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2.4. Factores de risco para a progressão da doença após infecção pelo Mycobacterium

2.4.4. Factores clínicos

Das muitas patologias associadas à tuberculose, destacam-se as seguintes como potenciadores do risco de tuberculose-infecção para tuberculose-doença:

Transmissão Recente da Infecção pelo Complexo Mycobacterium tuberculosis Capítulo 2 na Região de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo – Contributo Epidemiológico Introdução

Apesar de a tuberculose se poder curar naturalmente, o risco de recaída é maior quando não se recorre a tratamento. As pessoas com lesões pulmonares fibróticas residuais, resultantes de cura espontânea de uma tuberculose antiga, parecem ter um maior risco de reactivação (Rieder, 1999).

Diabetes mellitus

A tuberculose e a diabetes coexistem frequentemente. Há estudos que sugerem que os doentes com diabetes têm um risco 3 vezes superior de a infecção pelo Mycobacterium

tuberculosis evoluir para tuberculose-doença (Rieder, Cauthen, Comstock et al. 1989;

CDC, 1992). Outros estudos, também sobre a incidência de tuberculose pulmonar nos diabéticos, mostraram que o risco relativo de desenvolver tuberculose activa era 3 a 5 vezes maior nos diabéticos do que no grupo de controlo, sendo mais significativo no sexo masculino e nos doentes mais jovens, entre os 30 e 49 anos de idade (Kim, Hong, Lew et al., 1995).

Na generalidade, os doentes diabéticos têm maior predisposição para as infecções pulmonares, pelo que na prática clínica a tuberculose faz parte do diagnóstico diferencial de qualquer infecção que apresente alterações radiológicas do tórax nesta população.

Neoplasias

A incidência de tuberculose nos doentes com neoplasias é cerca de 9 vezes superior à da população em geral (Rieder, 1999; Pestana, 2000).

A tuberculose pode aparecer associada a qualquer neoplasia, no entanto é mais frequente a relação com o cancro do pulmão, alguns linfomas e leucemias.

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A tuberculose e as neoplasias estão relacionadas com uma elevada mortalidade devido muitas vezes ao atraso do diagnóstico e, consequentemente, à instituição tardia da terapêutica.

Insuficiência renal

Os doentes com insuficiência renal crónica têm alterações da sua imunidade celular e constituem, por isso, um grupo de risco para a tuberculose. Os transplantados renais, para além da depressão da imunidade celular, fazem terapêutica imunossupressora, o que facilita ainda mais o aparecimento da tuberculose. Contudo, um dos grandes problemas para os insuficientes renais crónicos é a terapêutica antibacilar, pois a excreção de alguns antituberculosos faz-se exclusivamente por via renal, o que pode provocar graves situações de toxicidade.

Na maioria dos casos de doentes em diálise, a tuberculose deve-se a reactivações endógenas, e a doença ocorre nos primeiros meses de início do tratamento.

Estima-se que a incidência de tuberculose nos doentes com insuficiência renal terminal ou em hemodiálise seja 10 a 15 vezes superior à da população em geral (Chia, Karim, Elwood et al., 1998).

Doença Hepática

A hepatite alcoólica e a cirrose são as doenças hepáticas que mais frequentemente coexistem com a tuberculose. Em contrapartida, é mais rara a presença simultânea da tuberculose e hepatite aguda B ou C. (Rieder, 1999; Pestana, 2000).

Porque os três principais fármacos antituberculosos – isoniazida, rifampicina e pirazinamida – são hepatotóxicos, recomenda-se a vigilância atenta da função hepática nos doentes hepáticos com tuberculose.

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Silicose

A silicose é uma doença grave, progressiva, e sem tratamento específico. Já foi reconhecido que os indivíduos expostos à sílica têm maior incidência de tuberculose do que os não expostos. Num estudo de seguimento de uma coorte de mineiros de ouro na África do Sul, o risco relativo para a tuberculose foi de 2,8 para os homens com silicose, quando comparado com os homens sem silicose (Cowie, 1994).

A exposição a poeiras de sílica diminui a função dos macrófagos pulmonares, que se tornam incapazes de inibir a multiplicação do Mycobacterium tuberculosis no seu interior, e assim impedir que o bacilo se multiplique mais depressa e se liberte mais cedo das células, facilitando a sua disseminação e consequente progressão da doença. A alteração da função macrofágica leva a que estes doentes com silicose respondam pior à terapêutica antituberculosa do que os doentes com um sistema imunitário normal, o que contribui para um aumento da mortalidade.

Terapêutica imunossupressora

A importância da terapêutica imunossupressora na incidência de tuberculose tem sido descrita. Prescrita frequentemente na população idosa, a terapêutica imunossupressora de longa duração, nomeadamente a corticoterapia, pode levar à reactivação de lesões antigas de infecção, criar susceptibilidade para uma reinfecção exógena ou dar origem a formas de tuberculose disseminadas. Geralmente a tuberculose é difícil de diagnosticar, com formas de apresentação atípicas, por vezes não valorizadas, e que muitas vezes conduzem à morte.

Infecção pelo VIH

É hoje claro que a infecção pelo VIH é o maior factor de risco conhecido de progressão da tuberculose-infecção para doença clínica. De facto, a epidemia da infecção pelo VIH

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aumentou o peso da tuberculose-doença, principalmente em países com alta prevalência de tuberculose latente na população jovem adulta (World Health Organization, 2008b).

O VIH infecta e/ou torna inválidas as mesmas células monocíticas que controlam a patogénese da tuberculose, os macrófagos alveolares e os linfócitos T, alterando e diminuindo a capacidade de resposta destas células face aos antigénios micobacterianos, nomeadamente a sua capacidade de produção do interferão gama, uma citocina que actua a nível celular, activando os macrófagos e aumentando a sua capacidade de contenção da infecção micobacteriana (Dannenberg, 1989; Flynn, Chan 2001; Ellner, 1997: Ordway, Ventura, 2001a e 2001b).

Novas infecções pelo Mycobacterium tuberculosis em pessoas que já estão imunocomprometidas devido à infecção VIH podem progredir rapidamente para tuberculose-doença. As pessoas infectadas recentemente com tuberculose, e que têm uma co-infecção VIH, podem também desenvolver uma tuberculose activa muito mais rapidamente do que as pessoas não-infectadas pelo VIH. O risco acrescido que a infecção VIH comporta tem sido demonstrado de forma alarmante pela análise de surtos de tuberculose (World Health Organization, 1996; Daley, Small, Schecter et al., 1992; Edlin, Tokars, Grieco et al., 1992; Dooley, Villarino, Lawrence et al., 1992; CDC, 1991; Sekwyn, Hartel, Lewis et al., 1989).

De facto, a infecção VIH pode alterar a epidemiologia da tuberculose de três formas diferentes: 1) por reactivação endógena de uma infecção prévia pelo Mycobacterium

tuberculosis; 2) por infecção recente pelo Mycobacterium tuberculosis com progressão

rápida para doença; 3) por reinfecção pelo Mycobacterium tuberculosis em doentes previamente infectados pelo bacilo da tuberculose, ou mesmo sob tratamento.

Nos doentes co-infectados pelo binómio tuberculose/VIH, o risco de progressão da tuberculose latente, subclínica para a forma de doença activa é da ordem dos 7,0% a

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10,0% em cada ano, e de 30,0% a mais de 50,0% ao longo da vida. Comparativamente, o risco para doentes infectados apenas pelo Mycobacterium tuberculosis é de 10,0% ao longo da vida (Narain, Raviglione, Kochi, 1992; Guelar, Gatell, Verdejo et al., 1993; Selwyn, Sckell, Alcabes et al., 1992; O´Brien, Perrins, 1995).

Assim, a avaliação do risco de tuberculose nos doentes infectados pelo VIH depende fundamentalmente do grau de imunossupressão. Se a tuberculose surgir cedo no decurso da infecção VIH, a tuberculose pulmonar é a forma mais frequente. Com o agravamento da imunossupressão, as formas ganglionares e serosas (pleural, peritoneal e pericárdia) passam a ser mais frequentes, seguidas pela tuberculose meníngea. Com a contagem de linfócitos CD4 muito baixa, surge mais frequentemente a tuberculose miliar ou disseminada (De Cock, Soro, Coulibaly et al., 1992).

No que respeita à interacção tuberculose/VIH, é igualmente relevante a influência da tuberculose na progressão da infecção viral. Acrescente-se que o grau de imunossupressão é um factor preditivo de sobrevivência dos doentes infectados pelo VIH e pelo Mycobacterium tuberculosis. Nesta perspectiva, o tratamento da tuberculose latente em indivíduos infectados pelo VIH é recomendado, pois parece contribuir para a redução da mortalidade nestes doentes. Estudos têm demonstrado que o tratamento da tuberculose latente nos doentes infectados pelo VIH reduz em 60,0% o risco de desenvolver tuberculose activa, apesar de a duração desta protecção permanecer ainda desconhecida (Reid, Scano, Getahun et al., 2006). Igualmente, tem sido descrito que a terapêutica anti-retroviral reduz em 70,0%-90,0% a probabilidade de um doente VIH desenvolver tuberculose activa, apesar de os efeitos adversos de cada tratamento e da interacção medicamentosa contribuírem para a não-adesão à terapêutica e para o desenvolvimento de resistências (Lawn, Bekker, Wood, 2005).

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Do acima exposto, não podemos ignorar que as duas infecções estão concentradas nos mesmos grupos de risco, e que este binómio tuberculose/VIH pode levar a um aumento dramático de co-infecção nestes grupos populacionais. São todos estes factos que evidenciam a necessidade urgente de se definirem áreas estratégicas de intervenção comuns para combater estas duas patologias (ECDC, 2008; World Health Organization and UNAIDS, 2008).