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Factores políticos

No documento O admirável Mundo das Notícias (páginas 112-117)

Há números factores políticos que podem condicionar a produção jornalís- tica. Desde logo, podem-se indicar factores estruturais como sejam a natureza mais ou menos monolítica e dirigista do sistema político ou a natureza mais ou menos activa do exercício da cidadania por parte da sociedade civil. Há elementos exercidos pelo Estado que incluem desde as medidas coercivas a formas de regulamentação que continuam a estar presentes também nos re- gimes democráticos. Por outro lado, o próprio jornalismo pode estar mais ou menos comprometido, em termos de cultura política, com as dinâmicas democratizantes da sociedade civil e da esfera pública.

Por maiores que sejam as debilidades hoje reconhecidas ao trabalho, o li- vro The Four Theories of The Press (1956) de Sielbert, Schramm e Petersom ainda pode ser referido como um marco histórico da análise das relações entre a imprensa e a política. O livro refere-se à teoria autoritária para descrever al- guns séculos de controlo da imprensa por vários regimes repressivos. A teoria comunista soviética é descrita como atribuindo aos jornais o reforço e a dis- seminação do marxismo e consequentemente, o reforço do papel do partido comunista na luta por uma sociedade sem classes. A teoria liberal é, em larga medida, identificada com o modelo americano e é apresentada sob o ponto de vista da auto-regulação. Quanto à teoria da responsabilidade pressupõe de- veres das instituições de comunicação para com a sociedade (truth, accuracy, objectivity, and balance).

Um livro importante na análise histórica da relação entre Jornalismo e política é Strukturwandel der Öffentlichkeit (Mudança Estrutural da Esfera Pública 1984). Habermas evidencia as transformações sociais que conduzi- ram à constituição de um espaço público intermediário entre a esfera política, domínio do Estado e as necessidades da sociedade civil. Em contraste com a publicidade representativa do período medieval em que a nobreza reinante e o seu poder eram apresentadas perante a população, a nova esfera pública ofere- www.livroslabcom.ubi.pt

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cia a possibilidade dos cidadãos se empenharem na discussão do exercício do poder pelo Estado. As pessoas privadas, usando a sua razão crítica, reúnem- se para criar um público. Entre as instituições que desempenham um carácter estratégico na instituição da esfera pública, destaca-se a Imprensa que, neste período, assume funções ligadas aos interesses defensivos (em face do poder do Estado) das camadas burguesas, ou sejam funções não meramente infor- mativas mas críticas e pedagógicas. A segunda parte do livro de Habermas consiste, porém, na análise da decadência da função crítica da Imprensa. Ao longo da segunda metade do século XIX, a imprensa surge marcada por uma sôfrega vontade de conquistar o gosto popular. Esta esfera pública aparente- mente ampliada perde o seu carácter político à medida que os meios para a acessibilidade psicológica se tornam uma finalidade em si mesmos em função de uma posição consumista (Habermas, 1982, p. 91). Os assuntos políticos, económicos e sociais, as causas mobilizadoras são substituídas pelos fait di- vers, pelas notícias de rosto humano, eventos sociais, acidentes, corrupção, entretenimento. Presentemente, as teses habermasianas do papel da imprensa iluminista no dialogismo do espaço público conheceu um desenvolvimento fundamental e uma espécie de segunda vida com o jornalismo público.

Uma abordagem merecedora do maior interesse diz respeito às dinâmicas introduzidas entre media, sistema político e audiências por Blumer e Gure- vitch (1995, p. 11-24). Os autores assumem, claramente, uma perspectiva sistémica e apontam para a existência de um sistema de comunicação política em que a variação verificada em cada um dos componentes deveria ser asso- ciada com a variação do comportamento de todos os restantes componentes.

Uma das linhas de análise perseguida por Blumer e Gurevitch é a de en- contrar articulações entre os papéis desempenhados pela audiência, as orienta- ções dos políticos e as orientações dos profissionais da comunicação. Assim, a) ao papel de partidário empenhado do lado da audiência, corresponde um papel de orientação editorial pelo pessoal dos media e um papel de «gladia- dor» do lado dos políticos; b) o papel de cidadão liberal do lado da audiência corresponde o papel de moderador no que diz respeito aos trabalhadores dos media e de persuasor racional por parte dos políticos; c) o papel de monitor pelo lado da audiência seria complementado pelo papel de watchdog pelos jornalistas e de fornecedor de informação pelo lado dos políticos; e d) o papel de espectador, do lado da audiência, seria complementado pelo de entertainer pelo pessoal dos media e de actor (performer) pelo lado dos políticos. Os sis- Livros LabCom

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temas onde se verifique uma larga influência dos partidos na orientação dos media, prevalecerá a primeira situação: os sistemas com amplo liberalismo político tenderão a fazer prevalecer o segundo; nos casos em que se verifica uma regulamentação orientada pelos princípios da responsabilidade social, provavelmente, verificar-se-á a terceira situação enquanto onde a orientação comercial dos media prevalecer haverá condições para se detectar a quarta possibilidade.

Um importante estudo sobre a função política do jornalismo é o modelo de propaganda apresentado por Noam Chomsky e Edward S. Herman.

Para Chomsly e Herman, os meios de comunicação actuam como sistema de transmissão de mensagens e símbolos para o cidadão médio. A sua função principal é inculcar nos indivíduos os valores, crenças e códigos de comporta- mento que os farão integrar-se nas estruturas institucionais de uma sociedade caracterizada por profundas desigualdades (Chomsky e Herman, 1990, p. 21). Os meios de comunicação participam na geração da propaganda pelas eli- tes corporativas e governamentais que constituem, de facto, um governo mun- dial. A premissa básica é a de a informação (nomeadamente, o seu controlo, selecção e emissão) ser, mais do que nunca, poder. Nas democracias capitalis- tas contemporâneas a aliança do poder económico, político e mediático origi- nam propaganda de modo mais subtil do que nos regimes totalitários, usando inclusivamente conceitos como os de liberdade informativa e independência dos media. Porém, por detrás destes mitos, o trabalho dos media baseia-se em cinco filtros:

O primeiro filtro funda-se na concentração empresarial do mercado de media.

O segundo filtro baseia-se no beneplácito da publicidade. Chomsky e Her- man não concordam com a narrativa liberal que confere à publicidade um papel na autonomia do jornalismo (1990, p. 43). Os anunciantes apoiam programas que não ponham em causa a ideologia corporativa dominante e “raramente patrocinarão programas que abordem sérias críticas às actividades empresariais” (Chomsky e Herman, 1990, p. 48).

O terceiro filtro reside no facto de os meios de comunicação funcionarem com informação gerada pelo governo, as administrações públicas, as insti- tuições burocráticas e as corporações.

O quarto filtro baseia-se sobre as críticas aos conteúdos dos meios de co-

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municação, na tentativa de calar qualquer informação ou emissão que suponha um atentado contra os seus interesses.

O quinto filtro – hoje relativamente irrelevante – baseia-se no anticomu- nismo como meio de controlo ideológico.

Durante os anos 70, desenvolveram-se os chamados estudos de parcia- lidade, assentes em larga medida numa ideia de distorção e manipulação da opinião pública: Cirino (1970); Efrom (1971); Lowry, (1971).

Um elemento adicional de explicação que nos parece colher algum inte- resse para a análise do desenvolvimento da esfera de visibilidade política é a abordagem de Brian McNair (2006) que fala da transição de um paradigma do controlo – de que são exemplo todo um conjunto de abordagens críticas que vêm a cultura mediática como um aparato monstruoso que exerce um do- mínio sobre e pessoas iludidas e manipuladas – para um paradigma do caos marcado pela fragmentação, pela aceleração da mudança, pela segmentação das mensagens, das plataformas e dos conteúdos, pela descentralização, pela orientação no sentido da procura e erupção das diferenças, pelo desenvolvi- mento não linear dos sistemas de comunicação.

O paradigma do controlo enfatiza a importância da estrutura e da hie- rarquia na manutenção de uma ordem social injusta. Assenta numa ideia de determinismo económico, onde as elites dominantes estendem o seu controlo desde os recursos económicos aos aparelhos culturais dos media, incluindo os meios de propaganda e de relações públicas, conduzindo a resultados previs- tos como o enviusamento mediático favorável às elites, a formação de uma ideologia dominante e a manipulação. Por contraste, o paradigma do caos re- conhece o desejo de controlo por parte das elites mas sugere que o exercício do controlo é constantemente interrompido por imprevisíveis erupções e bi- furcações emergindo do impacto de factores políticos, culturais, económicos e tecnológicos no processo comunicacional. Assim, verifica-se mais a disputa ideológica do que a hegemonia; a volatilidade crescente das agendas noticio- sas, a emergência de frequentes mensagens críticas no sistema mediático con- duzindo até à sua comercialização em circuitos de distribuição mainstream, a multiplicação de pretensões de validade conflituais oriundas de minorias e de movimentos sociais que obtêm alguma recepção mediática ainda que con- traditória nas suas configurações, a multiplicação de media com pontos de vista diferentes e contraditórios, a expansão de formas alternativas de expres- são como a blogosfera, a segmentação proporcionada pelas novas plataformas Livros LabCom

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disponibilizadas pelas novas TICs (jornalismo móvel, redes sociais, etc.) em suma, a erosão das condições de controlo por efeito da concorrência no seio dos media, o reforço do escrutínio sobre as elites e sobre os próprios media, a diversificação e descentralização da produção mediática (McNair, 2008, pp. vi; xiv; 4; 37; 124).

As tentativas de controlo exercidas pelas elites políticas confrontam-se com a lógica fragmentada e pluralista dos mass media – detectada pelo para- digma do caos – a qual impede a formação de uma lógica unilateral, unidimen- sional e propagandística. Apesar das tentativas de explicação unilateral da re- lação entre os media e a política como o modelo de propaganda de Chomsky, os media encontram-se numa posição ambígua e reflectem as profundas con- tradições no seio do campo: jogos de poder, imperativos concorrenciais cada vez mais agressivos, desejo de responder às audiências, fragmentação do mer- cado, imperativos deontológicos, segmentação de audiências, cultura profissi- onal e disputas simbólicas entre fontes dotadas de acesso desigual entram em jogo.

Parece-nos útil referir uma tipologia recente do pesquisador brasileiro Wilson Gomes (2004, p. 50 e seguintes) que teoriza três estádios das rela- ções entre os meios e a política.

O 1º estádio teria correspondido à imprensa de opinião associada a um espaço público que foi conhecendo uma expansão crescente. É o momento associado em larga medida à imprensa romântica de opinião;

O 2º estádio resultaria da identificação dos meios de comunicação social como instrumentos de produção de efeitos junto da opinião pública, de que o exemplo limite é a propaganda. No caso português, o exemplo mais óbvio terá sido neste caso a utilização da Rádio e da Televisão pela Ditadura.

Finalmente, encontramo-nos num 3º estádio em que não podemos falar de apenas de meios de comunicação mas de ambientes comunicacionais: a au- tonomização dos meios como indústrias de informação e da cultura faz com que o campo dos media siga uma autonomia crescente com a adopção de ló- gicas próprias e de certa forma auto-referenciais. Os novos sectores industriais são mais do que simples instrumentos de mediação entre a esfera política e a sociedade. Afirmam-se como uma instituição social com regras de funciona- mento, valores específicos, hierarquias próprias, e com princípios e valores imanentes que se tornam prioritários sobre princípios e exigências de outras esferas.

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Para além de determinações sistémicas e estruturais podem registar-se fac- tores conjunturais que resultam da evolução da situação política e do surgi- mento de conflitos internos externos que podem originar situações que condi- cionam a margem de manobra dos profissionais da imprensa. As situações de guerra são, por exemplo, propícias a um ambiente de cerceamento das liber- dades públicas, nomeadamente a liberdade de informação. A criação de uma ideologia nacionalista, uma situação de conflito ou a detecção de uma ameaça interna ou externa podem levar as populações, os Governos, os políticos e os próprios media a tornarem-se adversários de um noticiário rigoroso (Guerra do Golfo, 11 de Setembro, conflito na Irlanda do Norte). Por vezes, as mais nobres intenções podem envolver os jornalistas na exaltação de uma causa de um modo que afecta os contornos do profissionalismo (Miller, 1993, p. 75).

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