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4.3. Sistemas de responsabilidade

4.3.1. Network liability system

No sistema de rede puro a responsabilidade do transportador multimodal é regulada pelo regime correspondente ao segmento de transporte em que se verificou o evento danoso.

A aplicação do regime de rede - “pure network liability system231 - encontra- se desde logo condicionada pela determinação do local em que ocorreu o evento danoso (i.e., o evento que criou o dano, perda ou atraso na entrega da mercadoria 232 ). Uma vez determinado, aplicar-se-á à responsabilidade do transportador multimodal o regime jurídico desse segmento específico233.

O processo de determinação constitui um dos inconvenientes deste sistema, levantando problemas probatórios e conflitos de interesses. Por um lado, o transportador multimodal procurará provar que o dano ocorreu no troço de

230 Cf., sobre estes sistemas, o relatório da UNTCTAD, Multimodal transport: the feasibility of an

international legal instrument, cit.; JANUÁRIO DA COSTA GOMES, “Do transporte “port do port” ao transporte “door to door””, cit., p. 392; ALIKI KIANTOU-PAMPOUKI, Multimodal Transport Carrier Liability

and Issues Related to the Bills of Lading, cit., p. 28; GOMÉZ DE SEGURA “El contrato de transporte multimodal internacional de mercancías”, cit., p. 595; OCTAVIO RAVINA, ARTUR/A. ZUCCHI, HÉCTOR,

Régimen Del Transporte Multimodal, cit., p. 31; ALBERTO DÍAZ MORENO, “El transporte multimodal en la ley del contrato de transporte terrestre”, cit., p. 327; FRANCISCO CARLOS LÓPEZ RUEDA, “Introducción a la jurisprudencia multimodal”, Anuario de Derecho Marítimo, Vol. XXV, 2008, p. 232; CARLOS GÓRRIZ LÓPEZ, “El contrato de transporte multimodal de mercancias: el problema normativo”, cit., p. 201; FRANCISCO CARLOS LÓPEZ RUEDA, “El transporte multimodal internacional, La viabilidade de un regime jurídico uniforme”, cit., p. 366; IGNACIO ARROYO, “Ámbito de aplicación de la normativa uniforme: su extensión al transporte de puerta a puerta”, Anuario de Derecho Marítimo, Vol. XVIII, 2001, p. 443; MAURO CASANOVA/MONICA BRIGNARDELLO, Diritto dei transporti, La disciplina contrattuale, cit., p. 294; MARIA HOEKS, Multimodal transport law, the law applicable to the multimodal contract for the carriage

of goods, cit., p. 20;AURA YOLIMA RODRIGUEZ BURBANO, Transporte multimodal: régimen jurídico y

responsabilidad del porteador, cit., p. 231 e CHRISTINE BESONG, Towards a modern role for liability in

multimodal transport law, cit., pp. 112 e 173.

231 O transportador fica na mesma posição de que se tivesse realizado um contrato unimodal. 232 Sobre as desvantagens do sistema de rede, cf. MARIA HOEKS, Multimodal transport law, the law

applicable to the multimodal contract for the carriage of goods, cit., p. 22 e ss. e pp. 391 e ss..; AURA YOLIMA RODRIGUEZ BURBANO, Transporte multimodal: régimen jurídico y responsabilidad del porteador, cit., pp. 232 e ss..

233 Neste sentido afirmaMARIA HOEKS, Multimodal transport law, the law applicable to the multimodal

contract for the carriage of goods, cit., p. 22, o seguinte: “A network system is not a structure which provides substantive or ‘material’ rules of its own; it merely links existing sets of substantive rules. Under a network based regime the multimodal transport agreement is divided into parts, one part per transport mode incorporated in the contract. The law applicable to each separate stage is determined as if it were a separate contract, concerning only that type of transport. Thus the multimodal contract becomes a chain of different regimes. In other words, different regimes may apply to the separate parts of the journey as if the involved parties had drawn up separate contracts for each of them.”

68 transporte onde o regime lhe é mais favorável. Por outro lado, pretenderá a aplicação do regime de responsabilidade que lhe seja mais favorável, i.e., o regime de responsabilidade mais gravoso para o transportador, fomentando assim o surgimento de litígios judiciais.

Nesta sede assume, ainda, especial dificuldade estabelecer a correspondência entre o atraso e o segmento específico em que o mesmo se verificou, uma vez que no contrato de transporte multimodal o atraso consiste numa soma de pequenos atrasos das várias fases de transporte.

Outra das objeções apresentadas para este sistema consiste no facto da sua aplicação não permitir determinar antecipadamente o regime de responsabilidade aplicável ao transportador multimodal, na medida que existem vários regimes jurídicos distintos potencialmente aplicáveis234/235. O regime de responsabilidade aplicável ao transportador multimodal dependerá, assim, da “sorte” do local em que tenha ocorrido o evento danoso. Por outras palavras, a determinação do regime aplicável será realizada ex post, i.e., depois do evento que causou o dano ter ocorrido, o que gera graves problemas de incerteza jurídica.

Mais: este sistema não oferece solução para um conjunto de situações, designadamente, quando o dano é oculto – i.e., quando o local do evento danoso seja insuscetível de ser localizado – deixando também por resolver os casos de danos que se tenham produzido de forma gradual e de danos que ocorram durante a operação de carga ou descarga, denominados pela doutrina como “liability gaps”236.

234 As soluções unimodais estão sujeitas a diferentes causas exoneratórias, limites de

responsabilidade, e prazos para intentar ações. Vide, sobre este assunto, MARIA HOEKS, que afirma o seguinte: “One of these drawbacks is the multicoloured and somewhat disordered image the variation

of the applicable regimes engenders. Between the assorted unimodal regimes there are not only differences concerning the carrier’s liability or the extent thereof, but there is also differentiation between other issues such as the time bars for litigation, compensation for delay of the goods and so on. As a result it becomes quite important to determine during which stage of the carriage the loss has occurred, and who is burdened with the onus of proof in this matter. A pure network system is not equipped to regulate situations in which the transport stage where the loss of or damage to the goods occurred cannot be identified” – cf. Multimodal transport law, the law applicable to the multimodal contract for the carriage of goods, cit., p. 22.

235 Suponhamos que o transporte multimodal integra um segmento marítimo, rodoviário e aéreo.

São, aqui, potencialmente aplicáveis os seguintes instrumentos: CB de 1924, Regras de Haia-Visby, Regras de Hamburgo, CMR, Convenção de Varsóvia e respetivos protocolos.

236 Nestas situações, o sistema de rede deve ser integrado ou complementado pela previsão de uma

disciplina residual de responsabilidade, “when the stage in which the damage occured is unknown or

no specific regime is applicable, then the law to apply is determined by the court, following several views expressed by the doctrine”. Foram adotadas soluções distintas por alguns ordenamentos jurídicos: por

exemplo, a Alemanha aplica nos casos de dano oculto as regras gerais do contrato de transporte (antes, com a decisão BGH de 24 de julho de 1987, era aplicado o regime mais favorável ao lesado);

69 Por outro lado, uma das vantagens da aplicação deste sistema consiste no facto de ter em consideração os vínculos jurídicos independentes que se estabelecem no âmbito do transporte multimodal. Com efeito, será aplicado o mesmo regime jurídico ao contrato base (contrato de transporte multimodal) e ao contrato derivado (contrato celebrado entre o transportador multimodal e o transportador efetivo)237 , possibilitando, deste modo, que o transportador multimodal recupere, através da ação de regresso, valores pagos ao lesado238.

Conforme melhor se explicitará infra, a maioria dos instrumentos internacionais acolheu esta solução – de modo modificado239 – merecendo especial destaque, pelo seu relevo prático, as Regras UNCTAD/ICC de 1992, que adotaram este sistema com o intuito de evitar conflitos com regimes unimodais240.