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A inexistência de regulação internacional específica para o transporte multimodal gerou, desde cedo, problemas de determinação do regime jurídico aplicável. A insatisfação sentida com a moldura legal (in)existente, bem como as necessidades de dar resposta às exigências do comércio internacional propiciaram a busca de soluções.

Neste contexto, foram encetadas várias tentativas com o intuito de contrariar o panorama de incerteza jurídica vivido, tendo desempenhado, neste âmbito, um papel ativo algumas organizações internacionais – governamentais e não

208 Seguimos JOÃO RICARDO BRANCO, “A responsabilidade civil do transportador”, cit., p. 123, ao afirmar

que a responsabilidade do transportar “assenta em esquemas mais complexos do que aqueles que são

próprios da dogmática geral da responsabilidade civil.”

209 Apesar de não se encontrarem em vigor a análise do seu regime assume elevada importância na

62 governamentais – com o objetivo de criar um instrumento jurídico uniforme para a prática comercial multimodal.

A tarefa não se afigurou fácil, não existindo ainda soluções – o que não surpreende dada a dificuldade de concertação de interesses divergentes. As dificuldades sentidas resultaram na criação de vários instrumentos, uns de caráter imperativo e outros de caráter contratual. De seguida enunciaremos os trabalhos levados a cabo.

As primeiras tentativas para a elaboração de uma convenção internacional na matéria foram realizadas pela UNIDROIT e pela CMI. A este respeito, “the

initiatives were undertaken inirially by UNDIDROIT and CMI both organisations, alternatively took turns in the relevant activities. In the Framework of these initiatives and activities a number of international convention drafts were prepared but none of them became a convention, with the exception of only one.”210

O trabalho da UNIDROIT resultou na aprovação, em 1963, de um projeto de convenção internacional sobre o transporte combinado de mercadorias, que foi mais tarde alterado por um comité, ad hoc, de peritos.

Em 1969, o CMI preparou e adotou o projeto de convenção sobre transporte combinado, designado de “Regras de Tóquio.”211

Os projetos de convenção preparados pela UNIDROIT e pela CMI foram combinados num texto único, em 1970 sob a égide dos trabalhos da UN/ECE, conhecido como “projeto de roma”. O projeto foi modificado, em 1970 e 1971, nas reuniões do UN/ECE e IMCO, e passou a ser conhecido como “TCM.”212

210 ALIKI KIANTOU-PAMPOUKI,Multimodal Transport Carrier Liability and Issues Related to the Bills of

Lading, cit., p. 25.

211 As Regras de Tóquio podem ser citadas como antecedentes históricos da regulação do transporte,

nos encontros do Bureau Permanent do Comitê Marítimo Internacional, celebrados na cidade de Nova Iorque, Estados Unidos. Em 1963, constitui-se uma comissão internacional presidida por Kaj Pineus que objetivava a preparação de um projeto de convenção internacional sobre o transporte combinado. O trabalho dessa comissão resultou nas “Regras de Tóquio” que consagravam um sistema de responsabilidade voltado para o operador de transporte multimodal (sem prejuízo de imputação da responsabilidade ao transportador que tinha a custódia da mercadoria com o qual ocorreu o dano, perda ou atraso.) As Regras de Tóquio estabeleceram um sistema de limite de responsabilidade para as hipóteses de danos não localizados, aplicando nas situações em que o local do dano fosse identificado a lei ou convenção que regesse o segmento modal no qual ocorreu o dano. Estas regras só eram aplicáveis nas situações em que um documento de transporte combinado tivesse sido emitido. Estávamos perante um sistema voluntário. Cf., sobre o tema, UNCTAD/SDTE/TLB/2, 27 June 2001.

63 A UN/IMCO recomendou estudos subsequentes nesta matéria – em particular, das implicações económicas e necessidades dos países em desenvolvimento – tendo encarregue a UNCTAD desta tarefa213.

Depois de uma vasta investigação, foi preparada e aprovada a Convenção das Nações Unidas sobre transporte multimodal de mercadorias – a Convenção de Genebra de 1980214 – que, até à data, ainda não entrou em vigor.

A dificuldade sentida no estabelecimento de um regime uniforme para o transporte multimodal e a falta de êxito das distintas propostas de regulação jurídica do transporte multimodal de mercadorias trouxeram consigo a procura de novas soluções – pelo menos parciais – para os problemas jurídicos levantados pela multimodalidade. Neste contexto, foram criadas leis nacionais, acordos sub- regionais e regras e condições gerais de contratação elaboradas por organismos distintos, implicados no setor económico, para serem incorporadas nos documentos de transporte multimodal215.

Numa primeira fase, os documentos tomaram por base os projetos de regulação das Regras de Tóquio e da TCM. Há que destacar, num primeiro momento, o nascimento do Bill of Landing em 1970, emitido pela FIATA, e do COMBICONBILL216 em 1971, emitido pela BIMCO.

213 O grupo preparatório intergovernamental (IPG) foi então criado pelos quadros do Comércio e

Desenvolvimento (Decisão 96 (XII), Maio de 1973, cf. UNCTAD/SDTE/TLB/2 27 June 2001.

214 Em 1980, a Organização das Nações Unidas aprovou, depois de seis períodos de negociação em

mais de sete anos de negociações, a Convenção das Nações Unidas sobre transporte multimodal internacional em Genebra (inspirada nas Regras de Hamburgo de 1978) por meio da Resolução nº 33/160 da Assembleia das Nações Unidas, implementada em 20 de dezembro de 1978. A Convenção de Genebra previu a sua entrada em vigor após 12 meses depois da ratificação de 30 Estados, nos termos do seu artigo 36.º. Todavia, somente 7 Estados fizeram parte da mesma, sendo irrisória a quantidade de ratificações estatais. Desde a sua assinatura, em 24 de maio de 1980, pode-se dizer que é remota a possibilidade de futuras manifestações sobre a sua ratificação por outros Estados. Contudo, a Convençao de Genebra constitui o primeiro instrumento que entende o transporte multimodal como uma “unidade”, como realidade autónoma e não como uma cadeia de operações.

Vide a este propósito, AURA YOLIMA RODRÍGUEZ BURBANO, Transporte multimodal: régimen jurídico y

responsabilidad del porteador, cit., p. 87.

215 A utilização deste tipo de documentos alcançou um grau de aceitação muito respeitável entre os

operadores jurídicos, sobretudo económicos, que atuam habitualmente no mundo do transporte multimodal – cf. Relatório da UNCTAD/ICC “Multimodal transport: the feasibility of an international legal instrument”, UNCTAD/SDTE/TBL/2003/1, 13 de janeiro de 2003, cit., p. 18.

216 O Multidoc 95 veio substitui-lo – cf. “Explanatory notes to Multidoc 95”, disponível em:

https://www.bimco.org/Chartering/Clauses_and_Documents/Documents/Bills_of_Lading/MULTID

64 O passo mais decisivo foi dado pela ICC com as chamadas “Regras uniformes

para um documento de transporte combinado.”217 A primeira versão destas regras data de 1973 e a segunda de 1975218, tendo as mesmas sido posteriormente adotadas pela FIATA e pela BIMCO.

No âmbito do fracasso da Convenção de Genebra de 1980, a UNCTAD e a CCI colocaram em circulação um conjunto de regras uniformes – as “Regras uniformes

para documentos de transporte multimodal”, baseadas na Convenção. Estas Regras

contaram com o apoio da FIATA, no chamado Multimodal Transport Bill of Landing, de 1992.

A última tentativa de obtenção de uniformidade, ainda que não se trate de uma convenção verdadeiramente multimodal, ocorreu no âmbito dos trabalhos da UNCITRAL e do CMI, com as Regras de Roterdão.