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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA EMPÍRICA

2.2 A Dimensão temporal na AO

2.2.2 Trajetória: Marco de referência para o estudo do tempo na organização

Uma vez definido um conceito abrangente para o estudo do tempo desde a filosofia pragmática, é preciso contar com um marco de referência que o operacionalize e tenha uma maior ênfase na ação social nas organizações (STRAUSS, 1993), facilitando assim o estudo do tempo nos fenômenos organizacionais. Ao interior do arcabouço teórico dos mundos sociais, já mencionado como a visão de organização que embasa o presente estudo, a dimensão temporal da ação social é referida pela noção de trajetória, cuja característica mais saliente é sua capacidade para capturar em um mesmo conceito tanto a ideia de ação social, quanto a ideia do presente ilusório formulada por Mead (FLAHERTY; FINE, 2001). Em consequência, serão examinados seus pressupostos e a maneira com a qual eles se associam com os da noção de tempo de Mead.

De acordo com Strauss (1993), o termo ‘trajetória’ alude ao processo de curso da ação, como um evento particular, em que podem estar envolvidos múltiplos atores sociais e contingências, sendo configurado ativamente pelos interatuantes, e designando tanto o curso de ação mesmo do evento, como as ações e interações que aportaram para sua evolução; sua importância se deve à sua transversalidade nos fenômenos sociais (STRAUSS, 1993) e sua capacidade para notabilizar os detalhes das interações desses fenômenos (STRAUSS, 1993). Tal configuração ativa do tempo, que pode ser equiparada à escolha de estímulos e configuração do contexto mediante a interpretação dos que falou Mead (FLAHERTY; FINE, 2001), indica que os atores sociais podem, no presente, resignificar o passado e reconsiderar suas projeções para o futuro, afetando suas ações e interações, e as de outros atores (STRAUSS, 1993; COLVILLE; HENNESTAD; THONER, 2014).

Prosseguindo, a trajetória conta com dez dimensões, chamadas por Strauss (1993) de subconceitos, as quais são condensadas na Figura 5; elas configuram o curso de ação e as suas consequências.

Figura 5: Dimensões da trajetória (Elaboração própria; baseada em Strauss, 1993)

Das dez dimensões, seis foram identificadas como principais e quatro como adicionais, e foram representadas com círculos e hexágonos, respectivamente. De um lado, as Fases da Trajetória referem às mudanças na interação ocorridas ao longo do tempo, que permitem sua conceitualização (STRAUSS, 1993); de outro, a Projeção é a visão esperada do curso de ação, com a qual se calcula poder impactar um fenômeno social determinado (STRAUSS, 1993). De maneira que, pode se evidenciar que essa segunda dimensão, com a previsão de consequências e a significação em contexto, conflui com a elaboração de possíveis cursos de ação postulada por Mead (FLAHERTY; FINE, 2001).

Continuando com as dimensões representadas na Figura 5, o Esquema da trajetória faz referência ao plano desenhado conscientemente para modelar as consequências da ação que constituem a projeção; pode ser elaborado por uma ou mais pessoas, dependendo da situação, do número de atores sociais, seus status e sua relativa influência e poder. Inclusive, vários atores sociais podem ter versões diferentes de um mesmo esquema, e aquelas podem ser reformuladas ao longo do tempo (STRAUSS, 1993). Um dos recursos que poderia se assemelhar mais ao esquema nas organizações é a estratégia que guia a gestão, porquanto envolve tanto a análise para prever as possíveis consequências das ações executadas na gestão, quanto a síntese que possibilita a criatividade para modificar o esquema de ação a partir das experiências vivenciadas por diferentes atores organizacionais (MINTZBERG, 1994).

A dimensão do Arco de Ação denota a qualidade cumulativa da ação e interação que tem lugar na conformação do curso de ação do fenômeno, tal como é percebida pelo pesquisador quando o enxerga desde o momento presente; de forma que, as projeções da trajetória feitas pelos atores e aquele arco de ação afetam os esquemas de ação e outras posteriores projeções (STRAUSS, 1993), do mesmo modo em que a resignificação do passado e do futuro, respectivamente, reconfiguraria a ação presente (EMIRBAYER; MISCHE, 1998).

O Impacto Recíproco complementa a dimensão de projeção da trajetória, pois explana a potencialidade das consequências da interação vindoura, que, por sua vez, afetam mais a interação e geram maiores consequências (STRAUSS, 1993). E para concluir o grupo das dimensões principais, a Administração da trajetória se concebe como o processo completo pelo qual o curso de ação do fenômeno é configurado pelos atores através de todas suas fases e subfases, no momento de executar um esquema de trajetória (STRAUSS, 1993).

Com respeito das dimensões adicionais, representadas em hexágonos distanciados ligeiramente do núcleo central da trajetória, são enumeradas quatro: identidade, que refere a construção do conceito de si mesmo ao longo do curso de ação; corporalidade, o envolvimento integral dos atores na sua atuação social marcada pela trajetória; processos de ação, que denota a qualidade interativa da ação que embasa a trajetória; e ordens sociais, que indica os diferentes sistemas de regulação formais e informais que podem afetar a conformação da trajetória (STRAUSS, 1993). Pelo que parece ser um caráter periférico em relação às outras dimensões constituintes da trajetória, nesta fundamentação teórico–empírica tais dimensões receberam menor destaque.

Finalmente, é relevante expor as propriedades da trajetória, dadas em graus de maior ou menor duração, expectativa, ação voluntaria, controle sobre a ação, número de atores e experiência emocional de prazer ou desconforto; sua combinação é importante, já que permite a configuração de diferentes tipos de trajetória, entre as quais destacam-se aqueles determinados pelo número de atores, porque pode ser aplicado às organizações como coletividades (STRAUSS, 1993).

Em resumo, o conceito de trajetória alude ao curso de uma ação situada no presente, com influência interpretativa no passado e no futuro; ela possui dimensões e propriedades identificáveis, e é localizável num contexto social e cultural; adicionalmente, reconhece a variedade e complexidade dos fenômenos sociais e organizacionais, como a AO como

experiência de pensamento reflexivo de caráter social. Por estes argumentos, será o conceito sensibilizador (PATTON, 2002), facilitador da compreensão dos achados em relação ao tempo no presente estudo.

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