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Etiopatogenia

No documento Luxação patelar em cães (páginas 39-46)

CAPÍTULO 1 – Revisão Bibliográfica

4. Luxação de patela

4.7 Etiopatogenia

O desenvolvimento de LP no cão é consequência de uma ou um conjunto de situações complexas, frequentemente relacionadas com deformidades anatómicas no MP que, em última análise, resultam no mau alinhamento do mecanismo do quadríceps (Fitzpatrick, et al., 2012).

Embora a LP não esteja presente ao nascimento, as deformidades esqueléticas que causam estas luxações estão presentes e são responsáveis também pela recidiva da LP (DeCamp, et al., 2016).

As alterações anatómicas mais frequentemente relacionadas com LPM (Figura 7) incluem: coxa vara, cobertura acetabular incompleta, genu varum, mau alinhamento de mecanismo extensor do joelho, torção ou varus femoral distal, instabilidade rotacional da articulação, rotação interna, varus tibial proximal, deslocamento medial da TT, sulco troclear pouco profundo, hipoplasia do bordo troclear medial ou do côndilo femoral medial, displasia da epífise femoral e patela alta (Pinna, et al., 2008; Campbell, et al., 2010; Schulz, 2013; Brower, et al., 2017).

Devido à pouca sustentação científica, os processos da etiopatogenia da LPL em cães têm sido maioritariamente extrapolados a partir dos fatores que contribuem para o desenvolvimento de LPM. Também devem ser contabilizadas como sendo resultado de trauma ou causas iatrogénicas. Contudo, a maioria dos casos pensa-se que existe uma combinação de alterações congénitas ou de desenvolvimento, com múltiplas alterações musculoesqueléticas após o nascimento e culminam numa alteração do alinhamento do MP (Shaver, et al., 2014).

Calcula-se, então, que os fatores de risco para o desenvolvimento de LPL são: displasia Figura 7: Ilustração das deformidades esqueléticas associadas à LPM. A imagem A corresponde ao MP normal e a B demonstra as possíveis deformidades, sendo elas, 1 Coxa vara; 2 Varus femoral distal e genu varum; 3, Sulco troclear pouco profundo; 4, Côndilo femoral medial hipoplásico; 5, Deslocamento medial da TT associado a torsão interna da tíbia; 6,

Varus tibial proximal e 7,

Torsão interna do pé. Adaptado De (Kowaleski, et

21 coxofemoral (por ex. coxa valga e anteversão do fémur), torção femoral interna e valgus femoral, genu valgum, valgus tibial proximal, sulco troclear pouco profundo ou bordo troclear lateral pouco desenvolvido, deslocamento lateral da TT, pes varus e possivelmente patela baixa (Mostafa, et al., 2008; Kalff, et al., 2014; Shaver, et al., 2014).

Uma investigação acerca da etiologia desta patologia em 1969, concluiu que a coxa vara (diminuição do ângulo de inclinação do colo femoral) e a diminuição da anteversão do colo femoral (retroversão relativa) foram fatores de risco significantes (Singleton, 1969). Contudo esta teoria tem sido questionada. O AA é calculado através do ângulo formado entre a linha que divide o colo femoral ao meio e passa pelo centro da cabeça femoral e a linha transcondilar caudal do fémur distal (Figura 8). Designa-se por anteversão um aumento do AA enquanto a diminuição do AA é designada por retroversão (Borjab, 1996; Žilinčík, et al., 2018). A anteversão representa a rotação externa do fémur proximal relativamente ao fémur distal (DeCamp, et al., 2016).

A coxa valga corresponde a uma condição em que existe um aumento do ângulo formado pelo eixo do colo femoral e o eixo da diáfise femoral, enquanto que a coxa vara é a diminuição desse ângulo (DeCamp, et al., 2016). Este ângulo é designado por ângulo de inclinação femoral (AIF). A coxa vara aparece muitas vezes relacionada com LPM em cães de porte pequeno (Soparat, et al., 2012). A coxa valga parece também estar associada a LPM em cães de porte pequeno, não tendo sido até agora encontrada esta correlação em cães de porte grande, o que entra em confronto com teorias anteriores que correlacionavam apenas a existência de coxa vara a LPM (Bound, et al., 2009). Bound et al. concluíram ainda que, a conformação óssea do fémur e tíbia é significativamente diferente entre cães com e sem LP, o que fortalece o conceito de que a existência de alterações ósseas dá origem ou é consequência

Figura 8: Imagem da esquerda corresponde a uma radiografia axial do fémur com a identificação dos eixos (linhas brancas) usados para calcular o AA. A imagem da direita corresponde a uma ilustração de como se obtém o AA. Adaptado de (Adams, et al., 2017; Žilinčík, et al., 2018)

22 da LP (Bound, et al., 2009). A medição do AIF e AA deve ser cuidadosa, já que o posicionamento radiográfico e o grau de relaxamento muscular podem alterar as medições e os ângulos de desvio da tíbia e do fémur (Bound, et al., 2009).

Relativamente à LPL, a existência de coxa valga e anteversão excessiva do colo femoral podem induzir angulação medial relativa e torsão interna do fémur distal, respetivamente. Um aumento do AA pode ser compensatório aquando o cão ajusta a posição da anca, ou de valor fixo devido à existência de deformidade femoral. Tanto a anteversão como a coxa valga contribuem para um deslocamento medial da tróclea femoral relativamente à linha de ação do m. quadríceps tendo como consequência a LPL (L' Eplattenier & Montavon, 2002; DeCamp, et al., 2016).

Patologias ortopédicas concomitantes, tais como a necrose avascular da cabeça do fémur, displasia coxofemoral, cobertura acetabular incompleta e fraturas de fémur e tíbia, podem também constituir fatores de risco de LP, por induzirem encurtamento do MP e desalinhamento do mecanismo do quadríceps (L' Eplattenier & Montavon, 2002).

Alguns estudos indicam que a diminuição do AIF pode estar na origem da coxa vara e genu varum (postura com os MPs arqueados e estão anormalmente separados), ocorrendo deslocamento medial do mecanismo extensor do joelho e alteração do vetor de forças aplicadas na epífise distal do fémur. Considerando que, em cães jovens, a compressão axial da placa de crescimento retarda o crescimento normal e que a força de tração o acelera, é de esperar que que o desalinhamento do mecanismo extensor provoque LPM e compressão da porção medial do fémur distal (Borjab, 1996; Bound, et al., 2009).

No caso da LPL, havendo uma sobrecarga no lado lateral da placa de crescimento distal do fémur, há uma diminuição da velocidade de crescimento ao nível do córtex femoral lateral comparativamente ao medial e, com o tempo, dá-se um angulação lateral do terço distal do fémur. Esta lateralização das forças de compressão exercidas sobre a articulação pode também restringir o crescimento normal da tíbia, levando a um desvio medial do membro ao nível do joelho, condição conhecida como genu valgum. Animais com genu valgum, embora o côndilo tibial medial e o plateau tibial se desenvolvam normalmente, forças excessivas sobre o aspeto lateral das placas de crescimento do fémur distal podem levar a displasia côndilar lateral e LP. Por sua vez, a falta de pressão da patela no sulco troclear durante o crescimento interfere com a aquisição da profundidade adequada do sulco. Durante a contração do m. quadríceps femoral,

23 a patela consegue deslocar-se lateralmente, permitindo usar e provocar erosão o bordo troclear lateral, exacerbando ainda mais este problema (Roush, 1993; Bound, et al., 2009; Kalff, et al., 2014).

Por outro lado, um aumento da pressão a nível medial compromete o crescimento da porção medial da fise femoral e provoca o crescimento acelerado da porção lateral. Desta forma, culmina em varus femoral, que corresponde a uma angulação medial do osso relativamente ao seu plano sagital, e na rotação medial do sulco troclear (Farese, 2006; Kim, 2014). Para compensar esta alteração esquelética e favorecer o correto apoio do MP, ocorre o angulação medial do terço proximal da tíbia (valgus tibial) (Beale, 2012).

O varus femoral é definido como uma angulação de fémur distal em direção à linha média do corpo, e é uma das várias alterações esqueléticas envolvidas no desenvolvimento de LPM (Soparat, et al., 2012). Pode variavelmente ocorrer um crescimento compensatório da tíbia proximal. Em alguns casos, uma pequena compensação acontece e uma deformidade por genu varum é evidente, por outro lado pode ocorrer um valgus tibial proximal (Kowaleski, et al., 2012).

O baixo grau de varus (entre 4º e 8º) está presente na maioria dos fémures dos cães e este parâmetro parece variar entre e na própria raça. Está recomendado corrigir a deformidade varus quando este é superior a 10 a 12º. (Brower, et al., 2017). Um varus femoral distal excessivo move o eixo longo do m. quadríceps femoral medialmente na tróclea femoral, contribuindo para LPM. A pressão permanente ao nível da fise femoral distal gerada pela patela deslocada agrava por consequência as deformidades no fémur (Soparat, et al., 2012). Além disso, Brower et al. afirmaram que se existir um varus femoral excessivo que não seja corrigido cirurgicamente, poderá ser a causa da recorrência de LPM pós-operatória em cães de porte grande. Consequentemente, o tratamento cirúrgico de LPM tem-se focado recentemente em corrigir o varus femoral excessivo com osteotomia corretiva do fémur (Brower, et al., 2017).

As alterações esqueléticas associadas à LPL originam uma força de carga anormal sobre os côndilos femorais durante o período de desenvolvimento do animal. Forças aumentadas diretamente sobre a porção lateral da placa de crescimento femoral distal e côndilo femoral lateral atrasam o crescimento do lado lateral, enquanto um crescimento normal ocorre do lado medial, resultando em valgus femoral distal e hipoplasia côndilar lateral. A combinação destas alterações esqueléticas resulta em genu valgum, onde os joelhos estão anormalmente próximos

24 e as articulações tibiotársicas estão anormalmente afastadas. Também a displasia côndilar femoral lateral está frequentemente associada a uma diminuição do crescimento do bordo troclear lateral bem como um sulco troclear pouco profundo (Borjab, 1996; Kowaleski, et al., 2012).

O deslocamento medial do m. quadríceps encontra-se relacionado com a LPM, mais evidente em casos de LP de graus III ou IV, de tal forma que o ângulo de desvio deste músculo (AQ) aumenta consoante o aumento da gravidade da LPM (Kaiser, et al., 2001; Mortari, et al., 2009). O deslocamento do m. quadríceps pode também ser causado por atrofia do m. reto femoral ou deslocamento medial da inserção da porção cranial do m. sartório (Harasen & Greg, 2006).

A torção lateral da porção distal do fémur desloca a tróclea lateralmente em relação à linha de contração do grupo muscular do quadríceps. Simultaneamente ocorre rotação interna compensatória do MP em cães com LPM secundária à anteversão persistente. Essa rotação interna ao nível da articulação coxofemoral desloca a origem do m. quadríceps medialmente ao eixo longitudinal do fémur e, adicionalmente, a rotação interna da porção distal do MP desloca medialmente a TT. Esta combinação do deslocamento lateral da tróclea e rotação interna da articulação coxofemoral e TT resulta num deslocamento medial do m. quadríceps, em relação ao eixo longitudinal do fémur (Borjab, 1996).

O desequilíbrio muscular entre os constituintes deste grupo muscular podem ser a causa primária do desalinhamento do mecanismo extensor e da LPM. Um estudo de 1995 descreveu existir uma evidente atrofia e fibrose do m. vasto medial em cachorros com casos mais graves de LPM. Uma tensão anormal produzida pelo m. vasto medial alterado e o mecanismo extensor do joelho deslocado medialmente podem produzir um “efeito de arco”, causando assim angulação lateral do fémur e rotação interna da tíbia. A observação em ambiente clínico destas deformidades esqueléticas permite a sua completa correção em cachorros (com menos de dois meses de idade) através da libertação do m. vasto medial, sugerindo esta patologia muscular como causa primária de LPM e das deformidades esqueléticas associadas (Nagaoka, et al., 1995).

Ao haver deslocamento deste grupo muscular, a patela é simplesmente tracionada juntamente com todas as outras estruturas de tecidos moles e ósseos. Para agravar ainda mais o problema, na LP crónica, a patela não exerce pressão no sulco troclear, não permitindo criar um

25 sulco troclear com largura e profundidade suficientes em cães em crescimento (Harasen & Greg, 2006).

Uma lateralização permanente do m. quadríceps resulta numa tensão desequilibrada no côndilo lateral, retináculo medial e cápsula articular. Consequentemente, o retináculo lateral tensiona, enquanto o medial estira ainda mais, exacerbando a LPL (Stanisavljevic, et al., 1976).

A instabilidade articular deve-se à rotação interna compensatória do MP, secundariamente à anteversão. A rotação interna resulta na distensão da cápsula articular lateral e estruturas de sustentação lateral do joelho. Por outro lado, há contratura e espessamento da cápsula articular medial e das estruturas de sustentação medial. Estas alterações anatómicas são imediatamente observáveis aquando a correção cirúrgica da LPM. Adicionalmente, o grupo muscular do quadríceps e patela articulam com os bordos trocleares lateral e medial e fornecem estabilidade rotacional à articulação do joelho. O estiramento das estruturas de sustentação lateral e a perda da estabilidade são responsáveis pela instabilidade rotacional observada em casos de LPM. Em casos de LPL, estas lesões verificam-se do lado simétrico (Borjab, 1996). A cartilagem articular apresenta caraterísticas funcionais de uma placa de crescimento e por isso responde ao aumento ou diminuição da pressão, da

mesma forma que a placa de crescimento da metáfise, isto é, o aumento da pressão retarda o seu crescimento e a redução dessa pressão acelera o seu crescimento. Assim, a articulação da patela no interior do sulco troclear exerce pressão normal ou fisiológica sobre a cartilagem articular, retardando o seu crescimento. Caso essa pressão produzida pela patela sobre a cartilagem articular da tróclea femoral esteja ausente ou diminuída, o sulco troclear não vai apresentar uma profundidade adequada. Assim, não se torna correto dizer que o sulco troclear com pouca profundidade seja a causa da patela luxar (Borjab, 1996; Schulz, 2013).

Foi descrita outra condição que promove o desenvolvimento de LPL. Pes varus é descrito como uma rotação interna da porção distal da tíbia secundariamente ao encerramento prematuro assimétrico da porção medial da

Figura 9: Fotografia pré-cirúrgica do MPD de um cão para avaliar o grau de

26 placa de crescimento distal da tíbia (Figura 9). Com o seu progresso, há um endireitamento vertical compensatório do tarso e da colocação do MP, permitindo a lateralização do MP, lassitude do joelho e, eventualmente, LPL (Johnson, et al., 1989; Izumisawa, et al., 2005; Petazzoni, et al., 2012).

Johnson et al. referem que um desalinhamento proximodistal da patela tem sido proposto como fator de risco para o desenvolvimento de LP, bem como causa de recorrência da luxação pós-cirúrgica (Johnson, et al., 2006).

A patela alta corresponde a uma alteração frequente em cães de maior porte e apresenta- se no facto da articulação da patela com o sulco troclear estar demasiado proximal. Esta condição leva a que, durante a extensão do joelho, o efeito de contenção dos bordos trocleares seja perdido, podendo ocorrer subluxação patelar e, durante a flexão do joelho, exista um maior risco de LPM, especialmente em cães em que se verifique sulco troclear pouco profundo, torsão medial da tíbia, coxa vara ou torsão lateral do fémur distal (Johnson, et al., 2006). Assim, nestes casos, é aconselhável transpor distalmente a TT tendo em vista corrigir esta condição e adicionalmente realizam-se outras técnicas cirúrgicas que sejam necessárias para realinhar a posição da patela no sulco troclear e restabelecer as forças que sobre ela atuam (Johnson, et al., 2006; Mostafa, et al., 2008; Segal, et al., 2012).

Apesar de não existir concordância entre autores, Johnson et al. obtiveram resultados que sustentam o facto de existir uma associação entre o desalinhamento proximodistal da patela (patela alta ou baixa) e o lado em que se dá a LP (medial ou lateral) (Johnson, et al., 2006). Em adição, cães com membros mais retos, como as raças Akita ou o Shar-pei, a patela pode colocar- se mais proximalmente (patela alta), enquanto que em raças condrodistróficas, a patela localiza- se mais distalmente (patela baixa) (DeCamp, et al., 2016). A LPL tem sido associada ao aparecimento da tíbia proximal relativamente longa e patela baixa (Mostafa, et al., 2008).

A LP pode também ocorrer como complicação secundária ao tratamento cirúrgico de RLCCr (Kowaleski, et al., 2012). Nesta condição, as situações propostas para o desenvolvimento de LP envolvem, por exemplo, a falha no encerramento da incisão ou deiscência da incisão do retináculo, potencialmente combinado com atrofia muscular, resultando em falta de controlo muscular (Arthus & Langley-Hobbs, 2007). Dois estudos relataram, após várias técnicas de estabilização de RLCCr, incidências de LP com valores de 0,18% e 0,3%, respetivamente (Arthus & Langley-Hobbs, 2007; Fitzpatrick & Solano, 2010).

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