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EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Desde os primórdios da humanidade o dano gerava uma reação imediata por parte do ofendido que por conta própria exercia sua vingança privada, “[...] entretanto, não se

cogitava do fator culpa. O dano provocava a reação imediata, instintiva e brutal do ofendido. Não havia regras nem limitações.” (GONÇALVES, 2009, p.6).

Uma das primeiras espécies de legislações de que se tem notícia que surgiu com o fito de regulamentar a vingança privada, foi a Lei de Talião que aplicava a pena do “olho por olho, dente por dente”.

Conforme Diniz (2004, p. 10-11):

[...] sob a égide da Lei de Talião, ou seja, da reparação do mal pelo mal, sintetizada nas fórmulas “olho por olho, dente por dente”, “quem com ferro fere, com ferro será ferido”. Para coibir abusos, o poder público intervinha apenas para declarar quando e como a vítima poderia ter o direito de retaliação, produzindo na pessoa do lesante dano idêntico ao que experimentou. (grifo do autor).

Nessa época a culpa não era levada em consideração, sendo o dano suficiente para que houvesse retaliação, e a esse período de vingança pura e simples, sucedeu o período da composição, e consoante Gonçalves (2009, p. 7):

O prejudicado passa a receber as vantagens e conveniências da substituição da vindita, que gera a vindita, pela compensação econômica. Aí informa Alvino Lima, a vingança é substituída pela composição a critério da vítima, mas subsiste como fundamento ou forma de reintegração do dano sofrido.

Com a gradativa evolução da sociedade e do Estado, este passa a coibir a prática da vingança privada e conforme afirma Gonçalves (2009, p.7):

Num estágio mais avançado, quando já existe uma soberana autoridade, o legislador veda à vítima fazer justiça pelas próprias mãos. A composição econômica, de voluntária que era, passa a ser obrigatória, e, ao demais disso tarifada. É quando, então, o ofensor paga um tanto por membro roto, por morte de um homem livre ou de um escravo, surgindo, em consequência, as mais esdrúxulas tarifações [...]. É a época do Código de Ur-Nammu, do Código de Manu e da Lei das XII Tábuas. De elevada importância para o campo da responsabilidade civil, foi a Lex Aquilia, que acabou batizando a responsabilidade civil extracontratual como responsabilidade civil aquiliana. Venosa (2007, p. 16) destaca que:

Funda-se aí a origem da responsabilidade extracontratual fundada na culpa. Por essa razão, denomina-se também responsabilidade aquiliana essa modalidade, embora exista hoje um abismo considerável entre a compreensão dessa lei e a responsabilidade civil atual. A Lex Aquilia foi um plebiscito aprovado provavelmente em fins do século II a.C., que possibilitou atribuir ao titular de bens o direito de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens. (grifo do autor).

Segundo Gagliano e Pamplona Filho (2004, p.11-12) a Lex Aquilia era:

Constituída de três partes, sem haver revogado totalmente a legislação anterior, sua grande virtude era propugnar pela substituição das multas fixas por uma pena proporcional ao dano causado. Se seu primeiro capítulo regulava o caso da morte dos escravos ou dos quadrúpedes que pastam em rebanho; e o segundo, o dano causado por um credor acessório ao principal, que abate a dívida com prejuízo do primeiro; sua terceira parte se tornou a mais importante para a compreensão da evolução da responsabilidade civil.

A partir desta Lei, o elemento culpa tornou-se pressuposto para reparação do dano, sendo eximido da reparação quem não houvesse agido de forma culposa. Diniz (2004, p. 11) ilustra:

A Lex Aquilia de damno veio a cristalizar a idéia de reparação pecuniária do dano, impondo que o patrimônio do lesante suportasse os ônus da reparação, em razão do valor da res, esboçando-se a noção de culpa como fundamento da responsabilidade, de tal sorte que o agente se isentaria de qualquer responsabilidade se tivesse procedido sem culpa.

Ainda nesse período, não se distinguia responsabilidade civil e criminal, mas, “Na Idade Média, com a estruturação da idéia de dolo e de culpa stricto sensu, seguida de uma elaboração da dogmática da culpa, distinguiu-se a responsabilidade civil da pena.” (DINIZ, 2004, p. 11).

Segundo Gonçalves (2009, p. 8):

O direito francês, aperfeiçoando pouco a pouco as idéias românicas, estabeleceu nitidamente um princípio geral da responsabilidade civil, abandonando o critério de aumentar os casos de composição obrigatória. Aos poucos, foram sendo estabelecidos certos princípios, que exerceram sensível influência nos outros povos: direito à reparação sempre que houvesse culpa, ainda que leve, separando-se a responsabilidade civil (perante a vítima) da responsabilidade penal (perante o Estado); a existência de uma culpa contratual (a das pessoas que descumprem as obrigações) e que não se liga nem a crime nem a delito, mas se origina da negligência ou da imprudência.

Ainda sobre esse período, manifestam-se Gagliano e Pamplona Filho (2004, p. 12- 13):

[...] a inserção da culpa como elemento básico da responsabilidade civil aquiliana – contra o objetivismo excessivo do direito primitivo, abstraindo a concepção de pena para substituí-la, paulatinamente, pela idéia de reparação do dano sofrido – foi incorporada no grande monumento legislativo da idade moderna, a saber, o Código Civil de Napoleão, que influenciou diversas legislações do mundo, inclusive o Código Civil brasileiro de 1916.

A revolução industrial (séc. XVIII-XIX) foi um fator eminente para o aumento da complexidade das relações sociais em virtude de suas inovações tecnológicas, e com isso o elemento culpa tornou-se insuficiente para obrigar a reparação do dano, pois restavam vários prejuízos sem o devido ressarcimento, visto que não era possível chegar-se ao causador do dano considerando apenas o elemento culpa. A “[...] teoria clássica da culpa não conseguia satisfazer todas as necessidades da vida em comum, na imensa gama de casos concretos em que os danos se perpetuavam sem reparação pela impossibilidade de comprovação do elemento anímico.” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2004, p. 13).

A jurisprudência, então, começou, aos poucos, a preencher essa lacuna que existia na época, e passou a considerar a teoria do risco criado, que dispensa a culpa para ressarcimento do dano, dessa forma, “[...] a responsabilidade civil [...] evoluiu em relação ao fundamento (razão por que alguém deve ser obrigado a reparar um dano), baseando-se o dever

de reparação não só na culpa, hipótese em que será subjetiva, ampliando-se a indenização de danos sem existência de culpa. (DINIZ, 2004, p. 12).

O Código Civil de 2002 manteve a culpa como fundamento principal para a responsabilidade civil, entretanto, recepcionou a responsabilidade objetiva:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (BRASIL, 2002).

Portanto, depois de muito ter sido discutido nos tribunais e na doutrina sobre a responsabilidade civil objetiva e com o advento do Código Civil de 2002, hoje não restam mais dúvidas acerca da possibilidade de aplicação dessa espécie de responsabilidade.