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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA EMPÍRICA

2.1 Experiência reflexiva e aprendizagem

2.1.5 Uma perspectiva das organizações para a AO: Mundos sociais

2.1.5.1 Pressupostos principais da teoria dos mundos sociais

Uma vez desenhados os argumentos pelos quais a teoria dos Mundos Sociais (MS) abraça mais adequadamente a explicação dos fenômenos organizacionais, é oportuno indagar com maior detalhe por suas bases epistemológicas. Enquanto a maior parte das teorias que estudam as organizações é positivista e orientada para os aspectos formais e econômicos das mesmas, a abordagem dos MS é relativista, social-construtivista e foca nos atores coletivos (CLARKE, 1991; BISPO; GODOY, 2012; DA COSTA, 2011); por certo, isso está relacionado com a ótica do seu autor, para quem o universo está marcado por uma grande fluidez, onde as coisas e fenômenos aparecem, desaparecem, se fragmentam, e em geral não estão estritamente determinados, pois os seres humanos participam na sua construção e com isso contribuem a configurar suas próprias vidas (STRAUSS, 1978; HIGGINS, 2011). Com efeito, e convergindo com o que foi mencionado nas bases epistemológicas da teoria da AO como

experiência de pensamento reflexivo de caráter social, essa visão de organização denota uma interpretação da natureza da realidade baseada na socialização e na experiência, e dependente das condições contextuais do individuo.

Agora bem, sua perspectiva emergiu como uma reelaboração do conceito de mundo social dos Interacionistas Simbólicos, os quais valorizavam a estrutura como condição fundamental para entender os fenômenos organizacionais, e a ação inserida num contexto social, orientada a consequências, como criadora de novas estruturas (STRAUSS, 1993); porém, Strauss identificou também aquela fluidez nas estruturas, afirmando que elas estão fundamentadas nos compromissos dos atores organizacionais com a ação coletiva, a qual, em última instância, configura a vida social humana (CLARKE, 1991). De novo, aquela ênfase na ação inserida num contexto social, nos remete à filosofia Pragmatista que fundamenta a AO como experiência de pensamento reflexivo de caráter social.

De maneira que, o conceito de mundo social surgiu como um desenvolvimento sobre os pressupostos da filosofia pragmatista e do interacionismo simbólico, ao teorizar-se que os indivíduos situados estruturalmente estavam em “totalidades sociais”, nas quais geravam significados em conjunto, e atuavam partindo desses significados (CLARKE, 1991; KOKKONEN; ALIN, 2015; HIGGINS; MIRZA; DROZYNSKA, 2013). Formalmente, os mundos sociais são definidos como “agrupamentos de indivíduos com compromissos comuns, vinculados a determinadas atividades, que compartilham recursos de diversos tipos para a consecução dos seus objetivos e constroem ideologias compartilhadas sobre como atuar em relação com seus assuntos” (CLARKE, 1991). Assim, conforme Strauss, os agrupamentos sociais, e dentro deles as organizações, podem ser enxergados em correspondência com o conceito de mundo social. A Figura 3 alude aos principais traços dos mundos sociais no contexto organizacional, assinalando que dentro da organização como mundo social, podem existir diversos grupos de colaboradores, que também constituem mundos sociais.

Os mundos sociais possuem quatro traços principais, associados à sua definição: ao menos uma atividade primária que é executada pela totalidade da agrupação ou alguns subgrupos dela; uma dimensão espacial em que ocorrem as atividades; modos herdados ou inovadores de tomada de conta das atividades do mundo social, nomeados como ‘tecnologia’; e formas permanentes ou temporárias de dividir ou organizar os aspectos da atividade do mundo social. Além destes traços, as propriedades do mundo social podem ter significância na sua compreensão e dos fenômenos sociais que acontecem nelas, entre elas seu tamanho, duração, origem, histórias, taxa de mudança, tipo e quantidade de recursos e relações com diferentes ‘tecnologias’ e com instâncias de poder (STRAUSS, 1993; HOTHO; DOWLING, 2010; VAN DELLEN; COHEN-SCALI, 2015).

Subsistem dos tópicos cruciais desta perspectiva; cuja teorização evoca múltiplos aspectos da dimensão social da AO como experiência de pensamento reflexivo de caráter social, nos elementos acolhidos das teorias da participação coletiva e da participação periférica legitima. Um deles é o compromisso que os membros do mundo social possuem, relacionado com a “periferialidade”, representada na interseção entre conjuntos da Figura 3; poucos mundos sociais demandam uma participação quase exclusiva, pelo que a maior parte

Mundo Social B: Grupo Formal Colaboradores Mundo Social A: Grupo Informal colaboradores Mundo Social C: Organização [P a rti ci p a çã o P er if ér ic a ] [Compromisso intenso] [Compromisso intenso]

Figura 3: Traços dos mundos sociais no contexto organizacional. Fonte: Elaboração

dos indivíduos encontra-se comprometida como membro de vários mundos sociais; deste jeito, os atores sociais podem ter desde um nível de compromisso muito intenso, central no mundo social, e representada no centro dos conjuntos da Figura 3, até um envolvimento periférico, onde sua participação é quase marginal (STRAUSS, 1993; CALDWELL, 2012).

O outro tópico crucial para a perspectiva dos MS é o dos seus limites estruturais, dos quais vale a pena salientar sua relativa fluidez e permeabilidade, e que é congruente com a legitimidade na dimensão social da AO; tais limites são estabelecidos pelos próprios membros dos mundos sociais, os quais decidem qual atividade ou ação é autenticamente representativa daquele mundo social. Sua fluidez e permeabilidade indicam que não tem limites determinados, mas que estes são definidos pelos processos dos MS, os quais propiciam a desintegração e posterior criação de novos mundos e submundos sociais (STRAUSS, 1993).

Precisamente, são três os processos gerais que podem se manifestar no interior dos mundos sociais: a segmentação, em que os mundos se dividem a partir da conformação de novas coalizões por iniciativa de alguns participantes dos MS; a interseção, em que mundos sociais podem promover um compromisso com múltiplos deles em simultânea, geralmente com fines cooperativos; e a legitimação, transversal aos dois processos, onde a decisão de autenticidade da ação social anteriormente mencionada, e a sua relação com a consecução e manutenção de recursos, permite aos membros optar por processos do conjunto da segmentação ou interseção para configurar e reconfigurar os MS dos quais participam (STRAUSS, 1993; VAHAMAKI, 2013).

Em conclusão, a visão dos mundos sociais, com as seus fundamentos construtivistas, pragmatistas e social-interacionistas, seu foco na ação social orientada às consequências, no compromisso e na legitimidade, e seus processos que ajudam a descrever as organizações como estruturas dinâmicas e fluidas, fornece uma visão das organizações suficientemente complexa no sentido de abraçar a multidimensionalidade do entendimento da AO como experiência de pensamento reflexivo de caráter social. Prosseguindo, será examinada uma perspectiva que permita caracterizar os sujeitos protagonistas da AO como processo reflexivo de carácter social em relação com a estratégia da organização, alvo do presente estudo.

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