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Os critérios de noticiabilidade

No documento O admirável Mundo das Notícias (páginas 157-162)

O saber de reconhecimento está inevitavelmente relacionado com os valores- notícia. Logo, os jornalistas adquirem, como uma parte do seu profissio- nalismo, em grande parte através do treino, da pressão exercida pelos seus pares e na sala de redacção, um saber instintivo que lhes permite identificar e hierarquizar a multiplicidade de acontecimentos que acontecem no mundo real.

Segundo Galtung e Ruge (1993, p. 63),

o mundo pode ser comparado a um enorme conjunto de estações radiodifusoras, cada uma a emitir o seu sinal ou o seu programa no seu próprio comprimento de onda. A emissora é contínua, correspondendo ao axioma que está sempre a acontecer algo a qualquer pessoa no mundo. O conjunto de acontecimentos mun- diais, então, é como a cacofonia que se obtém quando se procura obter um posto num receptor de rádio e, sobretudo, se isso for rapidamente em onda média ou onda curta. É óbvio que esta ca- cofonia não faz sentido, e só pode ser inteligível se um posto for sintonizado e escutado durante algum tempo antes de passar para o seguinte. Tal conceito de noticiabilidade implica a existência de critérios pelos quais essa qualidade – a noticiabilidade – é reco- nhecida: os valores – notícia.

Galtung e Ruge enumeraram doze valores-notícia:

Frequência – A frequência respeita à existência de uma espécie de sintonia entre a frequência do acontecimento e a periodicidade jornalística. É possível publicar um assassinato que se dá entre duas edições de um jornal, mas não é possível dar conta de uma morte específica que se desenvolve durante uma batalha em que há, pelo menos, um morto em cada minuto, tal como não é possível descrever minuciosamente a cons- trução de uma barragem.

Amplitude – Critério que se refere à dimensão e intensidade de um aconte- cimento. Assim, quanto maior a amplitude de um acontecimento, mais provável será a sua divulgação.

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Clareza (ou falta de ambiguidade) – O acontecimento a noticiar terá de ser unidimensional, apenas com um significado. Quanto menos dúvidas houver em relação ao significado de um acontecimento, maiores são as probabilidades de ser noticiado. Quanto mais claro e inequívoco for o sinal, mais provável a audição dessa frequência. Para usar o termo associado à rádio, quanto menor o ruído mas audível se tornará o sinal. Significância (de proximidade e relevância) – Critério que resulta da jun- ção de duas interpretações: proximidade e relevância. O acontecimento terá mais impacto quanto maior for a proximidade cultural com a au- diência e tem de ser relevante. Quanto mais significativo for o sinal, mais provável será a audição dessa frequência. O termo «significativo» associa-se à ideia de ser interpretável dentro da estrutura de significados do ouvinte, remetendo para uma certa proximidade cultural.

Consonância – A capacidade de inserir uma “nova” acção numa “velha” definição. Quanto mais consonante for o sinal com a imagem mental do que se espera encontrar, mais provável será a audição dessa frequên- cia. O valor notícia da consonância está ligado com uma pré-imagem mental. Os acontecimentos que se desviarem muito das expectativas existentes não serão registrados.

Inesperado – Dentro do conjunto dos acontecimentos candidatos a notícia, o mais inesperado tem maior probabilidade de ser escolhido O carácter inesperado do acontecimento é um critério que parece corrigir os restan- tes. É o inesperado dentro dos limites do significativo e do consonante. Continuidade – Logo que algum acontecimento atinja os cabeçalhos e seja definido como notícia, então continuará a ser definido como notícia du- rante algum tempo, mesmo que a amplitude seja drasticamente redu- zida.

Composição – Os acontecimentos são escolhidas de modo a constituir um todo equilibrado. Quanto mais um sinal for sintonizado, mais valerá a pena sintonizar um sinal de tipo diferente da próxima vez. No fundo, se houver um número muito elevado de notícias do estrangeiro, o valor de noticiabilidade de notícias domésticas será mais elevado.

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Enquanto estes oito primeiros valores parecem variáveis independentes da cultura em que se verificam, há factores que influenciam a transição dos acontecimentos para as notícias e que são culturalmente determinados.

Referência a nações de elite – Quanto mais um acontecimento diga respeito às nações de elite mais existe a possibilidade de ser representado. Referência a pessoas de elite – Valor-notícia da proeminência do actor do

acontecimento enquanto pessoa de elite, uma vez que as acções de elite são geralmente mais importantes do que as actividades dos outros. Personificação (referência às pessoas envolvidas) – As notícias têm ten-

dência para apresentar os acontecimentos como protagonizados por um sujeito, uma determinada pessoa ou colectividade composta por algu- mas pessoas, e o acontecimento é então visto como uma consequência da acção dessas pessoas.

Negatividade (bad news is good news) – As más notícias tendem a ter mais impacto perante a audiência. Quanto mais negativo for o aconteci- mento, mais provável a sua transformação em notícia (Galtung e Ruge, 1993, p. 63-69).

4.6.1 Valores-notícia (2): tipologia de Ericson, Baranek, e Chan, Mauro Wolf e Nelson Traquina

Para além da clássica arrumação de Galtung e Ruge também Ericson, Baranek e Chan (1967: 165), Mauro Wolf (1987) e Nelson Traquina (2004) apresenta- ram uma tipologia de valores-notícia (critérios de noticiabilidade).

Os primeiros indicaram os seguintes: a) a simplificação entendida como ausência de polissemia e de ambiguidade; b) a dramatização, isto é a possibili- dade de ser reconhecido como um elemento que induz interesse emocional; c) a continuidade, ou seja a existência de enquadramentos pré-estabelecidos que permitam identificar o item específico; d) a consonância, valor que se articula consideravelmente com o anterior e que tem que ver com características que sejam facilmente reconhecíveis; e) o inesperado, em especial aquele que se reveste de uma tonalidade negativa e, f) a infracção, importante valor notícia associado à norma e ao desvio.

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A classificação de Wolf (1987) não procedeu a uma alteração da teoria dos “valores-notícia”. Antes tentou uma arrumação nova de várias tipologias de valores – notícia já existentes, dividindo-os em cinco categorias: a) as carac- terísticas da notícia ou o seu conteúdo; b) a disponibilidade do material; c) as características relativas ao produto; d) as características relativas ao público; e) as características relativas à concorrência.

Quanto aos critérios substantivos, identificou os seguintes: a) grau e ní- vel hierárquico dos protagonistas envolvidos no assunto, sejam indivíduos ou instituições; b) impacto sobre a nação ou interesse nacional; c) quantidade de pessoas que o acontecimento envolve; d) relevância e significação de um acontecimento quanto à evolução futura de uma dada situação.

Relativamente aos critérios respeitantes à disponibilidade de materiais, di- zem respeito ao quanto os acontecimentos são susceptíveis de serem tratados nas formas tecnicamente disponíveis, quão acessível são para os jornalistas, quão estruturáveis estão de modo a serem facilmente cobertos, quão mais ou menos exigente são em termos de disponibilidade de meios (Elliott e Golding, 1999, p. 44 citado por Wolf, 1987, p. 182).

No que toca às características do produto salientam-se: a) a brevidade, isto é a exposição sucinta; b) o carácter negativo; c) o carácter insólito que se traduz no privilégio relativo dado à ruptura, à descontinuidade no fluxo regular dos acontecimentos; d) a actualidade; e) o ritmo, entendido no sentido em que um acontecimento aborrecido e ritualista pode ser apresentado com técnicas de exposição ou apresentação que o tornem atraente; f) o seu carácter exaustivo, ou seja apresentação dos pontos de vista contraditórios, a clareza e o respeito pelos padrões técnicos mínimos.

Quanto aos critérios relativos ao público, Wolf comenta os pressupostos implícitos acerca do que o público deseja: os critérios relativos à estrutura narrativa, a capacidade de atracção do material que acompanha a notícia, o entretenimento e a importância da notícia.

No que diz respeito aos critérios resultantes da concorrência, assinala-se que a competição pelos exclusivos obriga a duas tendências: o centramento em personagens de elite e na informação institucional que acabam por se tor- nar responsáveis por processos de distorção involuntária; a criação de expec- tativas recíprocas que fazem com que uma notícia acabe por ser publicada pelo simples facto de ser plausível que o concorrente o faça. As expectati- vas recíprocas adicionam um factor de desencorajamento da inovação que se www.livroslabcom.ubi.pt

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traduz, nomeadamente, na existência de semelhanças entre os vários órgãos noticiosos.

Nelson Traquina (2004, pp. 108 e seguintes) considerou a existência de dois tipos de critério, designadamente valores-notícia de selecção, os quais podem ser substantivos ou contextuais, e os valores notícia de construção.

Nos valores-notícia de selecção substantivos indicou os seguintes: a) a morte que surge como o valor mais elevado de qualquer sistema de relevân- cias; b) a notoriedade, na medida em que os acontecimentos que dizem res- peito às pessoas de elite sejam mais facilmente registados; c) a proximidade, seja em termos geográficos seja em termos culturais; d) a relevância entendida como a necessidade de informar o público dos acontecimentos que se acredita serem importantes porque têm impacto na vida das pessoas; f) a novidade: g) o tempo no sentido em que uma data pode servir de pretexto (de “news peg”, literalmente um cabide para a notícia) para originar uma notícia como acontece com a efeméride: vejam-se as notícias sobre os aniversários do 11 de Setembro ou da queda da Ponte de Entre-os-Rios; h) a notabilidade, isto é “a qualidade de ser visível, de ser tangível” (Traquina, 2004, p. 110) i) o inesperado, j) o conflito ou a controvérsia especialmente apreciados se atin- girem a violência em domínios institucionais em que esta é tradicionalmente interdita; 10) o escândalo, profundamente ligado à infracção.

Seguidamente, esta classificação indica os seguintes valores contextuais de selecção: a) A disponibilidade, “isto é, a facilidade com que é possível fazer a cobertura do acontecimento” (Traquina, 2004, p. 115); b) o equi- líbrio, ou seja a preocupação com a existência de matérias diversificadas e, consequentemente, a preocupação de evitar notícias em quantidade excessiva sobre o mesmo tema; c) a visualidade, isto é a existência de material disponí- vel de qualidade que ajude a tornar a notícia mais interessante e atractiva; d) a concorrência, a procura do scoop (da «cacha»), tendência para exercer uma vigilância sobre os restantes membros da profissão, a qual origina o pack jour- nalism, isto é a tendência para um funcionamento de grupo; e) a adequação às rotinas temporais das organizações noticiosas.

Em terceiro lugar, indicam-se os valores-notícia de construção: a) a sim- plificação já que quanto menos ambígua e mais directa, mais possibilidades tem a notícia de ser publicada; b) a amplificação já que quanto mais ampli- ficado é o acontecimento mais possibilidades tem de ser seleccionado; c) a relevância a qual se deve tornar manifesta; d) a personalização, a qual permite Livros LabCom

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um contacto mais directo com o público leigo; e) a dramatização, entendida como o reforço dos aspectos críticos, dramáticos e conflituais.

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