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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA EMPÍRICA

2.1 Experiência reflexiva e aprendizagem

2.1.4 A face social da AO: Origem na aprendizagem situada e comunidades de prática

O assunto do contexto social em que acontece a AO como pensamento reflexivo não poderia ser definido vagamente, pois constitui uma parte essencial e uma condicionante para seu acontecer. A AO pode ser concebida como participação em comunidades de prática que gera desenvolvimento da experiência e conhecimento mediante o inquérito, próprios do pensamento reflexivo, porém feitos ao interior de mundos sociais que se mantêm coesos mediante o compromisso (ELKJAER, 2004). Embora o conceito de ‘mundos sociais’ seja definido posteriormente, como referente para o estudo das organizações deste estudo, resulta relevante começar a explorar as características da dimensão social da AO para obter um entendimento desta última; e ali, o exame das abordagens precedentes pode trazer claridade.

O conceito de participação próprio da aprendizagem como experiência de pensamento reflexivo de caráter social teve como precedentes as perspectivas das comunidades de prática e a aprendizagem situada em participação periférica legítima; em tais perspectivas, argumentou-se que ao aplicar a perspectiva social à aprendizagem, a atenção muda do processamento de informação e da modificação de estruturas cognitivas para os processos de participação e interação que são os que fornecem e sustentam o contexto adequado para a aprendizagem (GHERARDI; NICOLINI; ODELLA, 1998; PHORNPRAPHA, 2015; MENDES; URBINA, 2012). De igual forma, foi considerado que a prática social é o fenômeno gerador primário da aprendizagem, e a própria aprendizagem é parte integral da prática social generativa do mundo em que vivemos (LAVE; WENGER, 1991).

Apesar de as abordagens das comunidades de prática e a participação periférica legítima proporem que o foco analítico da aprendizagem não deve estar no processo cognitivo, e sim num enfoque mais abrangente, que é o da prática social (LAVE; WENGER, 1991), a perspectiva da AO como experiência de pensamento reflexivo de caráter social difere desse foco analítico, dado que pressupõe a importância dos fatores cognitivos, tanto quanto dos sociais (FILSTAD, 2014). De qualquer maneira, o exame do conceito de prática social nas teorias de comunidades de prática e de participação periférica legítima pode fornecer elementos chave, e por isso é considerado aqui.

Os dois enfoques desenvolvem o entendimento do traço central da prática social: a participação. Desde as comunidades de prática, ela envolve uma construção de entendimento compartilhado entre os atores, dentro de comunidades de interpretação em que estão inseridos, abarca a transação de conhecimento tácito e explícito, e se orienta à produção de compreensões sobre o ambiente social e físico, para possibilitar visões de mundo completas, fluidas e alternativas, que guiem à construção de caminhos para a mudança de práticas (BROWN; DUGUID, 2001; DE JESUS; DOS SANTOS; SILVA, 2014);desde a participação periférica legítima, ela inclui uma propriedade relacional do conhecimento e a aprendizagem, está definida pela natureza negociada dos significados, e abarca o compromisso de resolução de um problema (LAVE; WENGER, 1991). De maneira que, a partir destas propostas, é possível enumerar três atributos da participação: a construção coletiva, a convencionalidade do conhecimento, e o compromisso.

Expressar a construção coletiva como parte da participação remete à atividade cotidiana dos atores sociais, gerada no interior de um grupo, que acaba promovendo o

desenvolvimento individual como consequência das dinâmicas da interação (LAVE; WENGER, 1991; FIGUEREIDO; CAVEDON, 2015), ou o ‘aprendizado na prática’ e a construção de uma história compartilhada, constituída por memórias antigas e novos insights, necessária para tomar conta dessa atividade cotidiana (BROWN; DUGUID, 2001; VIEIRA, 2013). De maneira que, sem aquelas mudanças na interação dos grupos, melhor nomeados comunidades, tanto no seu interior como na relação entre várias comunidades, em momentos temporais diferentes, não se apresentaria a ação social que conduz ao aprendizado.

No tocante à convencionalidade do conhecimento, tais abordagens coincidem na qualidade negociada do conhecimento construído na ação dos atores inseridos na comunidade. Assim, as interpretações são conjuntas, os entendimentos compartilhados, e origina-se uma reciprocidade da construção de conhecimento na prática social (BROWN; DUGUID, 2001), que só é possível por conta da propriedade integral da aprendizagem; nela, pensamento e conhecimento são relações entre pessoas em atividade, alocadas num mundo social e culturalmente estruturado, onde os significados se estabelecem de maneira consensual ou convencional (LAVE; WENGER, 1991).

Em relação ao compromisso, encontra-se intrinsecamente ligado aos dois anteriores atributos, pois a construção coletiva e a negociação de significados tem lugar entre membros de uma comunidade; pessoas que se localizam dentro dela, que pertencem a ela, falam uma linguagem comum (BROWN; DUGUID, 2001), e estão orientados para um objetivo ou consequência comum, como a resolução de problemas ou a criação de histórias para produzir alternativas de ação no contexto social. Contudo, as comunidades de prática são configuradas pelas características dos seus membros: das suas identidades, práticas e relacionamentos; a aprendizagem é, em si mesma, uma forma de desenvolvimento da qualidade de membro de uma comunidade de prática (LAVE; WENGER, 1991).

Não obstante, vale a pena clarificar que os atores sociais com frequência participam em diferentes níveis, em mais de uma comunidade de prática. As dinâmicas e mudanças da interação anteriormente assinaladas, e o aspecto colaborativo em função da consecução de soluções ou consequências, dão origem a comunidades que são continuamente formadas e reformadas (BROWN; DUGUID, 2001), e que ainda se articulam entre elas, em ações colaborativas para a resolução de problemas conjuntos (LAVE; WENGER, 1991).

De outro lado, os atores sociais e membros da comunidade de prática, podem participar em diferentes graus e em diferentes comunidades; eles vão desde a participação

plena, até a participação periférica, com um maior ou menor envolvimento nos relacionamentos e participações das ações da comunidade (LAVE; WENGER, 1991); de igual forma, a legitimidade da sua participação e de sua contribuição na construção de significados e conhecimento pode ser considerada de diferentes formas por parte dos outros membros da comunidade. A periferia é possível porque possibilita aos atores assumir a qualidade de membros de mais de uma comunidade, e por onde facilitar a articulação, o que, por sua vez, viabiliza uma maior legitimidade.

Evidencia-se assim que ‘periferalidade’ e legitimidade acham-se intrinsecamente interligadas (BROWN; DUGUID, 2001), e resultam definitivas para a participação. Portanto, a aprendizagem pode ser considerada como participação periférica em comunidades de prática, legitimada pela articulação de comunidades relacionadas (LAVE; WENGER, 1991; VIEIRA, 2013; OSMUNDSEN, 2013); de maneira que conta com a oportunidade de transcender diferentes métodos, períodos históricos e ambientes físicos e sociais (BROWN; DUGUID, 2001).

O conceito de mundos sociais de Strauss (1978), como foi indicado no começo desta subseção, coincide em muitos dos seus traços de participação, compromisso e convencionalidade, com o de comunidade, de maneira que tais convergências serão exploradas a continuação, esboçando a visão de organização que fundamenta este trabalho.

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