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3.3. Partes do contrato e outros intervenientes

3.3.3. O transitário

3.3.3.1. Regime jurídico interno

O contrato de trânsito92 é celebrado entre o expedidor e o transitário. A nível interno, foi objeto de atenção por parte do legislador no Decreto-Lei n.º 255/99, de 7 de Julho93. COSTEIRA DA ROCHA define-o como “o contrato pelo qual o transitário se

obriga perante o expedidor a prestar-lhe certos serviços – que tanto podem ser atos materiais como jurídicos – ligados a um contrato de transporte e também a celebrar um ou mais contratos de transporte em nome e representação do cliente.”94

MENEZES CORDEIRO95 defende – numa conceção ampla – que o contrato de trânsito constitui uma figura mista, na medida em que integra vários elementos distintos, em concreto de organização, mediação, agência e prestação de serviço. Em sentido estrito, o autor define o contrato de expedição como um mandato pelo qual o transitário se obriga a celebrar um ou mais contratos de transporte por conta do expedidor. No mesmo sentido, COSTEIRA DA ROCHA afirma que em stricto sensu o contrato de trânsito é um mandato - que poderá ser com ou sem representação – pelo qual o transitário se obriga a celebrar um contrato de transporte por conta do

90 Refere NUNO CASTELLO-BRANCO BASTOS quea distância forçará as partes “principais” a recorrer a

representantes, mandatários, comissários, em suma a “intermediários”, que, por exemplo, melhor conheçam praças distantes e os transportadores que aí operam, bem como os respetivos tarifários de frete, e estejam em condições de mais expeditamente celebrar os necessários contratos de transporte–cf.Direito dos transportes, cit., p. 80.

91 O planeamento estratégico da operação de transporte tem repercussões económicas, contribui

para a redução de custos (que operações logísticas levianamente pensadas poderiam trazer) e ainda para o aumento eficiência da operação de transporte.

92 Denominado por “contrato de trânsito” ou por “contrato de expedição” por FRANCISCO COSTEIRA DA

ROCHA, na medida em que não existe em Portugal uma nomenclatura estabilizada para designar este tipo contratual – cf. O contrato de transporte mercadorias – Contributo para o estudo da posição

jurídica do destinatário no contrato de transporte de mercadorias, cit., p. 70.

93A lei não regula directamente o contrato em causa, mas ocupa-se do seu conteúdo – cf. MENEZES

CORDEIRO,“Introdução ao direito dos transportes”, cit., p. 32.

94 Cf. FRANCISCO COSTEIRA DA ROCHA, O contrato de transporte mercadorias – Contributo para o estudo

da posição jurídica do destinatário no contrato de transporte de mercadorias, cit., pp. 80 e 81.

34 expedidor-mandante. O mandato poderá abranger abranger para além desse núcleo, a prática dos atos acessórios indispensáveis à sua consecução96.

Em sentido semelhante, JANUÁRIO DA COSTA GOMES97 e COSTEIRA DA ROCHA98 afirmam que a atividade dos transitários consubstancia-se em plúrimas e diversas operações, apresenta-se, assim, como uma actividade multiforme.

Em concreto e de acordo com o n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 255/99 de 7 de julho99, a atividade transitária consiste na prestação de serviços de natureza logística e operacional que inclui o planeamento, o controlo, a coordenação e a direcção das operações relacionadas com a expedição, recepção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias, desenvolvendo-se nos seguintes domínios de intervenção: a) Gestão dos fluxos de bens ou mercadorias; b) Mediação entre expedidores e destinatários, nomeadamente através de transportadores com quem celebre os respectivos contratos de transporte; c) Execução dos trâmites ou formalidades legalmente exigidos, inclusive no que se refere à emissão do documento de transporte unimodal ou multimodal.

JANUÁRIO DA COSTA GOMES afirma que a caracterização efetuada por esta norma permite identificar a atividade transitária como uma prestação de serviços e o transitário como um intermediário em operações de transporte, sendo particularmente ilustrativa a al. b)100.

A nível interno, a responsabilidade do transitário encontra disciplina no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 255/99 de 7 de julho de 1999.

A primeira parte do n.º 1 do artigo 15.º dispõe que o transitário responderá “perante o seu cliente pelo incumprimento das suas obrigações.”101/102 A parte final do

96 Cf. FRANCISCO COSTEIRA DA ROCHA, O contrato de transporte mercadorias – Contributo para o estudo

da posição jurídica do destinatário no contrato de transporte de mercadorias, cit., p. 79.

97 Cf. JANUÁRIO DA COSTA GOMES, “Sobre a vinculação del credere”, cit., p. 257.

98 Cf. FRANCISCO COSTEIRA DA ROCHA, O contrato de transporte mercadorias – Contributo para o estudo

da posição jurídica do destinatário no contrato de transporte de mercadorias, cit., p. 72.

99 Institui um novo regime jurídico aplicável ao acesso e exercício da atividade transitária,

substituindo o anterior regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 43/86, de 7 de julho.

100 De acordo com JANUÁRIO DA COSTA GOMES, “Sobre a vinculação del credere”, cit., p. 255, a referência

à celebração de contratos de transporte por parte do “mediador” (o transitário) demonstra que não houve, neste artigo 1.º, n.º 2, grandes preocupações de rigor jurídico, mas tão só de caracterização económica da atividade.

101 Esta regra já decorre das regras gerais de responsabilidade obrigacional. Neste sentido, JOÃO

VALBOM BAPTISTA, “O Contrato de Expedição”, cit., p. 277 e JANUÁRIO DA COSTA GOMES, “Sobre a vinculação del credere”, cit., p. 229.

102 Seguindo JOÃO VALMBOM BAPTISTA,o incumprimento da obrigação de contratar não se resume às

situações de não celebração dos contratos (i.e. de transporte, seguro, depósito, manuseamento da carga). O autor afirma, neste sentido, que “o resultado relevante para a verificabilidade do

35 n.º 1 do artigo 15.º inova ao estabelecer a responsabilidade do transitário por atos de terceiros com que haja contratado103. O transitário que não tenha assumido a obrigação de transporte responderá objetivamente pelos atos praticados por outrem – i.e., o transportador com quem celebrou o contrato. A este espeito, JANUÁRIO DA COSTA GOMES afirma que o transitário tem uma responsabilidade del credere legal104 – o transitário surge como garante legal do cumprimento das obrigações de terceiros, sem prejuízo de poder intentar uma ação de regresso contra o terceiro105.

No que diz respeito aos limites de responsabilidade aplicáveis ao transitário quando responda por atos de terceiro, o n.º 2 do artigo 15.º dispõe que serão de aplicar os limites estabelecidos, por lei ou convenção, para o transportador a quem seja confiada a execução material do transporte, salvo se outro limite for convencionado pelas partes. Assim sendo, se estivermos perante uma situação de transporte unimodal aplicar-se-á ao transitário o limite estabelecido para esse modo específico. Se, porventura, estivermos perante uma situação em que o transitário surja, nessa qualidade, como intermediário entre as partes de um contrato de transporte multimodal, pergunta-se, nesta eventualidade, quais os limites que serão de aplicar? Atendendo à vinculação del credere e de acordo com o estabelecido neste preceito, deverá entender-se que o transitário responderá, também aqui, nos mesmos termos que o transportador multimodal. O problema

cumprimento da obrigação é fruto da adoção de um comportadmento condizente com a vontade negocial do expedidor e carregador”, ou a celebração de um contrato em termos distintos ao acordado

com o expedidor traduz-se numa situação de incumprimento contratual, mais referindo que o transitário deverá responder por culpa in elegendo mercê da situação privilegiada que ocupa no mercado dos transportes, tendo assim o dever de fazer a escolha apropriada. Prossegue dizendo que do n.º1 do artigo 13.º e do n.º 2 do artigo 15.º infere-se a intenção do legislador em consagrar a culpa

in vigilando do transitário – “O Contrato de Expedição”, cit., pp. 278 e ss.. No mesmo, vide JANUÁRIO DA COSTA GOMES, “Sobre a vinculação del credere”, cit., p. 230.

103 Afirma NUNO CASTELLO-BRANCO BASTOS, Direito dos transportes, cit., p. 82, que, ao ditar para o

transitário um regime de responsabilidade que o leva a responder como responderia o transportador, qualquer que tenha sido o objeto do contrato que ele celebrou com o expedidor, talvez a lei tenha querido obviar, precisamente, às muitas dificuldades que amiúde se levantam no momento de determinar qual foi a obrigação assumida pelo transitário, se própria de um mandato, atuando como transitário-comissário se aquela de um verdadeiro transportador, atuando como transitário- transportador; e, assim, acabou por se reforçar a proteção concedida ao carregador perante o emaranhado de intervenientes que envolvem a realidade do transporte.

104 JANUÁRIO DA COSTA GOMES, com referência aos casos de expedição entende estar-se perante uma

fiança legal necessariamente moldada pela acessoriedade, ficando a funcionar nos termos da fiança comercial – “Sobre a vinculação del credere”, cit., pp. 243 e ss. Cf., também. JOÃO VALBOM BAPTISTA,“O Contrato de Expedição”, cit., p. 283.

105 O que não se verificava no Decreto-Lei n.º 43/86 de 7 de julho, onde o transitário só respondia del

credere se houvesse convenção nesse sentido – cf. JANUÁRIO DA COSTA GOMES, “Sobre a vinculação del credere”, cit., p. 260.

36 residirá, então, na determinação da responsabilidade do transportador multimodal, que, como já por diversas vezes temos vindo a enunciar, é bastante controversa.

Com a responsabilidade del credere legal verifica-se uma extensão do risco suportado pelo transitário106, que se encontra justificada segundo JOÃO VALBOM “na

fiabilidade que o mercado dos transportes deve representar para aqueles que a ele recorrem sem que detenham conhecimento das especificidades do mesmo.” 107