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MARCOS ROBERTO CÂNDIDO. COMPAIXÃO E PROTEÇÃO: a argumentação sensibilizadora do vídeo Despedida à Nação do presidente Lula

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MARCOS ROBERTO CÂNDIDO

COMPAIXÃO E PROTEÇÃO: a argumentação sensibilizadora do vídeo

Despedida à Nação do presidente Lula

FRANCA

2014

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MARCOS ROBERTO CÂNDIDO

COMPAIXÃO E PROTEÇÃO: a argumentação sensibilizadora do vídeo

Despedida à Nação do presidente Lula

Dissertação apresentada à Universidade de Franca, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Linguística. Orientador: Prof. Dr. Fernando Aparecido Ferreira

FRANCA

2015

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DEDICO este trabalho a todos que pesquisam a retórica e contribuem para clarear os estudos da linguagem, em especial, aos professores Fernando e Maria Flávia, por estimularem meu ingresso como pesquisador na arte de persuadir. .

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AGRADECIMENTOS

Aos meus familiares, em especial, à minha esposa Dreid e ao meu filho João Carlos pela compreensão da minha ausência. Vocês são a semente de tudo.

Ao professor Fernando Aparecido Ferreira, que aceitou o árduo trabalho de orientar um historiador nos estudos da linguagem. Agradeço pela disponibilidade, pelo estímulo, pelo companheirismo e, principalmente, pela competência e sabedoria.

Às professoras do Mestrado em Linguística, Maria Flávia Figueiredo e Camila Ludovice, pelas intervenções esclarecedoras dadas durante o exame de qualificação e, também, ao professor Luiz Antônio Ferreira pelas contribuições feitas a este trabalho no SELINFRAN 2014.

Aos professores do Mestrado em Linguística da UNIFRAN que, com brilhantismo, conduzem o curso e estimulam os seus mestrandos a ampliar os horizontes no campo dos estudos da linguagem.

Aos colegas do Mestrado, pelos sonhos e esperanças divididos no decorrer destes dois anos.

À jovem Mâmbela Magalhães, pela prontidão e competência nas traduções dos textos que contribuíram para a pesquisa.

Ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais-IFSULDEMINAS – instituição que contribuiu para a realização deste mestrado. Agradeço, em particular, ao reitor Marcelo Bregagnoli que, enquanto pró-reitor de Pesquisa e Pós Graduação, viabilizou o convênio com a UNIFRAN. Agradeço também ao diretor-geral do Câmpus Muzambinho, Luiz Carlos Machado Rodrigues, pelo empenho na qualificação dos servidores do câmpus.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, pela concessão da bolsa PROSUP (bolsista-taxista), o que me permitiu cursar o Programa de Mestrado em Linguística da Universidade de Franca.

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O discurso político não esgota, de forma alguma, todo o conceito político, mas não há política sem discurso. Este é constitutivo daquela. A linguagem é o que motiva a ação, a orienta e lhe dá sentido. A política depende da ação e se inscreve constitutivamente nas relações de influência social, e a linguagem, em virtude do fenômeno de circulação dos discursos, é o que permite que se constituam espaços de discussão, de persuasão e de sedução nos quais elaboram o pensamento e a ação políticos.

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RESUMO

CÂNDIDO, Marcos Roberto. Compaixão e proteção: a argumentação sensibilizadora do vídeo Despedida à Nação do presidente Lula. 2015. 139f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade de Franca, Franca.

Viver no coração do povo e continuar vivendo até os últimos dias. Assim terminava o último pronunciamento oficial do presidente Lula em cadeia nacional, ao final de seu segundo mandato. Voltada para seu principal auditório naquele momento – os beneficiários do projeto lulista –, a frase citada demonstra a preocupação do líder em expor a sua proximidade para com seu povo. Nesse sentido, é provocado o sentimento de identidade e intimidade entre o chefe de Estado e a população brasileira que assiste ao pronunciamento. Tal ação caracteriza o emprego das técnicas argumentativas utilizadas pelos líderes políticos para provocar ou aumentar a adesão às suas teses. Sendo assim, o objetivo deste trabalho é depreender as estratégias retóricas presentes no discurso de despedida proferido pelo presidente Lula em 23 de dezembro de 2010. Para proceder à análise, foi tomado, como objeto de estudo, o vídeo

Despedida à Nação, veiculado na TV em rede nacional contendo o pronunciamento. O orador

do discurso em análise faz parte da história política democrática brasileira dos últimos trinta anos e foi eleito presidente da república por dois mandatos. Durante esse período, chamou a atenção pelo carisma que, por sua vez, influenciou sua oratória, empregando elementos retóricos para convencer a população sobre a necessidade do apoio à continuidade do seu projeto político. Assim, o arcabouço teórico deste trabalho associará as concepções da Retórica construídas por Aristóteles (2003), Meyer (2007), Perelman & Olbrechts-Tyteca (2005) e Reboul (2004). Ainda que o vídeo em análise trate de um discurso de prestação de contas e comprovação de eficiência administrativa, outros temas, tais como: confiança, compaixão, amor, esperança, amizade, sonho, proteção e até mesmo religiosidade estão presentes. Estes elementos são explorados visando ao convencimento através de um discurso político quase didático e de forte apelo emocional. Nesse sentido, verificar-se-á, também, como as estratégias argumentativas corroboram a incitação do pathos no auditório, fazendo de Lula um orador carismático e populista.

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ABSTRACT

CÂNDIDO, Marcos Roberto. Compaixão e proteção: a argumentação sensibilizadora do vídeo Despedida à Nação do presidente Lula. 2015. 139f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade de Franca, Franca.

Living in peoples’ heart and keep living until the last days. That’s how President Lula finished his last official speech for national broadcast at the end of his second administration. Directed to his main audience at that moment – the beneficiaries of the “lulism” project – the quoted phrase shows the leader’s concern about exposing his proximity with the people. According to that, a feeling of identity and intimacy between the head of the state and the brazilian population, who watches the statement, is promoted. This action is characterized by the use of argumentative techniques employed by political leaders to induce and increase the adhesion to their thesis. Therefore, the aim of this work is to infer the rhetorical strategies appeared in Lulas’ valediction on November 23, 2010. To perform the analysis, it was taken, as an object of study, the video called Despedida à Nação (Farewell to Nation), broadcast on TV, nationally, with this speech content. The analyzed orator is part of the brazilian democratic political History for the last thirty years and he was elected as the Republic President twice. During this period, he got attention because of his charismatic speech, which influenced his speech, full of rhetorical elements to convince the population about the necessity to support the permanence his political project. Therefore, the theoretical construction of this study will associate Rhetorical conceptions stated by Aristotle (2003), Meyer (2007), Perelman & Olbrecths-Tyteca (1996) and Reboul (2004). Even if the analyzed video reveals an accountability speech and the verification of administrative efficiency, subjects as reliability, compassion, dreams, love, hope, friendship, protection and even religiousness are present. Those subjects are explored in order to persuade people, through a political speech that is almost didactic and has a strong emotional appeal. According to that, we will also verify how argumentative strategies collaborate to pathos incitation on the audience and how it makes Lula a charismatic and populist speaker.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

1 UM HISTÓRICO DA ARTE DE ARGUMENTAR ... 17

1.1 DA SICÍLIA À BÉLGICA – O TRAJETO DA RETÓRICA CLÁSSICA À NOVA RETÓRICA DE PERELMAN ... 17

1.2 A RETÓRICA: do conceito à aplicação nas propagandas e discursos políticos ... 27

1.2.1 A conceituação da retórica ... 27

1.2.2 Ethos, pathos e logos ... 37

1.2.3 Entre o ethos e o pathos: o discurso e a propaganda política ... 41

2 “A ESPERANÇA VENCEU O MEDO”: o processo de construção e utilização da retórica no discurso de Luis Inácio Lula da Silva ... 45

3 COMPAIXÃO E PROTEÇÃO: a argumentação sensibilizadora do vídeo Despedida à nação do presidente lula ... 64

3.1 O CONTEXTO HISTÓRICO DA PRODUÇÃO DO VÍDEO ... 65

3.2 O ETHOS DE LULA: o princípio de autoridade no vídeo Despedida à Nação ... 66

3.3 OS TOPOI NO VÍDEO DESPEDIDA À NAÇÃO – Lula e os lugares da argumentação ... 70

3.3.1 Lugar de quantidade ... 73

3.3.2 Lugar de qualidade ... 77

3.3.3 Lugar de Pessoa ... 80

3.4 A TAXIS DE LULA NO DISCURSO DO VÍDEO DESPEDIDA À NAÇÃO – “o cerne do edifício retórico” ... 82

3.4.1 O exórdio (prooemion, proêmio) ... 84

3.4.2 A Narração (diegésis) ... 87

3.4.3 A argumentação e a demonstração no vídeo Despedida à Nação ... 89

3.4.3.1 Os argumentos quase-lógicos ... 90

3.4.3.2 Os argumentos baseados na estrutura do real e os argumentos que fundamentam a estrutura do real ... 97

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3.5 A ELOCUÇÃO E AS FIGURAS RETÓRICAS DE ACUMULAÇÃO E

COMUNHÃO ... 107

3.6 A AÇÃO: as imagens e o fundo musical reforçando a persuasão ... 110

3.7 CONFIANÇA, BONDADE, COMPAIXÃO E PROTEÇÃO: a incitação do pathos na fala messiânica de Lula ... 114

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 124 REFERÊNCIAS ... 128 ANEXOS ... 133 ANEXO A ... 133 ANEXO B ... 137 ANEXO C ... 138

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INTRODUÇÃO

A retórica está sempre presente na política. A função do poder político é resolver as questões que envolvem a vida dos cidadãos; tal exercício requer o uso da argumentação. Nos debates públicos, na distribuição do poder e no exercício da governabilidade, busca-se organizar a vida pública e governar melhor. A retórica, como estratégia de convencimento pelo discurso, está presente nas práticas políticas. O discurso é alicerce para aqueles que destinam suas vidas para o campo da vida política, pois a palavra é o instrumento fundamental para aqueles que pretendem convencer e persuadir. A palavra é utilizada para mobilizar, conquistar o apoio popular, incitar emoções, etc. Os discursos atuais são proferidos de variadas formas, contando com apoio de sofisticadas tecnologias, porém não abandonam o ponto essencial: o uso da palavra para a conquista de um auditório. Amparado por recursos verbais e não-verbais, o discurso político caminha pelo racional e pelo afetivo.

O vídeo Despedida à Nação, contendo o discurso de Lula veiculado na TV em rede nacional no dia 23 de dezembro de 2010, constitui nosso corpus e representa a síntese de um processo caracterizado como um projeto populista. O líder populista não deseja perder o controle e a tutela das conquistas sociais, utilizando como mecanismo as práticas paternalistas que são apresentadas, entre outros meios, através do discurso político. Segundo Bourdieu (1996, p. 7-9), com essa comunicação o líder converte as relações de força bruta em relações duráveis de poder simbólico.

Palavra, imagem, sons e outros recursos utilizados pela comunicação política reforçam o poder persuasivo dos líderes junto às massas populares. Essa prática contribui para construir a idealização dos atores políticos por eles mesmos. O objetivo é alcançar os anseios da massa e solidificá-los por meio dos programas político-partidários. Ao expor problemas e oferecer sugestões, o discurso político conquista o apoio e a contribuição da população para que as investidas da máquina administrativa se mostrem eficazes em benefício de todos.

O interesse por esta pesquisa partiu de nosso envolvimento com o estudo das lideranças carismáticas no Brasil, em especial do nosso período republicano (1889-2010). Isso justifica as escolhas que fizemos para chegar ao corpus deste estudo. O pesquisador em questão é licenciado em História e atua como professor na rede pública e privada de ensino há

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mais de dezessete anos. A formação em História faz-nos dialogar com as outras ciências humanas cotidianamente. Durante o percurso profissional e acadêmico, indagamo-nos, quase sempre, como as lideranças carismáticas do Brasil conseguiram, apesar das permanências e mudanças da sociedade, agradar seu público com seus velhos e já rotulados discursos. A condição cultural da população brasileira (muitas vezes sem educação formal de qualidade, e com a opinião pública formada por empresas de comunicação onde imperam os interesses mercadológicos e a relação promíscua com o poder) é um elemento que contribui para reforçar o discurso das referidas lideranças.

Nossas motivações para o presente estudo partem de uma análise sobre o exposto no final do parágrafo anterior. Embora nos últimos anos predomine a visão de que com a eleição de Lula (um operário) e de Dilma (primeira mulher eleita presidente da república no Brasil) a alienação política tenha se extirpado da vida política brasileira, pode-se afirmar que tal visão não corresponde ao que se observa por meio das alianças estabelecidas para vencer os pleitos eleitorais brasileiros em 2002, 2006 e 2010. O Partido dos Trabalhadores (PT) aliou-se a grupos políticos tradicionais que durante anos de militância política apoiaram o regime ditatorial tanto quanto o regime democrático por conveniência político-partidária. Não obstante, afirma-se que a maioria política ainda é uma elite que tem horror ao cheiro do povo. Os antigos senhores de engenho transformaram-se nos latifundiários. De senhores de escravos evoluíram para coronéis sertanejos. Passados os anos, a elite governista optou pela metamorfose industrial. Hoje, são burgueses mecanizados e informatizados. Para muitos, a democracia representativa da política nacional está distante. Entende-se que não houve uma revolução no poder político, mas sim uma troca de elites no poder.

Como aluno do Programa de Mestrado em Linguística da Universidade de Franca, tive a oportunidade de me aproximar das teorias linguísticas que envolvem o curso. No decorrer desse aprendizado, nos encontramos com a Retórica e, então, surgiu a oportunidade de promovermos um diálogo entre os aspectos históricos e linguísticos que envolvem o discurso de tais lideranças políticas no Brasil. Considerando o exposto, nos encontramos com o vídeo de Despedida à Nação do presidente Lula, um dos presidentes mais populares do Brasil. Aliando os conhecimentos profissionais com os estudos acadêmicos realizados, buscamos decifrar a estrutura retórica presente no corpus desta pesquisa.

No vídeo Despedida à Nação, Luiz Inácio Lula da Silva destaca-se pelo controle de seu relacionamento com o auditório, valendo-se da palavra e da linguagem visual empregada na mensagem. Mesmo que o vídeo em análise trate de um discurso de prestação de

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contas e comprovação de eficiência administrativa, temas como confiança, compaixão e proteção estão presentes. Esses elementos são explorados visando ao convencimento através de um discurso político quase didático e de forte apelo religioso que incita o pathos no auditório, fazendo de Lula um orador carismático. O discurso de Lula orienta-se pela argumentação sensibilizadora de seu auditório, com objetivo de persuadir o público para a importância de suas realizações.

Não ofereceremos nesta pesquisa fórmulas de como persuadir, muito menos afirmar ou negar o uso da retórica, mas desejamos compreender como esta interfere nas relações entre o político e o povo no Brasil. Nossa pesquisa insere-se nas linhas de estudo dos processos e práticas textuais, suas caracterizações e abordagens teóricas. Nesse campo, atuaremos na perspectiva da Retórica ligada ao projeto de pesquisa “Política e publicidade: explorações retóricas e argumentativas”. A teoria da Retórica permitirá compreender a estrutura dos argumentos verbais e não-verbais de um discurso político. Para a análise do

corpus, consideramos os estudos já realizados no âmbito da retórica nos discursos políticos de

Luís Inácio Lula da Silva em seus dois mandatos presidenciais.

A identificação dos aspectos verbais e imagéticos do corpus, como componentes de produção de sentido visando à persuasão, está balizada pelas obras de Aristóteles, Perelman e Tyteca, Olivier Reboul, Meyer e Koch. Produzido como importante fonte de estudo para aqueles que investigam a arte de persuadir, o Tratado da Argumentação (2009) expõe os aspectos que envolvem o vídeo em estudo pela localização do orador e seu auditório nos âmbitos da Argumentação. A partir daí destacaremos as formas de comunhão pelo discurso, compartilhadas pelo orador e seu auditório.

Para respaldar nossa pesquisa no âmbito da retórica, nos debruçamos, também, sobre a obra de Olivier Reboul (2004) – que define a retórica como a arte de persuadir pelo discurso. O autor expõe que o discurso persuasivo é como levar a crer e, para que isso ocorra, existe tanto uma retórica espontânea capaz de persuadir pela aptidão do orador, quanto uma retórica ensinada como técnicas de expressão e comunicação. O estudioso da Retórica propõe que talvez esse último seja o mais eficaz, porém não descarta que tanto um quanto outro carregam racionalidade e afetividade fazendo da retórica uma técnica. Para estruturar nossa pesquisa, partimos da explicação sobre quais seriam os meios para definir um discurso como persuasivo. Assim, na introdução de sua obra, Reboul realça (2004, p. 12) que os meios de persuasão são de ordem racional ou afetiva, podendo ser ora mais racionais, ora mais afetivos, porém, garante que, em retórica, razão e sentimentos são inseparáveis.

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Por meio das proposições de Aristóteles e Meyer, justificaremos as estratégias argumentativas que corroboram a incitação do pathos no auditório. Contribuiremos também com as noções sobre a função hermenêutica do corpus, ou seja, como o discurso se apresenta frente aos que lhe precederam. De acordo com Ingedore V. Koch (2004, p. 147), pode-se classificar esse momento como o da intertextualidade que, quando empregada como estratégia argumentativa, torna-se crucial para a construção do sentido. Por analogia, identificamos um Lula afinado com discursos de seus antecessores políticos populistas, como Getúlio Vargas. Portanto, para esta pesquisa, nosso objetivo geral é identificar as técnicas argumentativas presentes e suas estruturas para a comunhão dos argumentos, assim como destacam Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p.211) ao afirmar que um esquema argumentativo é compreendido quando se interpreta as palavras do orador e o auditório completa os elos faltantes. Para chegar a tal objetivo, nos debruçamos sobre o vídeo e analisamos as estratégias argumentativas presentes no discurso de despedida proferido pelo presidente Lula em 23 de dezembro de 2010.

Nosso objetivo específico é contribuir para a ampliação dos conhecimentos sob a perspectiva da racionalização do discurso político. Pautado pela retórica para a comprovação (logos), a legitimação (ethos) e a incitação do pathos, buscamos sustentar a tese de que os instrumentos persuasivos empregados no vídeo demonstram a convicção de que o discurso político publicitário do presidente Lula agrada aos seus interlocutores. Destacamos também que a comparação do derradeiro discurso do presidente Lula com outros discursos de despedida de políticos que o precederam, revelam uma intertextualidade entre o corpus e a carta-testamento de Getúlio Vargas.

Este trabalho se organiza em três capítulos. O primeiro versa sobre a conceituação e historiografia dos estudos de retórica, além de expor como esses elementos podem ser empregados para a compreensão da estrutura argumentativa de discursos políticos. O objetivo não é produzir apenas um quadro cronológico de estruturação da retórica no decorrer de seu processo histórico de construção, mas destacar as importantes contribuições teóricas, desde seu nascimento na Grécia Antiga até sua revitalização por meio da Nova

Retórica. Destacamos o pioneirismo de Chaïm Perelman na reabilitação da retórica nos anos

de 1950, bem como suas teorias expostas no Tratado da Argumentação que preconizam o auditório como ponto de partida para a persuasão. Apresentamos os conceitos de retórica balizados pelas obras de Aristóteles, Perelman e Olbrechts-Tyteca, Olivier Reboul e Michel Meyer. Ademais, expusemos as estratégias argumentativas e as concepções de ethos, pathos e

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análise. Os exemplos propostos na construção historiográfica e conceitual contribuem para justificar a aplicação de tais conceitos no âmbito dos discursos políticos e das propagandas governamentais.

O segundo capítulo versa sobre a construção do ethos de Lula no processo de construção de seu ser político. Para isso, lançamos um olhar sobre a história política de Lula no Brasil, da migração do nordeste para São Paulo à eleição como presidente da República em 2002. Evidenciamos a construção do mito através das transformações vivenciadas por Lula no âmbito de sua participação nas campanhas eleitorais e nos dois mandatos como presidente da República. Consideramos o papel do marketing no discurso político visando à construção do político-orador. Para tanto, mostramos sua conceituação na Alemanha Nazista e sua influência nos discursos políticos após a Segunda Guerra Mundial (1945) e, em especial, no discurso de Luiz Inácio Lula da Silva. Ressaltamos, ainda, o uso das técnicas argumentativas e o apelo às paixões para interpretar a argumentação eloquente do orador em estudo.

O terceiro capítulo busca identificar as estratégias argumentativas presentes no

corpus em estudo, tendo como referencial a teoria apresentada no primeiro capítulo.

Apresentamos o contexto histórico da produção do vídeo de Despedida à Nação, assim como os lugares da argumentação como parte do acordo entre orador e auditório. Destacamos a formatação do discurso seguindo os pressupostos de ordenamento propostos por Aristóteles em sua obra denominada A Retórica. Buscamos, por meio de comparações, apresentar elementos retóricos que no passado foram utilizados em outros discursos políticos e que destacam a intertextualidade entre o discurso Despedida à Nação e a carta-testamento de Vargas. Revelamos como os discursos políticos potencializam seus aspectos argumentativos e persuasivos com o auxílio das imagens e dos sons. O capítulo permitirá, ainda, baseado nas teorias do referencial teórico proposto, identificar as paixões que o discurso final de Lula desperta em seu auditório.

Nosso capítulo de análise entremeia-se com a teoria, pois traduz um sentimento despertado por profissionais ligados às ciências humanas, em especial à História (formação deste pesquisador) e não aos conhecedores das teorias linguísticas. Estamos demasiadamente interessados em entender como a palavra contribui de forma efetiva para a permanência no poder em nossa história republicana. Para facilitar a leitura, principalmente dos profissionais citados acima, optamos, neste trabalho, por um caminho que consideramos didático e que, por sua vez, poderá permitir a utilização deste material na composição dos estudos da história política do Brasil e até mesmo reforçar a interdisciplinaridade nas disciplinas desenvolvidas em nossas atividades de ensino.

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O presente estudo não pretende cercar todas as estratégias argumentativas presentes nas palavras de Luiz Inácio Lula da Silva. Sabemos que as palavras, imagens e sons provocam encantamento e envolvimento, mesmo que o auditório pouco saiba de seus verdadeiros significados. Os políticos sabem que a boa utilização da retórica permite sua preponderância em relação aos oponentes. Palavras, imagens e sons podem convencer mais facilmente. Tal estratégia foi assimilada pelo presidente Lula durante sua trajetória política que, do homem simples do povo ao diplomata, todos acabam de alguma forma seduzidos pela palavra.

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1 UM HISTÓRICO DA ARTE DE ARGUMENTAR

1.1 DA SICÍLIA À BÉLGICA – O TRAJETO DA RETÓRICA CLÁSSICA À NOVA

RETÓRICA DE PERELMAN

O nascimento da retórica na Grécia Antiga1 orienta nossos estudos frente aos desafios de compreender a utilização dessa ciência no âmbito dos discursos políticos da sociedade contemporânea. A naturalidade da retórica remonta à Atenas após o período intenso de reformas que levou a pólis2 da oligarquia à democracia. Sólon e Clístenes são

posicionados como os grandes responsáveis por tamanha transformação. Quando ruíam os governos tiranos de Atenas, florescia uma nova concepção de governo onde o cidadão estava comprometido com as decisões públicas em suas cidades-estados.

Ao analisar as cidades-estados da Grécia, Vicentino (2010, p. 110-126) indica que essas, isoladas pelo relevo acidentado dos Balcãs, desenvolveram conceitos heterogêneos de cidadania. Esparta e Atenas surgem como exemplos desse processo. Em Esparta, os direitos e deveres foram pautados pela capacidade guerreira do homem. Nascia o cidadão-soldado3. Já em Atenas surge o cidadão capaz de decidir sobre os melhores caminhos para sua cidade através dos embates dialogais e, preocupados com seus destinos, criam os primórdios da democracia.

1

A civilização grega surgiu entre os mares Egeu, Jônico e Mediterrâneo, por volta de 2000 AC. Formou-se após a migração de tribos nômades de origem indo-europeia. A pólis (cidades-estado), forma que caracteriza a vida política dos gregos, surgiu por volta do século VIII a.C. As duas pólis mais importantes da Grécia foram Esparta e Atenas.

2

Pólis significa cidade-estado. Na Grécia Antiga, a pólis era um pequeno território localizado geograficamente no ponto mais alto da região, e cujas características eram equivalentes a uma cidade. O surgimento da pólis foi um dos mais importantes aspectos no desenvolvimento da civilização grega (ALVES; OLIVEIRA, 2010, p. 108-127).

3

Cidadão-soldado: o princípio da educação espartana era formar bons soldados para abastecer o exército da pólis. Com sete anos de idade o menino esparciata era enviado pelos pais ao exército. Começava a vida de preparação militar com muitos exercícios físicos e treinamento. Com 30 anos ele se tornava um oficial e ganhava os direitos políticos (ALVES; OLIVEIRA, 2010, p. 108-127).

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Democracia implica um sistema governamental em que a soberania popular é aplicada nas decisões dos rumos da nação. Assim sendo, entende-se que, para estar apto a participar da vida pública, o homem tenha construídos seus princípios de cidadania. A preocupação em preparar o cidadão para apresentar suas propostas e decidir sobre os rumos da cidade-estado estimulava o desenvolvimento da arte de convencer e persuadir: eclodia a retórica. Em sua obra Introdução à Retórica, Olivier Reboul nos dá um panorama do início da retórica.

A retórica não nasceu em Atenas, mas na Sicilia grega por volta de 465 a.C, após expulsão dos tiranos. E sua origem não é literária, mas judiciária. Os cidadãos despojados pelos tiranos reclamaram seus bens, e à guerra civil seguiram-se inúmeros conflitos judiciários. Numa época em que não existiam advogados, era preciso dar aos litigantes um meio de defender sua causa. Certo Córax, discípulo do filósofo Empédocles, e o seu próprio discípulo, Tísias, publicaram então uma “arte oratória”

(tekhné rhetoriké), coletânea de preceitos práticos que continha

exemplos para uso das pessoas que recorressem à justiça. Ademais, Córax dá a primeira definição da retórica: Ela é “criadora da persuasão”. Como Atenas mantinha estreitos laços com a Sicília, e até processos, imediatamente adotou a retórica (REBOUL, 2004, p. 2).

Uma anedota da Antiguidade Clássica ilustra a criação da retórica pelos sicilianos Córax e Tísias, iniciando, desse modo, o estudo da linguagem não enquanto "língua", mas enquanto "discurso" (isto é, resultado de um ato de enunciação concreto ou "fala"). Tísias era discípulo de Córax e, quando o mestre lhe cobrava as aulas ministradas, recusava-se a pagar, alegando que, se fosse bem instruído pelo mestre, estaria apto a convencê-lo de não cobrar, e, se este não ficasse convencido, seria porque o discípulo ainda não estava devidamente preparado, fato que o desobrigava de qualquer pagamento. Plantin (2010, p. 5-6) esclarece o ocorrido:

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Outros problemas, que não pararam de alimentar a reflexão sobre a argumentação, estão presentes também na sua origem. Algumas narrativas fazem de Tísias um discípulo de Córax. Córax teria aceitado ensinar as suas técnicas a Tísias e ser pago em função dos resultados obtidos pelo seu aluno - o que prova, aliás, uma bela confiança na eficácia destas técnicas. Se Tísias ganha o seu primeiro processo deve pagar ao seu mestre; se perde, não tem que pagar nada. Que fez Tísias, depois de ter terminado os seus estudos? Instaurou um processo ao seu mestre, sustentando que nada lhe devia. Com efeito, este primeiro processo, ganha-o o aluno Tísias, mesmo que perca. Primeira hipótese, ele ganha; pelo veredicto dos juízes ele não deverá nada ao seu mestre. Segunda hipótese, ele perde; pela combinação privada com o seu mestre, ele nada lhe deve. Em ambos os casos, Tísias nada deve a Córax. Que responde Córax? Constrói o seu contra-discurso retomando, palavra por palavra, o esquema da argumentação de Tísias, mas invertendo-o. Por conseguinte, primeira hipótese, Tísias ganha o processo; donde, pela combinação privada, ele deve pagar. Segunda hipótese, Tísias perde o processo; pela lei, Tísias deve pagar pelo ensino recebido. Nos dois casos, Tísias deve pagar. Os amadores notarão que desta vez é com o cinema que os estudos da argumentação partilham esta variante da cena primitiva de O Regador Regado. A anedota deve ser lida a vários níveis. Poderíamos tomá-la como uma brincadeira de mau gosto, como os juízes que, face a esta aporia (dilema insolúvel), correriam os contendores a golpes de vara. Mas poderemos ver funcionar, sobretudo, uma operação maior da argumentação: a inversão de um discurso por outro discurso; tudo o que é feito através das palavras pode ser desfeito pelas palavras. Sublinhar-se-á, principalmente, a contradição decorrente das obrigações derivadas da combinação privada e as que estão ligadas a uma decisão de justiça. É uma das tarefas constantes da argumentação tentar desembrulhar as situações às quais se aplicam sistemas de normas heterogéneas.

Rector era a palavra grega que significava "orador", o político. No início, a

retórica não passava de um conjunto de técnicas de bem falar e de persuasão para serem usadas nas discussões públicas. A sua criação é atribuída a Córax e Tísias (V a.C), tendo sido desenvolvida pelos sofistas que a ensinaram como verdadeiros mestres. Entre estes, destaca-se Górgias.

Com Górgias surge uma nova fonte da retórica: estética e propriamente literária. Nascido por volta de 485 a.C, Górgias viveu cento e nove anos, sobrevivendo, pois, a Sócrates. Também siciliano e discípulo de Empédocles, em 427 a.C foi para Atenas numa embaixada. Diz-se que ali sua eloquência encantou os atenienses a tal ponto que ele teve de prometer-lhes que voltaria (LEMOS, 2006, p. 26).

Os sofistas cuidaram de levar a teoria retórica para Atenas. Para isso procuraram elaborar estudos gramaticais que oferecessem condições de exercitarem a teoria retórica. As frases bem elaboradas, os discursos retóricos foram cultivados como uma regra gramatical. Entre os próprios sofistas estimulava-se o debate com opiniões diferentes

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utilizando como princípio os argumentos verossimilhantes. Em Abreu (2009, p. 32), vamos encontrar o esclarecimento da retórica clássica quando indica que esta se fundava na diversidade dos pontos de vista. Os sofistas acabaram por desenvolver uma forma de fazer retórica que incomodava Sócrates e Platão. “Platão, por exemplo, em sua obra chamada

Górgias, procura mostrar que a retórica visava apenas os resultados, enquanto que a filosofia

visava sempre o verdadeiro” (ABREU, 2009, p. 32). Para os opositores da retórica, tal qual estava concebida, os sofistas preocupavam-se apenas com o seu ensino, no sentido de buscar a persuasão, servindo-se de argumentos ilusórios e outras formas de convencimento, distanciando da proposição de moral constituída por Sócrates. O filósofo do “conhece-te a ti mesmo”, preocupado com os rumos da filosofia e da própria ciência retórica, afasta-se dos sofistas e constitui o que chamamos de filosofia socrática.

Assim, temos uma retórica como discurso de poder ou daqueles que pretendem exercê-lo. Perelman e Olbrechts-Tyteca (2004, p. 178) dizem que o retor grego educava os seus discípulos para a vida ativa na cidade com o objetivo de construir homens públicos qualificados e sensatos, capazes de intervir de forma eficaz tanto nas deliberações políticas como numa ação judicial. Para sustentar a política da pólis, os cidadãos eram educados para expor seus ideais que, por sua vez, deveriam pautar suas escolhas. Partindo do pressuposto de persuadir e convencer com o discurso retórico, o orador apresenta sua “justeza”4 de posição.

Os sofistas estão, sob esta ótica de persuadir pelo discurso, sem preocupações com a coerência da racionalidade.

Nem todos os sofistas trilharam o caminho da retórica apenas com o intuito de persuadir sem uma construção racional da mesma. Um exemplo é Protágoras. Segundo Fonseca (2004, p. 102), “a mais importante doutrina herdada da Magna Grécia por Protágoras foi a das antíteses”. Protágoras argumentava que o Kairós5 retórico “devia ser considerado

mais num plano semântico-expressivo que moralista” (FONSECA, 2004, p. 102). Desenvolve-se, assim, a arte de vencer uma discussão contraditória, mais tarde identificada como dialética.

Conforme Fonseca (2004, p. 102), “os famosos dissói lógoi desenvolveram a técnica da contradição a ponto de poder ser considerada como o aspecto mais significativo da retórica sofística”. Reboul (2004, p. 7) atribui destaque a Protágoras como um filósofo interessado em construir sua retórica a partir dos gêneros dos substantivos, dos tempos

4 Qualidade do que é justo, exato, preciso, certo.

5 Kairós (em grego καιρός) é uma palavra da língua grega antiga que significa “o momento oportuno”, "certo"

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verbais, da psicologia dos personagens criados por Homero na Ilíada e na Odisséia, ou seja, o que podemos atribuir como Gramática. O filósofo de Abdera caracterizou sua retórica a partir do homem como medida de todas as coisas, assim como Reboul destaca no trecho seguinte:

Recordemos as teses de Protágoras: o homem é a medida de todas as coisas, em outras palavras, as coisas são como aparecem a cada homem; não há outro critério de verdade. O que produz o mais completo relativismo, porque, se uma coisa parece bela a um, feia a outro, fria a um, quente a outro, grande a um, pequena a outro, será as duas coisas ao mesmo tempo. Não há mais nenhuma objetividade, nem mesmo lógica, pois o princípio de contradição não vale mais. A cada um a sua verdade, e todas são verdades. A cada um: mas, em Protágoras, o “cada um” é tanto a cidade quanto o indivíduo; é a cidade que, em nome de seu próprio interesse, decide sobre os valores e as verdades (REBOUL, 2004, p. 8, grifos do autor).

Através do exposto acima, Protágoras promove possibilidades no entendimento do conceito de retórica. Ao apresentar os contraditórios, permite que a verdade possa ser compreendida da forma com que cada homem ou cidade a entenda. Por isso, muitos se opuseram à sua prática de entendimento da filosofia e da própria retórica, como Sócrates e Platão. Segundo os filósofos, a retórica era a negação da própria filosofia. Platão procura esclarecer em alguns textos uma evidência de que o discurso argumentativo dos sofistas visa à manipulação do cidadão, enquanto que o discurso argumentativo filosófico procura elucidar seus conhecimentos. Platão, de origem aristocrata e discípulo de Sócrates, exaltava o debate e a conversação como mecanismo para obter o conhecimento. A educação deveria funcionar como forma de desenvolvimento do homem moral. Para Platão, “há na alma, ao lado da razão, um princípio ativo e um princípio passivo, ação e paixão se compensando, de certo modo” (MEYER, 2003, p. 21). Surge daí um dilema: “A Razão tende para um bem e o conhecimento deste leva naturalmente a praticá-lo” (MEYER, 2003, p. 22).

De acordo com o platonismo, a paixão despertada pelos discursos retóricos é um produto do mal, assim como a ignorância é um produto da ausência da razão. Assim, o sábio, portador da razão, está no Bem, onde conseguiu dominar ou eliminar suas paixões. Platão analisa as paixões como oponentes da razão. Articulando a concepção de retórica dessa forma, Platão desconfia do uso que os sofistas faziam da linguagem, pois, segundo ele, a única verdade estava no mundo inteligível. A proposta platônica acabou denegrindo a imagem dos sofistas e da própria retórica, conforme relata Abreu (2009, p. 32) em sua obra A arte de

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Isso fez com que a retórica decaísse perante a opinião pública (discurso do senso comum) durante séculos. A própria palavra SOFISTA passou a designar pessoa de má fé que procura enganar utilizando argumentos falsos. O interessante é que o próprio Platão, na sua República, utiliza amplamente os recursos retóricos que ele próprio condenava. Nietzsche comentou, ao seu estilo, que o primeiro motivo que levou Platão a atacar Górgias foi que Górgias, além de seu sucesso político, era rico e amado pelos atenienses. Dizem, também, que um dos motivos do declínio da retórica foi que a experiência democrática dos gregos foi muito curta. Acabou em 404 a.C., quando Atenas foi subjugada por Esparta, ficando assim eliminado o espaço para a livre crítica de ideias e o debate de opiniões.

Para Platão, conhecer a verdade era aquilo que o homem deveria procurar sempre, antes mesmo de qualquer mecanismo de construção do discurso retórico. A partir desta concepção, tem-se a compreensão de que o homem, o cidadão, entregue às paixões, possivelmente sofrerá a interferência da força de seus sentimentos quando lhe for requisitada uma conduta racional e ética.

Tomando um posicionamento próprio frente aos ensinamentos de seu mestre Platão, Aristóteles apresentou a retórica como técnica argumentativa. O filósofo estagirita é apontado como um divisor de águas da filosofia e da própria arte retórica. Filósofo, cientista e educador grego (384 a.C – 322 a.C), Aristóteles nasceu em Estagira, na Macedônia, filho de um médico, chamado Nicômaco – ligado ao rei Amintas II, da Macedônia. Quando jovem, foi enviado à Atenas para estudar na Academia de Platão, onde ficou por 20 anos, primeiro como aluno e depois como professor. Após a morte de Platão, ele partiu para Asso, na Mísia da Ásia Menor. Os avanços do exército de Felipe II aceleraram sua saída de Atenas devido à relação de proximidade com a família do rei da Macedônia. Aristóteles faleceu com poucos mais de 60 anos e deixou um vasto estudo sobre a retórica.

Aristóteles preocupou-se com o desenvolvimento do homem e sua participação nas decisões das coisas públicas. Sua Teoria da Argumentação procurou um meio caminho entre Platão e os sofistas, conforme Perelman e Olbrechts-Tyteca (2004, p. 178): “Aristóteles ocupa, como sempre, uma posição mediana. Mesmo concedendo a primazia à vida contemplativa, admite que um bom cidadão não pode contentar-se com ela”. O estagirita entende a retórica como uma arte que visava descobrir os meios de persuasão possíveis para os vários argumentos. Na opinião de Reboul (2004, p. 23), o grande trunfo da retórica aristotélica foi entender o discurso através de objetos coesos, procedendo por meio dos silogismos implícitos (entimemas), ou seja, do raciocínio que apresenta pelo menos um argumento que contém uma premissa não explícita, subentendida ou oculta. Ainda segundo o

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estudioso francês, a retórica aristotélica passa “de uma arenga propagandística, do tipo ‘vocês vão ver o que vocês vão ver’, para uma argumentação rigorosa” (REBOUL, 2004, p. 23).

A retórica irá evoluir a partir da proposta aristotélica e adotará o conceito de construção ou composição de discursos bem dispostos e com requintes de beleza (estética), saindo da linha argumentativa defendida pelos sofistas. De acordo com Reboul (2004, p. 24), “dando à retórica uma definição mais modesta que a dos sofistas, ele [Aristóteles] a torna muito mais plausível e eficaz. Entre o ‘tudo’ dos sofistas e o ‘nada’ de Platão, a retórica se contenta com ser alguma coisa, porém de valor certo”.

Para Aristóteles, a retórica não é tão-somente o poder de persuadir, mas o ofício de encontrar os caminhos de persuasão para cada acontecimento. O Helenismo6 permitiu uma boa difusão da retórica. Os romanos tardaram em manifestar-se sobre a arte de persuadir, não por desconhecimento, já que Cícero deu contribuição importantíssima com suas obras De Oratore e Orator. Procurando sistematizar os fundamentos da arte em questão, Cícero entendeu que esta é uma ciência e, para exercitá-la, faz-se necessário um conhecimento profundo do que se pretende manifestar.

Todavia, enquanto na Grécia os jovens, já no século IV a.C., frequentavam as escolas dos sofistas, onde se adestravam em política, moral e retórica; enquanto aproximadamente por 339 a.C. Aristóteles nos legava sua Arte

Retórica, os romanos ainda em 92 a.C. fechavam escolas de retores, embora

já as houvesse em Roma fazia algum tempo em língua grega e, depois de 95 a.C., também em latim. Mas é claro que os romanos acabariam por adotar a retórica, esse “poder” extraordinário sobre as pessoas, essa faculdade, no dizer de Aristóteles, capaz de descobrir todos os possíveis meios persuasivos sobre qualquer assunto (PETERLINI, 2004, p. 121).

Perelman (2004, p. 179) defende que a “cristianização subsequente do mundo ocidental deu origem à idéia de que, sendo Deus a fonte do verdadeiro e a norma de todos os valores, basta confiar no magistério da Igreja para conhecer”. O decurso da Idade Média vislumbrou uma retórica enraizada na teoria clássica da arte, acrescida das contribuições de Quintiliano, Cícero e Santo Agostinho. Entre os clérigos, cresce a importância da arte retórica a ponto de ocupar posição de destaque na educação medieval, o famoso Trivium – que corresponde à fase inicial do ensino universitário durante a Idade Média, caracterizado por

6 O período helenístico é caracterizado principalmente por uma ascensão da ciência e do conhecimento. A cultura

essencialmente grega se torna dominante nas três grandes esferas atingidas pelo Helenismo, a Macedônia, a Síria e o Egito. Mais tarde, com a expansão de Roma, cada um desses reinos será absorvido pela nova potência romana, dando espaço ao que historicamente se demarca como o final da Antiguidade. Antes disso, porém, os próprios romanos foram dominados pelos gregos, submetidos ao Helenismo, daí a cultura grega ser depois perpetuada pelo Império Romano (VICENTINO, 2010, p. 110-126).

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possuir três disciplinas: gramática latina, lógica e retórica. Subordinadas à filosofia e à retórica ao universo da teologia, o avanço dos estudos retóricos não ocorreu em virtude de uma adequação da ciência a valores e verdades já estabelecidos, conforme Perelman (2004, p. 179) ressalta:

A idéia de que, em qualquer matéria, Deus conhece a verdade e a única tarefa dos homens é descobri-la, serviu para condenar, como pertencentes à opinião, as teses controvertidas; cumpre descartar, porque fundamentadas em preconceitos, as paixões e a imaginação, indignas por conseguinte de serem consideradas científicas, as teses que não se impõem a todos por sua evidência.

Atribuindo o caráter político da retórica no medievo, encontramos esta vinculada às leis romanas e, nesse contexto, Cícero exerce papel primordial na difusão da sistematização aristotélica das técnicas de persuasão do discurso Reboul (2004, p. 76) destaca que a tradição clássica da retórica estendeu-se ao mundo medieval e foi ensinada durante toda a Idade Média, utilizada inclusive como elemento primordial da educação do período. O historiador Le Goff (2002, p. 98) exprime que a retórica adentrou no século V com as obras de Santo Agostinho, onde temos um enfrentamento entre a cultura cristã e a cultura pagã. O filósofo de Hipona7 defende que os cristãos utilizaram a filosofia antiga grega, principalmente Platão e Aristóteles, para justificar as práticas cristãs, conforme encontramos na citação abaixo:

Destaquemos, pois, que, para a aceitação e prestígio da Retórica entre os cristãos, inclusive compondo as disciplinas do Trivium, foi fundamental a posição de Santo Agostinho (354-430 d.C.), que a defendeu veementemente dos seus opositores, considerando-a, na esteira de Platão (427-347 a.C.), um eficiente meio de catequese das almas e canalizando-a para o ensino das virtudes cristãs, para a exegese da Bíblia. Enfim, assumindo uma posição teológica e ética, propugnou a importância da prédica clerical, apoiada na fé, na pedagogia do amor, na retidão do pregador, na capacidade de evocação do ouvinte, nas Escrituras como base do conhecimento e fonte de provas incontestáveis (diferindo, desse modo, dos romanos céticos, amorais, políticos defensores de probabilidades) (MALEVAL, 2014, p. 9).

7 Segundo Gareth B. Matthews (2007), em 391, durante uma visita a Hipona, distante cerca de 240 quilômetros,

Agostinho assistiu a uma missa na catedral, onde a congregação reunida em assembléia insistiu para que ele aceitasse o sacerdócio, a fim de auxiliar o então bispo de Hipona, Valério. E assim foi ordenado. Cinco anos depois, ele próprio seria eleito bispo de Hipona. Agostinho fundou uma comunidade monástica em Hipona, que passou a ser sua própria comunidade pelo resto da vida. Sua vida como bispo incluiu deveres pastorais, assim como uma vasta gama de responsabilidades administrativas.

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Na Idade Moderna, a retórica ainda despertou o interesse dos clérigos, embora tenha sido o período em que a arte de persuadir e convencer tenha passado pelo descrédito. Temos, nesse período, a oratória do Padre Antônio Vieira. Jung (2008, p. 54) escreve sobre o poder de persuasão dos sermões de Vieira.

Vieira possuía a singular capacidade de converter suas idéias em fortes argumentos teológicos por meio de um rebuscado processo de harmonização de analogias entre textos da Bíblia e o fato histórico do seu tempo em apreço; usava essas explicações tanto para pregar a respeito do maravilhoso e sobrenatural, como para corrigir os costumes da época. Nas suas pregações valia-se da aplicação literal das Escrituras, mas principalmente, das interpretações figurativas. Notamos casos nos quais Vieira força a interpretação de textos, na sua incansável procura por autoridade para sua argumentação. Outras vezes, o raciocínio torna-se tão sutil que compromete a sua compreensão; também aparecem casos insólitos, difíceis de aceitar.

Ainda na Idade Moderna, a filosofia racionalista de Descartes enfatiza as evidências em detrimento dos argumentos verossímeis. Do ponto de vista de Perelman (2004, p. 179), as vertentes filosóficas – racionalismo e empirismo – que dominaram a filosofia moderna não poderiam conceder nenhum espaço à retórica, “a não ser como técnica de apresentação e de formalização das idéias”. O racionalismo não permitiu espaço à retórica, pois, a partir das ideias claras e distintas de René Descartes, estruturou-se em verdades inquestionáveis e inatas. Considerando que a retórica se apresenta pelo que é verossímil e não como fruto de cálculo exato e preciso, permitindo sempre entender o que escapa às evidências, a proposta cartesiana racionalista acabou por obscurecer a retórica nos séculos XVII e XVIII.

Com o desenrolar das teorias cientificistas e não menos racionalistas do século XIX, não houve abertura para os estudos retóricos, prevalecendo a versão mecanicista. Quase condenada ao ostracismo, coube ao belga Chaïm Perelman resgatá-la no século XX.

Desde os anos de 1960, a teoria argumentativa de Perelman (1958) e do Grupo µ de Liège (1970), procura reunir a orientação retórico-dialética com um pé na teoria clássica greco-romana da persuasão e outro na retórica-poética do medievo, renascimento e barroco caracterizados pela arte poética. Segundo Coelho (2005), em seu prefácio à edição brasileira da obra Tratado da Argumentação: a nova retórica, o pioneirismo de Perelman é de inquestionável importância para a reabilitação da retórica.

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Antes dele, a noção aristotélica, e as extraordinárias possibilidades que propicia, não despertaram o interesse de sucessivas gerações de filósofos. É certo, também, por outro lado, que o pensador belga não se limitou a transpor acriticamente o conceito de dialética da Antiguidade aos nossos dias. Pelo contrário, suas reflexões sobre o discurso argumentativo e a introdução dos conceitos de auditório interno e universal ampliaram, de modo significativo, o conhecimento acerca desse processo de comunicação. O ponto de partida de Perelman é o modo pelo qual se entendeu, a partir da codificação napoleônica principalmente, o raciocínio jurídico, isto é, o relacionamento com a aplicação do direito. (...) Perelman percebe que considerar irracional a aplicação do direito importa renunciar a qualquer filosofia prática a abandonar a disciplina da conduta humana ao sabor de emoções e interesses, quer dizer, confiá-la à violência. Insatisfeito com a afirmação da irracionalidade da aplicação do direito, Perelman elege como projeto teórico a pesquisa de uma “lógica dos julgamentos de valor”. Daí nascerá a nova retórica (COELHO, 2005, p. 14).

A obra de Perelman e Olbrechts-Tyteca ancora-se em três partes: os pressupostos, os pontos de partida da argumentação e as técnicas argumentativas. Temos, no conjunto da obra, uma redefinição da retórica, considerando que a Nova Retórica concebe a argumentação vinculada à tradição da retórica e da dialética gregas e contribui para a concepção do esquema argumentativo composto por auditório, acordos e técnicas ou estratégias argumentativas, contemplando a divisão em orador-discurso-auditório, conforme os pressupostos da retórica e da dialética aristotélicas.

O discurso torna-se, então, um elemento essencial da argumentação, onde o conceito de auditório passa a fundamentar a adesão dos espíritos. Para reforçar o acordo do orador com o auditório, os autores apresentam a possível lógica da probabilidade para provar a argumentação através de argumentos quase-lógicos, ou seja, “seu caráter não-formal e o esforço mental de que necessita sua redução ao formal” (PERELMAN; OLBRECTHS-TYTECA, 2005, p. 220) e os argumentos fundados na estrutura do real, ou seja, os argumentos que “valem-se dela para estabelecer uma solidariedade entre juízos admitidos e outros que se procura promover” (PERELMAN; OLBRECTHS-TYTECA, 2005, p. 300). Assim, o Tratado da Argumentação enfatiza a missão de romper o racionalismo cartesiano.

A Nova Retórica, com atributos de ressurgimento, conforme Chaïm Perelman, coloca a argumentação inserida no contexto de direção a um auditório determinado. Assim sendo, o orador tende a exercer uma ação de persuasão e convencimento sobre o que se denomina auditório. A noção de auditório, no contexto dos discursos retóricos da atualidade, será o mote central da concepção de argumentação, por se constituir no ponto de partida do discurso. Torna-se clara aqui a distinção entre a retórica (argumentação) e a lógica (demonstração). Mosca (2004, p. 22) sintetiza a proposta da Nova Retórica:

(27)

O discurso persuasivo, aquele destinado a agir sobre os outros através do

logos (palavra e razão), envolve a disposição que os ouvintes conferem aos

que falam (ethos) e a reação a ser desencadeada nos que ouvem (pathos). Estes são os três elementos que irão figurar em todas as definições posteriores e que compreendem o instruir (docere), comover (comovere) e o agradar (delectare).

Os trabalhos atuais da Nova Retórica orientam-se por esses caminhos e são balizados pela aproximação entre retórica e dialética, conforme proposto por Aristóteles. Porém, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 8) justificam o Tratado da Argumentação como um estudo que somente “versará sobre recursos discursivos para se obter a adesão dos espíritos: apenas a técnica que utiliza a linguagem para persuadir e para convencer”.

Para concretizarmos o estudo da temática proposta por este trabalho, que é o acordo entre orador e auditório no âmbito dos discursos políticos, importa-nos discutir sobre o estabelecimento dos recursos discursivos que, de acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 8), visam obter a adesão dos espíritos. Para conseguir tal êxito, torna-se relevante o acordo prévio do orador com o auditório, principalmente considerando que este acordo envolve proposições já aceitas pelo auditório. São sobre essas proposições que o orador construirá seu discurso procurando a adesão do auditório. As estratégias argumentativas reabilitadas pela Nova Retórica influenciarão o entendimento das construções dos discursos com acordos baseados nos variados auditórios. Um dos acordos possíveis se estabelece entre o político e seus eleitores. Procuraremos, nos tópicos seguintes, analisar a técnica que utiliza a linguagem para persuadir e convencer através de suas aplicações nas propagandas e discursos políticos.

1.2 A RETÓRICA: do conceito à aplicação nas propagandas e discursos políticos

1.2.1 A conceituação da retórica

O sistematizador do raciocínio lógico e da arte retórica, Aristóteles, compreende esta como uma rigorosa técnica de argumentar, onde os entimemas (silogismos) são os responsáveis pela ligação conceitual e técnica do discurso. A utilização dos silogismos no campo da retórica, apesar de convincentes, são refutáveis, o que difere da lógica, onde os

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mesmos silogismos são produções irrefutáveis. Para alguns, a retórica não trabalha sobre princípios, não pode ser considerada uma arte. Aristóteles, para Reboul (2004, p. 24), “dá à retórica uma definição mais modesta que a dos sofistas, ele a torna muito mais plausível e eficaz (...) a retórica contenta em ser alguma coisa, porém de valor certo”.

Iniciando sua obra A Retórica, o estudioso Michel Meyer escreve que, desde os primórdios de sua emergência, a retórica é mal interpretada e carece de notabilidade, pois “seu terreno é o incerto e o vago, o duvidoso e o conflitante” (MEYER, 2007, p. 19). Ainda segundo o professor Meyer (2007, p. 21), as definições de retórica podem ser organizadas em três categorias, considerando sua construção na história:

1) Platão a definiu como “manipulação do auditório”. 2) Quintiliano dizia ser ela “a arte de bem falar”.

3) Aristóteles direciona para a “exposição de argumentos ou de discursos que devem ou visam persuadir”.

Para cada uma delas existe uma ponderação que justifique sua utilização, como esclarecido nas palavras de Meyer (2007, p. 21):

Da primeira definição decorrem todas as concepções de retórica centradas na emoção, no papel do interlocutor, em suas reações, o que atualmente implica propaganda e publicidade. Da segunda, tudo o que diz respeito ao orador, à expressão, ao si mesmo, à intenção e ao querer dizer. Quanto à terceira definição, ela diz respeito àquilo que referimos anteriormente sobre as relações entre o explícito e o implícito, o literal e o figurado, as inferências e o literário. E foi a mescla, ou a adição de tudo isso, que fez da retórica uma disciplina de contornos mal definidos, que, por tratar de muitas questões, parece ela mesma confusa e sem objeto próprio.

Procurando interpretar os dilemas retóricos do mundo contemporâneo, Meyer identifica elementos relevantes para a composição dos estudos sobre os discursos persuasivos. Um deles é a importância da relação entre orador, auditório e mídia. Para Meyer (2007, p. 22), esses elementos são valiosos a fim de que haja retórica nas sociedades atuais. Ao referir-se à mídia – falada, escrita, visual ou pictórica –, o autor é novamente esclarecedor dizendo que o peso das proposições e da linguagem que as veicula é o que pode tornar a retórica mais objetiva e racional. Para obterem êxito, a mídia e a publicidade utilizam a retórica como estratégica discursiva. As práticas persuasivas adotadas por ambas aconselham leitores e ouvintes a seguirem suas indicações e propósitos através de técnicas argumentativas.

Meyer (2007, p. 11) entende que linguagem, razão e sedução fazem parte dessas técnicas e constituem as questões de retórica em nossa época.

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Também a nossa época vive a hora da retórica, com todas as consequências daí decorrentes. Para nos certificarmos disso basta acendermos a televisão, lermos o jornal, ouvirmos os homens políticos ou atentarmos nas mensagens publicitárias. A imagem tem o dever de agradar ou chocar, de seduzir ou convencer. É preciso vender e ser eleito, encantar ou muito simplesmente divertir aqueles cuja atenção nos interessa captar. Tudo se tornou <comunicação>. Da amizade ao amor, da política à economia, as relações fazem-se e desfazem-se por falta ou excesso de retórica (MEYER, 2007, p. 11).

Os grandes dilemas encontrados nos novos estudos retóricos encontram-se nas buscas para clarear a identidade da retórica que, conforme exposto em parágrafos anteriores, foi rejeitada durante os séculos XVII, XVIII e XIX. É preciso deixar de lado a definição propagada na idade moderna, de desprezo pela retórica, ou mesmo no platonismo, que a via como inimiga da verdade, embora o mestre Platão tenha usado e abusado da mesma. A Nova

Retórica dir-se-á estimuladora da descoberta dos artifícios usados na linguagem para

persuadir e convencer. Daí emerge a relevância de buscar os fundamentos dessa ciência que se embaraça com outras no que tange à sua origem e utilidade. Sua definição nos parece bem simples no que se refere à arte de bem falar, demonstrar eloquência ao auditório com objetivo de ganhar sua adesão. Michel Meyer (2007) elaborou uma rica lista de definições para o termo retórica. Vejamos:

1) Persuadir e convencer, criar o assentimento;

2) Agradar, seduzir ou manipular, justificar (por vezes a qualquer preço)

as nossas ideias para as fazer passar por verdadeiras, porque o são ou porque acreditamos nelas;

3) Fazer passar o verossímil, a opinião e o provável com boas razões e

argumentos, sugerindo inferências ou tirando-as por outrem;

4) Sugerir o implícito através do explícito;

5) Instituir um sentido figurado, a inferir do literal, a decifrar a partir

dele, e para isso utilizar figuras de estilo <histórias>;

6) Utilizar uma linguagem figurada e estilizada, o literário;

7) Descobrir as intenções daquele que fala ou escreve, conseguir atribuir

razões para o seu dizer, entre outras coisas através do que é dito (MEYER, 2007, p. 22).

As variadas definições de retórica aqui expostas, interpenetram-se e demonstram entendê-la como princípio não-formal, literal ou aquela que vai ao encontro de compreender este literal. Abreu (2009, p. 25) define o ato de argumentar como a “arte de convencer e persuadir” e, prosseguindo, explica o termo: “Persuadir é saber gerenciar relação, é falar à emoção do outro”. Porém, a mais importante definição do autor aparece nas linhas seguintes, quando esclarece o termo convencer e o relaciona com o persuadir.

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Convencer é construir algo no campo das ideias. Quando convencemos alguém, esse alguém passa a pensar como nós. Persuadir é construir no terreno das emoções, é sensibilizar o outro para agir. Quando persuadimos alguém, esse alguém realiza algo que desejamos que ele realize (ABREU, 2009, p. 25).

A definição proposta por Abreu é objetiva e esclarecedora, principalmente para uma arte que por um determinado período ficou esquecida ou mesmo tratada pejorativamente. Ao ponderar que persuadir é sensibilizar o outro, depreendemos que a argumentação, partindo do que é verossímil, constrói-se nas opiniões aceitas e que são difundidas pelos variados meios de comunicação dos homens. Uma afinada técnica argumentativa soará como uma boa música aos ouvidos do auditório e dele obterá a adesão necessária. Assim pensaram os gregos quando criaram a retórica e a aplicaram na participação dos cidadãos nas decisões das “coisas públicas”. Assim como o diapasão afina os instrumentos e garante a harmonia, Aristóteles sistematiza as técnicas argumentativas e dá o tom da organização dos discursos.

É com Aristóteles que a retórica conheceu o espírito de observação e de sistema; influenciado pelo platonismo, ora fazia objeções à forma com que seu mestre tratava a retórica, ora defendia as críticas feitas por Platão aos sofistas. Segundo Reboul (2004, p. 27), Aristóteles conceituou a retórica como “a arte de defender-se argumentando em situações nas quais a demonstração não é possível”. Assim, a retórica torna-se comum sem ser vulgar, possibilitando que se ampare nos argumentos que cada um pode encontrar por seu bom senso.

A concepção aristotélica nos parece bastante pertinente quando aplicada aos discursos políticos, principalmente no que tange à preocupação do filósofo grego com a construção de tais discursos. Considerando que o propósito desta pesquisa é a análise retórica do discurso apresentado no vídeo de despedida do presidente Lula, em 2010, nada melhor que mergulhar na obra Retórica, de Aristóteles.

Composto de três livros, a Retórica é a obra em que aparece o espírito de sistematização da arte retórica. O Livro I apresenta o artístico como ponto central, e os três gêneros retóricos (deliberativo, judiciário e epidíctico) explicam a divisão dos discursos. Criteriosamente, esclarece a divisão do discurso, apontando o ouvinte ao qual ele se dirige, seu conteúdo, o tempo que ele tem em vista e o seu fim. Fonseca(2004, p. 106) esclarece sobre o livro expondo que “Aristóteles sustenta que não é tarefa da retórica

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Reboul (2004, p. 45) esclarece e exalta a proposta aristotélica de divisão dos gêneros na construção de sua obra Retórica.

Aristóteles, que nunca esquece que é filósofo, mostra que os três gêneros também se distinguem pelo tempo. O judiciário refere-se ao passado, pois são fatos passados que cumpre esclarecer, qualificar e julgar. O deliberativo refere-se ao futuro, pois inspira decisões e projetos. Finalmente, o epidíctico refere-se ao presente, pois o orador propõe-se à admiração dos espectadores, ainda que extraia argumentos do passado e do futuro (REBOUL, 2004, p. 45).

Para Aristóteles, os gêneros do discurso devem levar em conta a quem o discurso é ou será dirigido. Os três gêneros retóricos propostos por ele são o deliberativo, o judiciário e o epidíctico. O gênero judiciário tem uma oratória jurídica e está ligado ao passado, seu propósito comunicativo é a acusação ou defesa. Esse gênero retórico tem como ouvinte um auditório especialista sobre as decisões que deverá tomar, portanto, é um gênero centrado no ratio. Já o gênero epidíctico é um tipo de oratória exibicional, feito para elogiar ou censurar alguém. Este gênero refere-se ao presente. Com a finalidade ou intuito de provar o mérito da honra ou o seu contrário, tal gênero permite ao expectador ou observador decidir sobre a destreza dos oradores.

O discurso político como gênero retórico está mais para o deliberativo. Proferido para membros de uma assembleia que terão que tomar decisões sobre coisas futuras, também é feito para persuadir ou dissuadir tendo em vista o conveniente e ou prejudicial. Dirigido, na maioria das vezes, a um auditório menos especializado, está centrado no ethos, portanto, o uso corriqueiro de exemplos contribui para persuadir o auditório. Para Meyer (2007, p. 28), quando temos uma questão que apresenta uma ou mais alternativas e não encontramos caminhos para decidir, o debate ganha em entusiasmo. Assim, o gênero retórico deliberativo ou político trabalha e pode até falar em paixões que se desencadeiam para permitir a adesão do auditório. O quadro abaixo exemplifica a distinção dos três grandes gêneros retóricos.

Referências

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