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3 COMPAIXÃO E PROTEÇÃO: a argumentação sensibilizadora do vídeo

3.3 OS TOPOI NO VÍDEO DESPEDIDA À NAÇÃO – Lula e os lugares da

3.3.3 Lugar de Pessoa

Esse lugar está baseado no valor da pessoa, ligado à sua importância superior às coisas. Vinculado à dignidade, ao mérito e à autonomia, o lugar de pessoa pretende a valorização do humano em detrimento da valorização do objeto. Esse é o lugar primeiro das pessoas, depois das coisas. Em se tratando de discurso político, esse lugar pode qualificar o trabalho de um candidato em prol do homem e desvalorizar o político obreiro. Abreu (2009, p. 94) exemplifica e baliza nosso conceito de lugar de pessoa no que tange ao discurso político.

Quando um candidato a governador diz, por exemplo, que se for eleito, construirá trinta escolas, seu opositor dirá, utilizando o lugar de pessoa, que não construirá escolas, procurará, isto sim, dar condições mais humanas ao trabalho do professor, melhores salários, programas de reciclagem etc. Dará preferência ao homem, não aos tijolos.

Quando se utiliza dos lugares na argumentação, busca-se eliminar certos elementos e exaltar outros. Os lugares de pessoa estão baseados nessa preferência ao fundamental, ou seja, colocar a figura humana em exaltação. A presença dos lugares de pessoa

no discurso de Lula é muito comum, conferindo valor ao que fora feito com cuidado em prol dos mais necessitados do Brasil, lembrando sempre que isso ocorreu por meio de grande esforço, às vezes, buscando o que muitos julgaram impossível29.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 110) declaram que os lugares de pessoa “podem ser fundamentados nos da essência, da autonomia, da estabilidade”. Esses são outros lugares da argumentação. Porém, os autores defendem ainda que a unicidade e a originalidade relacionadas à pessoa humana garantem eficácia à argumentação e, principalmente, ao acordo com o auditório. O discurso de 23 de dezembro de 2010 orienta-nos para a valorização dos indivíduos em prejuízo dos objetos. É a inserção dos lugares de essência para demonstrar o peso da argumentação que valida as conquistas do governo que se encerra e insufla para o que virá, assim como observamos no trecho abaixo:

Lula DN - 10: Construímos, juntos, um projeto de nação baseado no desenvolvimento

com inclusão social, na democracia com liberdade plena e na inserção soberana do Brasil no mundo. Fortalecemos a economia sem enfraquecer o social; ampliamos a participação popular sem ferir as instituições; diminuímos a desigualdade sem gerar conflito de classes; e imprimimos uma nova dinâmica política, econômica e social ao país, sem comprometer uma sequer das liberdades democráticas.

As últimas palavras, ressaltando as liberdades democráticas, mantêm a dinâmica do lugar de pessoa, pois o termo em questão não se estabelece com pontes, viadutos, escolas ou estradas, mas com o material humano. Buscar o enriquecimento social e melhorar a distribuição de renda sem ferir o direito aos posicionamentos políticos; pelo contrário, o texto prima pela ampliação da participação popular sem, contudo, ferir os poderes constituídos da nação brasileira.

Seguindo o prisma da valorização da pessoa, o presidente apresenta, com ternura, o cuidado para com o povo brasileiro, destacado na posição de quem não vai abandonar o seu povo, vai caminhar junto, vai sofrer junto. É o que vemos no excerto seguinte:

29 Em 23 de dezembro de 2008, o Presidente Lula discursa na celebração do Natal da Vida e da Cidadania dos

Catadores e da População em Situação de Rua em São Paulo (Ver anexo B). O acordo de Lula com o auditório em questão é pautado pelos lugares de pessoa. Momento oportuno para exaltar a figura do homem que luta contra o abandono, o desemprego e a carência de quase tudo. Aqui, não se fazem importantes as obras, mas, em um momento em que todos comemoram e celebram o Natal, o orador opta por levantar o ânimo daqueles que buscam o sustento, muitas vezes, do que sobra de mesas fartas. Lula exorta o homem e a sua luta frente aos desastres. É a evidência dos lugares de pessoa utilizados em prol do discurso político.

Lula DN - 11: “Saio do governo para viver a vida das ruas. Homem do povo que

sempre fui, serei mais povo do que nunca, sem renegar o meu destino e jamais fugir à luta. Não me perguntem sobre o meu futuro, porque vocês já me deram um grande presente”. Perguntem, sim, pelo futuro do Brasil! E acreditem nele. Porque temos motivos de sobra para isso.

O final do ano de 2010 gerava expectativas frente ao que estava por vir. Um novo governo iria se iniciar, e nada melhor do que um presidente com alto índice de popularidade para garantir uma sucessão tranquila e uma passagem de ano com paz. Ao dizer: “não me perguntem sobre o meu futuro, porque vocês já me deram um grande presente”, Lula cria uma ambiguidade retórica com a palavra “presente”, colocando-se grato ao povo brasileiro às vésperas de uma data onde ocorre uma troca de presentes. No caso, ressalta aqueles dados à sua pessoa: a vitória de Dilma Roussef, os altos índices de popularidade e o desejo constante do povo pela sua volta. Por outro lado, o uso do termo também reforça sua consagração no cenário político atual e demonstra que ele não precisa de se preocupar com o futuro, pois o que está por vir será a consequência direta de sua permanência no meio do povo brasileiro, como o próprio afirma em outros tópicos do discurso. A partir dessas análises, é possível perceber um orador com presença marcada por emoções e sentimentos.

Assim, apresentamos, nesta seção, as técnicas argumentativas que dizem respeito aos lugares da argumentação, bem como a primeira fase do edifico retórico: a invenção. No discurso de Lula, os lugares da argumentação ratificam seu papel de liderança persuasiva junto ao auditório. Lula estabelece o acordo com o auditório a partir destes lugares utilizando argumentos prontos e construídos no decorrer de sua vida política – conhecidos por muitos, aliás. Percebe-se que o lugar da argumentação pode ganhar os conteúdos mais diversos, porém, Reboul (2004, p. 51) exprime que não se deve desconsiderar o fato de o lugar ser um “argumento pronto” que o orador pode tocar em qualquer momento. No que diz respeito à invenção, encontramos aqui argumentos que são entendidos como respostas às questões que serão tratadas pelo orador e o tipo de discurso que se vai proferir (MEYER, 2007, p. 46).

3.4 A TAXIS DE LULA NO DISCURSO DO VÍDEO DESPEDIDA À NAÇÃO – “o cerne