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Como temos vindo a afirmar nesta sede, inexiste um regime jurídico internacional imperativo de âmbito global que discipline o transporte multimodal, sendo ao invés a atual moldura jurídica internacional constituída por um conjunto de instrumentos com âmbito de aplicação distintos e com natureza jurídica diferenciada, nomeadamente: acordos regionais; algumas leis nacionais próprias e formulários internacionais que se baseiam no regime das Regras UNCTAD/ICC de 1992219. A fragmentação de regimes dificulta o processo de determinação da lei aplicável e de identificação do regime de responsabilidade aplicável ao transportador multimodal220.

217 Estas regras foram elaboradas com o intuito de evitar a multiplicidade de documentos que ocorria

aquando da combinação de modos – cf. ALIKI KIANTOU-PAMPOUKI, Multimodal Transport Carrier

Liability and Issues Related to the Bills of Lading, cit., p. 47.

218 “The ICC Uniform Rules were first issued in 1973. They were slightly revised in October 1975 to

overcome practical difficulties of application concerning the combined transport operator’s liability for delay” – cf. ALIKI KIANTOU-PAMPOUKI,Multimodal Transport Carrier Liability and Issues Related to the

Bills of Lading, cit., p. 47.

219 “The UNCTAD/ICC Rules have been relatively successful and have been incorporated by BIMCO and

FIATA into their standard form documents (Multidoc 95 and FBL 92)”, Cf. relatório UNCTAD/ICC,

Multimodal transport: the feasibility of an international legal instrument. UNCTAD/SDTE/TBL/2003/1, 13 de janeiro de 2003, p. 18.

220 Sobre determinação do regime aplicável vide Relatório UNCTAD, Multimodal transport: the

feasibility of an international legal instrument, UNCTAD/SDTE/TBL/2003/1, 13 de janeiro de 2003,

65 O insucesso das tentativas internacionais de regulação do transporte multimodal e a necessidade de disciplinar o regime de responsabilidade do transportador multimodal – a grande maioria dos países não contem lei específica para o transporte multimodal221 – levaram à criação de um conjunto de regras de natureza contratual com o intuito de solucionar problemas criados pela ausência de lei internacional222.

As Regras ICC e as Regras UNCTAD/ICC tiveram sucesso no sector dos transportes, trazendo soluções a questões que careciam de resposta no âmbito das relações contratuais, tendo sido incorporadas pela BIMCO e pela FIATA nos seus documentos de transporte223.

A inexistência de um regime jurídico próprio para o transporte multimodal “abre portas” para o uso da liberdade contratual das partes na regulação dos contratos de transporte multimodal, assumindo elevada importância a auto regulação na disciplina das relações contratuais. Como vimos, foram criadas Regras uniformes para documentos de transporte multimodal – Regras UNCTAD/ICC – constituindo as mesmas modelos de regulação que podem ser adotadas pelas partes facilitando o processo de auto regulação dos contratos celebrados224.

221 Neste sentido, ALIKI KIANTOU-PAMPOUKI,Multimodal Transport Carrier Liability and Issues Related

to the Bills of Lading, cit., p. 19, afirma que “The existing gap is filled in partly by contractual adoption of the Uniform Rules for a Multimodal Transport Document prepared by the Internacional Chamber of Commerce. Likewise, the gap is covered by standard documents, mostly bills of lading, issued on the base of either various convention drafts on multimodal transport or the ICC Uniform Rules (Combiconbill, FIATA BL, Combidoc and others)”.

222 ALIKI KIANTOU-PAMPOUKI, Multimodal Transport Carrier Liability and Issues Related to the Bills of

Lading, cit., p. 63, defende que a adoção dos formulários não se traduz no melhor modo de lidar com

o transporte multimodal na medida em que o uso dos formulários se baseia na vontade das partes e pelo facto de não criarem uniformidade em virtude das diferenças existentes entre os vários documentos.

223 “The UNCTAD/ICC Rules for Multimodal Transport Documents have been incorporated in widely

used multimodal transport documents such as the FIATA FBL 199219and the “MULTIDOC 95” of the Baltic and International Maritime Council (BIMCO).” Vide Relatório da UNCTAD/ICC, “Implementation

of multimodal transport rules”, UNCTAD/SDTE/TLB/2 27 June 2001, p. 12.

224 A este propósito LIMA PINHEIROafirma que “a auto regulação pode desempenhar um papel de grande

importância na disciplina das relações comerciais internacionais. (…) A disponibilidade de modelos contratuais elaborados por organizações não governamentais, bem como outros modelos de regulação e princípios dos contratos comerciais internacionais, oferecem uma regulação cuidadosa e equilibrada, e em certos casos sistemática da relação contratual. Os modelos contratuais, as cláusulas-modelo e as regras de integração têm em conta os problemas específicos de regulação desses ramos e oferecem soluções em princípio adequadas.” – Direito Comercial Internacional, Almedina, 2005, p. 54.

66 As partes têm, assim, liberdade de escolha 225, podendo ou não optar pela adesão a tais Regras226. Se porventura decidirem aplicar o regime previsto nas mesmas, ficarão vinculadas ao seu conteúdo, não podendo fazer estipulações em sentido contrário227. Podem, no entanto, acordar sobre os pontos não regulados pelas Regras228. Caso não sigam o regime das Regras, as cláusulas acordadas pelas partes assumirão grande importância para a regulação do contrato, sem prejuízo de limites que condicionam a autonomia privada.

Em suma, pode afirmar-se que hoje em dia o direito do transporte multimodal é essencialmente um direito de natureza convencional, o chamado “direito dos formulários”229.

Mais à frente, iremos proceder à descrição dos regimes de responsabilidade adotados i) na Convenção de Genebra de 1980; ii) nas Regras de Roterdão; iii) nas Regras UNCTAD; iv) no Multidoc 95 e na Fiata FBL 92; v) nos acordos entre blocos económicos; e, ainda vi) algumas soluções seguidas por ordenamentos jurídicos estrangeiros que tem lei própria sobre a matéria com o intuito de posteriormente se proceder à análise dos vários regimes.