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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA EMPÍRICA

2.2 A Dimensão temporal na AO

2.2.1 Um conceito de tempo focado no presente

Como já foi dito, o tempo tem sido identificado nos estudos como um fator importante para a compreensão das dinâmicas dos fenômenos organizacionais, por causa da sua capacidade para estruturar condições de relação entre construtos (GEORGE; JONES, 2000), e por ser uma dimensão da experiência humana que afeta os atores organizacionais (BERENDS; ANTONACOPOULOU, 2014), entre outras razões. Na área de aprendizagem organizacional, e dado que a aprendizagem alude à mudança e progressão, o tempo está envolvido na maior parte dos estudos, embora que de forma implícita, devido a uma atenção maior a outras dimensões (BERENDS; ANTONACOPOULOU, 2014; DIONYSIOU; TSOUKAS, 2013).

Agora, que tipo de conceito de tempo se requer para o estudo da AO como pensamento reflexivo de caráter social? Segundo Berends e Antonacopolou (2014), é preciso contar com uma noção de tempo que permita a teorização e integração com o domínio conceitual, pelo que se requerem análises que abarquem o tempo na complexidade das suas dimensões e estabeleçam um embasamento conceitual mais sólido para a análise da sua relação com a AO. Atendendo a essas indicações, procurou-se um referencial teórico com orientação filosófica pragmática, congruente com aquela que influencia a teoria de AO como pensamento reflexivo de caráter social e a teoria dos mundos sociais, e assim foi possível identificar a noção de tempo com foco no Presente, criada por Mead (1932).

Um dos fatores característicos dessa visão é a rejeição do determinismo causal para explicar o tempo (ADAM, 1990). Tal determinismo, também conhecido como visão Newtoniana do tempo, explana o tempo como uma sucessão de instantes isolados (EMIRBAYER; MISCHE, 2013; SIMPSON, 2009) que se causam linearmente uns a outros;

isso significa que cada evento teria um antecedente e um consequente, e seria, por sua vez, um antecedente e um consequente de outro. Contudo, aquela tem sido uma visão predominante nas Ciências Sociais, que limita a compreensão dos fenômenos sociais, ao promover que esses fenômenos sejam concebidos como descontextualizados, isolados de outros fenômenos, fragmentados, sem pressupor consequências múltiplas nas suas mudanças, previsíveis, e objetivos (ADAM, 1998).

A perspectiva de George H. Mead, por outro lado, recusa a explanação do tempo como uma sucessão de instantes isolados e, ao contrário, o define como um fluxo de eventos de múltiplos níveis, onde uns estão inseridos em outros, conformando uma estrutura complexa com raízes no presente (EMIRBAYER; MISCHE, 1998). Consequentemente, admite a atribuição de princípios orgânicos aos fenômenos como a contextualização inerente, a interconexão em rede entre os fenômenos e nos eventos que os conformam, a irreversibilidade da mudança e a contingência (ADAM, 1998); dessa manera, a perspectiva de Mead acolhe a multidimensionalidade e a complexidade da experiência humana, e aprecia o tempo como uma dimensão construída socialmente.

Em termos dos aspectos passado, presente e futuro do tempo, essa rejeição do determinismo causal também levou Mead a reformular o entendimento do passado e do futuro como condicionantes do presente, pois embora esta ideia tenha sido também muito difundida nas ciências sociais, sua linearidade não levaria em conta a consciência, emergência e novidade da experiência humana (FLAHERTY; FINE, 2001; SCHULTZ; HERNES, 2013). Ao invés disso, propôs uma influência bidirecional desde o presente emergente, para o passado e o futuro, através da interpretação (MEAD, 1932); isso significa que passado e futuro são significados e resignificados desde o presente.

Em detalhe, a dinâmica temporal e com ela a relação entre os aspectos passado, presente e futuro, pode ser enxergada a partir de suas propriedades interligadas: emergência do presente, e sociabilidade. Por um lado, a emergência do presente faz referência à sua qualidade ilusória (specious, no texto original de Mead, 1932), fazendo com que tal presente só surja através da interpretação; assim, a percepção dos estímulos da realidade estaria mediada por tal interpretação de estímulos novedosos (FLAHERTY; FINE, 2001) e permitiria distinguir os acontecimentos pelos quais emerge o tempo (MEAD, 1932). Destarte, a noção de emergência do presente faz alusão ao caráter construído e interpretado da realidade, examinado em outras teorias que têm sido analisadas nesta fundamentação teórica-empírica,

sendo congruente na sua visão da aproximação aos fenômenos do mundo à noção de AO como experiência de pensamento reflexivo de caráter social.

De fato, a emergência do presente demanda do ator social a escolha de um estímulo do infinito número de estímulos disponíveis, de tal forma que o habilite a construir uma linha de ação útil e significativa; subsequentemente, visualiza um curso de ação, constrói ou organiza a sequência de estímulos aos quais vai responder, de maneira que configura ativamente o seu entorno, e finalmente interpreta o estímulo (FLAHERTY; FINE, 2001; SIMPSON, 2009). Através desse processo, o sujeito toma distância da experiência (EMIRBAYER; MISCHE, 1998) e com isso tem a capacidade de reinterpretar o passado desde o presente (usando tanto a memória individual, quanto a coletiva) ou resolver situações problemáticas no futuro imediato ou hipotético (MEAD, 1932); nesse último caso, as interpretações estão ligadas às hipóteses de trabalho e para elas, o futuro fornece o teste necessário para a formulação do passado em eventos que aparecem na experiência (FLAHERTY; FINE, 2001). É nesse processo que se integram memória, percepção e antecipação, conformando passado, presente e futuro, num senso coerente de duração, onde o presente é o lócus de controle da realidade (FLAHERTY; FINE, 2001).

Em relação à sociabilidade, os atores sociais se acham alocados em contextos tempo- relacionais, pelo qual a construção de perspectivas temporais é um processo intersubjetivo (EMIRBAYER; MISCHE, 1998); seu posicionamento entre o antigo e o novo lhes obriga a desenvolver novos caminhos para integrar as perspectivas passada e futura, valendo-se do presente (EMIRBAYER; MISCHE, 1998; SCHULTZ;HERNES, 2013). A origem da sociabilidade radica na emergência do presente, pois é o traço de improvisação próprio da interação social, que surge na realidade instantânea e imprevisível, o que não permite que o presente seja determinado pelo passado nem pelo futuro (FLAHERTY; FINE, 2001). Desse modo, o tempo pode enxergar-se como parte de sistemas de referência para a interação social, onde a objetividade e a subjetividade se acham em constante reajuste, tanto quanto a realidade social mesma (MEAD, 1932).

Em suma, a perspectiva do tempo criada por Mead (1932) postula a ação social interpretativista e orientada a consequências como ponto de referência para a emergência do tempo, com suas facetas passada, presente e futura, deixando em evidência sua afinidade com os postulados pragmatistas e com a visão de uma realidade construída a partir das experiências e da interação social, que coincide com a visão de AO que sustenta este estudo. A

seguir, será examinado um marco de referência para o estudo do tempo nas organizações, que faz parte da visão de mundos sociais, e se apresenta compatível com a ótica de Mead do tempo.

2.2.2 Trajetória: Marco de referência para o estudo do tempo na

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