que somos afinal: o individual por oposição ao universal diferenciado. Compreende-se, nessas condições, que a paixão remete às soluções opostas, aos conflitos, à diferença entre os homens.

Por que as paixões se diferem das virtudes? A virtude é o lugar da identidade do sujeito, enquanto que a paixão é o lugar da alternância. Aristóteles organiza a paixão por acreditar na superioridade do saber científico, exalta a possibilidade do meio termo no uso das

paixões, para que em nada contrariem a razão. As paixões servem para classificar os homens e

descobrir se o que sentem é necessário para que quem quer convencê-los aja sobre eles. Há tantas paixões quanto auditórios, talvez mesmo julgamentos, com seus lugares comuns, seus

topoi8. O despertar das paixões no âmbito dos discursos políticos, seguindo as percepções de Aristóteles, indicam que quando as paixões funcionam, elas atuam como um bom teclado no qual o bom orador toca para convencer.

8 Os topoi são pontos de vista empregáveis em diversas circunstâncias, sendo válidos num âmbito geral de

discussão, na ponderação de pós e contras de opiniões e podendo inferir em o que se é tido verdadeiro e/ou válido. Como exemplo no âmbito jurídico, a dogmática jurídica em relação aos topoi determina os seus critérios para o uso em cada caso específico (ou seja, saber quando se é aplicável um “topos” e quando se é aplicável outro).

A retórica é antes de tudo um ajuste de distância entre os indivíduos. A argumentação, que visa a convencer, insiste na identidade entre o orador e o auditório, mas a argumentação é apenas uma modalidade retórica entre outras, já que se pode muito bem querer reforçar a diferença ou simplesmente sancioná-la (MEYER, 2003, p. 42).

Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 27) alegam que “o grande orador, aquele que tem ascendência sobre outrem, parece animado pelo próprio espírito de seu auditório”. Para ratificar, exemplificando a teoria, lembremos aqui de Getúlio Vargas9 em discurso- mensagem: entusiasmado pelo espírito natalino do auditório, ele se pronuncia ao povo brasileiro às vésperas do dia 25 de dezembro de 1952.

Falando-vos neste dia de fraternidade, em que todo o mundo cristão se debruça comovido diante do berço humilde, não poderia eu deixar de lembrar-me, levado pela sugestão evocativa, dos deveres e obrigações que temos para sem os que agora despontam para a vida e para com as gerações futuras, que serão o Brasil de amanhã e de sempre. Não é o Presidente da República a quem a investidura importa numa tão grave responsabilidade sem o presente e mais ainda com o futuro, quem vos fala nesta hora, mas um homem cuja experiência já é longa e rica de ensinamentos. 'E' este que vos diz que nunca foram tão necessários a harmonia e o entendimento em toda a parte e em nosso país, principalmente como hoje. Não vos estou falando dos simples entendimentos resultantes de combinações políticas, mas de amplo, alto e profundo entendimento, de tolerância mútua, de compreensão verdadeiramente cristã para que sejam enfrentados os obstáculos, vencidas as dificuldades e preservada a herança para os que nos vão suceder. Só assim seremos dignos do legado que representa este grande e promissor país que nos incumbe desenvolver materialmente, mas conservar também intacto das deformações e falsificações que constituem o maior e mais permanente perigo desta época (BIBLIOTECA DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2014).

O discurso de Getúlio Vargas utiliza, com veemência e abundância, meios persuasivos diante de seu auditório. Aristóteles define os meios persuasivos como técnicos e não técnicos. Os meios não técnicos são aqueles que independem do orador, são provas irrefutáveis; já os meios técnicos são as estratégias argumentativas que procuram convencer e persuadir, ou seja, dependem da vontade do orador e do auditório, portanto, no que tange aos personagens em questão, a construção do ethos aprofunda seus significados.

Para Meyer (2007, p. 35), “o éthos se apresenta de maneira geral como aquele ou aquela com quem o auditório se identifica, o que tem como resultado conseguir que suas

9 Getúlio Dorneles Vargas nasceu na cidade de São Borja, no Rio Grande do Sul, no dia 19 de abril de 1882.

Faleceu no Rio de Janeiro, no dia 24 de agosto de 1954. Foi presidente da república (1930 até 1945 e entre 1950 e 1954).

respostas sobre a questão tratada sejam aceitas”. Apresentando a problemática da harmonia no país, Getúlio revela-se, exibe com transparência os obstáculos que ele e a população brasileira precisam transpor. A imagem que o orador passa de si mesmo torna-o exemplar aos olhos do auditório, e este, então, passa a ouvir e seguir sua liderança.

O ethos, segundo Meyer (2007, p. 36-40), remete às respostas, enquanto o

pathos é a fonte das questões, “é o conjunto de valores implícitos das respostas fora da

questão, que alimentam as indagações que um indivíduo considera como pertinentes”. A emoção despertada pelo orador no universo do auditório são valores que podem ser compartilhados pelos entes envolvidos no discurso. Depreender sobre o pathos é compartilhar os valores do auditório. Como veremos nos próximos capítulos, o discurso de Lula orienta-se pela argumentação sensibilizadora de seu auditório, com objetivo de cativar o público para a importância de suas realizações.

Assim, o professor Meyer (2007, p. 40) organiza didaticamente o pathos como dimensão retórica, partindo do que este comporta: “(1) as perguntas do auditório; (2) as emoções que ele experimenta diante dessas perguntas e suas respostas; (3) os valores que justificam a seus olhos essas respostas e essas perguntas”.

A partir da articulação – ethos, pathos e logos –, construiremos o que Meyer chama de edifício retórico, com a organização da disposição, o âmago do edifício retórico. A organização da Retórica é baseada na sistematização de Aristóteles, porém, Reboul e Meyer, cada qual à sua forma, apresentam a construção da retórica. A primeira parte da retórica é a

invenção (heurésis), ou seja, o orador busca os argumentos e os meios persuasivos para o seu

discurso, para isso, faz-se necessário compreender o ethos, pathos e logos.

A segunda parte da retórica é a disposição (taxis), a ordenação dos argumentos, onde está a organização do discurso. A disposição, retomando a retórica clássica, demonstra a apresentação do discurso em quatro partes: o exórdio, parte que inicia o discurso, que chama a atenção do interlocutor, preparando o seu espírito; a narração, onde o logos supera o ethos e o

pathos apresenta-se como o desenrolar dos fatos (como eles acontecem ou podem acontecer).

Segundo Meyer (2007, p. 49), a narração “é o local do verossímil, portanto do possível”. De acordo com Reboul (2007, p. 56), a narração, para ser eficaz, deve ter três qualidades: clareza, brevidade e credibilidade. A confirmação é o terceiro elemento, um conjunto de provas, seguido por uma refutação (confutatio) que destrói os argumentos adversários; para Meyer (2007, p. 48), trata-se de “teses contraditórias e a refutação do que sustenta a posição adversa, seus lugares, ou seja, seus princípios e idéias gerais”. O quarto momento é o da conclusão, onde se fecha o discurso.

A terceira parte é a elocução (lexis), diz respeito à redação escrita do discurso, onde se encontra o uso das figuras. Para Reboul (2004), o que se deve considerar sobre o estilo são três pontos, que correspondem respectivamente aos três polos do discurso: assunto, auditório e orador. A quarta e última parte da Retórica é a ação (hypocrisis), o encontro do verbal com o não verbal.

Utilizando as palavras de Meyer (2007, p. 49), exemplificamos ao destacar o uso de tais argumentos:

Pensemos na retórica de Hitler. Em termos de conteúdo, de argumentos, ela é débil. Seu sucesso deve-se, por um lado não desprezível, a uma oralidade bem particular: sabe-se que marcar as frases subindo de patamar, até a vociferação, permite martelar o auditório, dando a ele o sentimento de ´alçar vôo´ com o discurso. A língua alemã, em que as frases são muito longas, presta-se muitíssimo bem a essa marcação, e carregar nos traços dessa maneira aumenta o caráter persuasivo do discurso (MEYER, 2007, p. 49)

Considerar as partes do discurso é fundamental para analisar a retórica dos oradores do campo político. O ponto crucial do discurso está na organizada construção dos instrumentos de persuasão pensando em cada tipo de auditório. O exemplo acima identifica como o fato se procedeu com Hitler, principalmente no tocante às formas de apresentação do mesmo para a sociedade alemã. Vociferar era uma forma de atingir o nacionalismo exacerbado do povo alemão ao ponto de fazer brotar o xenofobismo. Estimular os desejos mais profundos está entre as estratégias utilizadas pela propaganda nazista.

Assim, temos um ethos indo ao encontro do pathos. Verificaremos, então, no objeto de estudo desta pesquisa, os argumentos que salientam o ethos do orador e o apelo às

paixões no auditório. Para Aristóteles (2003, p. 42), as paixões aparecem acompanhadas de

dor ou prazer, provocando transformação no espírito do receptor; uma lição indispensável à persuasão e que é fruto da sensibilidade dos oradores para os valores do outro.