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Os estudos de enquadramento

No documento O admirável Mundo das Notícias (páginas 57-63)

Os enquadramentos (frames) são, frequentemente, analisados com o auxílio das analogias dos enquadramentos na imagem (fotográfica, cinematográfica, etc.) ou dos conjuntos matemáticos. Nesse sentido, apresentam-se como dis- positivos simultaneamente inclusivos e exclusivos porque ao incluírem certas acções e mensagens, excluem outras. Assim, o enquadramento é um tipo de mensagem que visa ordenar ou organizar a percepção do observador di- zendo: “Tenha em conta o que está dentro e não o que está fora”. Deste modo, a definição de framing aponta para a existência de um processo graças ao qual determinados elementos são incluídos ou excluídos de uma potencial

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mensagem ou da sua interpretação em virtude de princípios organizadores da comunicação.

Esta abordagem tem antecedentes na Teoria da Comunicação com Gre- gory Bateson e Alfred Schutz. Os enquadramentos foram estudados no campo da sociologia por Erving Goffman como construções mentais que permitem aos seus utilizadores localizar, perceber, identificar e catalogar um número in- finito de ocorrências concretas (Goffman, 1986, p. 21). Assim, frames são, mais ou menos, elementos básicos que governam os acontecimentos sociais e o nosso envolvimento subjectivo neles (Goffman, 1986, p. 10). São esque- mas de interpretação graças aos quais determinados acontecimentos aos quais prestamos atenção são tornados visíveis e organizados. Podem ser definidos como “uma ideia organizadora central que permite a atribuição de significado (Gamson e Mondigliani, 1987 citado por Zelizer, 2004, p. 141) ou como “um clusterde ideias que guiam os indivíduos no processamento de informação” (Entman citado por Zelizer, 2004, p. 141). A significação da actividade quoti- diana dependeria de um conjunto finito e fechado de regras cujo conhecimento seria uma arma poderosa de compreensão da realidade social. É este conjunto finito e fechado de regras que se designaria por frame.

Na vida social surgiriam diversos tipos de enquadramentos que variam em grau de complexidade e organização. Alguns são apresentados como sistemas de regras e postulados enquanto outros se limitam a apresentar uma perspec- tiva, uma abordagem.

Por outro lado, os enquadramentos (frames) de um grupo social em parti- cular constituem um elemento central de uma determinada cultura que permi- tem compreender como as pessoas concebem as relações sociais, as relações de estatuto e de classe, etc. (Goffman, 1986, p. 27). No caso das nossas sociedades, os enquadramentos desempenham uma função que visa permitir aos seus utilizadores explicarem as ocorrências que se dão a conhecer na vida social, utilizando o conhecimento disponível e previamente estabelecido.

Entman, Matthes e Pellicano (2009, p. 176) consideram que os processos de enquadramento ocorrem a quatro níveis: na cultura, na mente das elites e dos comunicadores políticos profissionais, nos textos e na mente dos ci- dadãos. A cultura inclui um acervo de frames presentes nomeadamente nas variadas formas de discurso público. As elites são compelidas a seleccionar a partir deste stock, num processo que transporta em si traços de anteriores processos de enquadramento. O framing nos textos mediáticos emerge de www.livroslabcom.ubi.pt

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uma rede de profissionais da comunicação que participam num processo co- lectivo de enquadramento, seleccionando aspectos da realidade percepcionada e construindo mensagens relacionadas entre si de modo a promoverem uma interpretação específica. Constata-se assim, a existência de frames na rede de comunicação que se adequam a frames pré-existentes na cultura envolvente. Este fenómeno pode ter-se verificado por exemplo no caso do Arrastão de Car- cavelos em que a coincidência quase perfeita e instantânea entre televisões e jornais pode explicar-se pela sua coincidência com um frame culturalmente estabelecido.

Alguns profissionais da comunicação procedem a um enquadramento es- tratégico, procurando exercer poder e influências sobre as audiências a fim de que estas aceitem interpretações que favoreçam os seus interesses e objecti- vos. Isto inclui políticos, alguns bloggers, editorialistas e líderes de opinião. Outros comunicadores, especialmente jornalistas, procedem a enquadramen- tos sem compromisso com nenhuma agenda de interesses estrategicamente definida, o que não quer dizer que não reflictam indirectamente a influência dessas agendas.

O que distingue um frame de uma mera mensagem persuasiva ou simples- mente de uma asserção? Um frame invoca repetidamente os mesmos objec- tos e características, usando palavra idêntica ou sinónimas (palavras-chave) e símbolos numa série de comunicações similares concentradas no tempo, pro- movendo uma interpretação de uma situação problemática, frequentemente acompanhada por um julgamento moral que transporta uma carga emocio- nal. Se uma comunicação não exibe palavras e símbolos repetidos que se relacionam com as associações culturais de muitos cidadãos, não é um frame (Entman, Matthes e Pellicano 2009, p. 177).

A abordagem dos frames foi aplicada e desenvolvida e desenvolvida por Gitlin (The Whole Word is Watching You) e Tuchman (Making the News) no campo dos estudos jornalísticos. Aí, genericamente, os frames aparecem de forma significativa como elementos cognitivos que estruturam a escolha de quais as partes da realidade que irão ser transformadas em notícia ou assunto público, dando assim origem a estudos no âmbito da Teoria da Notícia e da Ciência Política, ou resultantes da interface entre ambas. Os frames como quadros de experiência que desempenham uma função estruturante dos fluxos comunicacionais auxiliam o seu utilizador a localizar, perceber, identificar e classificar um número infinito de ocorrências.

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Eis alguns exemplos de definições recolhidas por Reese que evidenciam alguns aspectos comuns dos frames:

To frame is to select some aspects of a perceived reality and make them more salient in communicative text, in such a way as to pro- mote a particular problem definition, causal interpretation, moral evaluation, and/or recommendation (Entman, 1993 citado por Re- ese, 2001, p. 10).

A frame is a central organizing idea for a news content that sup- plies a context and suggests what the issue is through the use of selection: emphasis, exclusion and elaboration (Tankard, En- drickson, Sillberman, Bliss and Ghanen, 1991 citados por Reese, 2001, p. 10).

The basic conceptual and ideological framework through which events are presented and as a result of which they come to be gi- ven one dominant/primary meaning rather than another. (Morley, 1976 citados por Reese, 2001, p. 10)

A central organizing idea (. . . ) for making sense of relevant events, suggesting what is at issue (Gamson e Mondigliani citado por Reese, 2003, p. 11)

Frames are organizing principles that are socially shared and per- sistent over time, that work symbolically to meaningfully struc- ture the social world (Reese, 2001, p. 11)

De um ponto de vista estritamente jornalístico, um frame é, na perspectiva de Entman, Matthes e Pellicano (2009, p. 79), um esquema, uma estrutura de conhecimento que é activada por algum estímulo e que é empregue por um jornalista no decurso da construção de uma história. Tais frames são cen- trais para o trabalho jornalístico e estão relacionados com scripts que guiam a selecção dos temas e a construção dos relatos noticiosos.

A pesquisa sobre os frames mediáticos seguiu vários percursos.

Nuns casos, centrou-se nas rotinas da profissão listando procedimentos no processo de produção da notícia num telejornal ou num jornal que mostram que os factos que vão ser transformados em notícias não são apenas selec- cionados, mas activamente construídos. Considerou-se que a notícia não se limita a representar ou apresentar mas constrói activamente (Tuchman, 1978). www.livroslabcom.ubi.pt

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Noutros casos, investigaram-se formas específicas de enquadramento que resultam de práticas jornalísticas específicas como a Imprensa ou a Televisão (Iyengar, 1991).

Noutro tipo de investigações, procedeu-se à relação entre os procedimen- tos e práticas jornalísticas e a ideologia. Segundo Hall (1993), na construção das notícias os jornalistas mobilizam enquadramentos conhecidos pelo que as notícias já estão praticamente escritas antes dos jornalistas se sentarem nos ter- minais de computador das redacções e redigirem as suas “peças”. Os limites do debate são estabelecidos pelas elites e são aceites pelos media noticiosos porque estão dependentes das consensos formulados no seio das elites e das instituições do capitalismo. Na mesma linha de aproximação entre a análise dos enquadramentos e a crítica ideológica, Reese (2001) propõe que os es- tudos dos media se afastem de uma preocupação estrita com o enviusamento mediático da realidade objectiva para acentuar antes o carácter ideológico das notícias, visível nos seus conteúdos, práticas e relações com a sociedade. Se- gundo este ponto de vista, a ideologia proporciona o enquadramento através do qual os media apresentam os acontecimentos. Foi por exemplo, o que se verificou durante a Administração Reagan, em que os media americanos acei- taram a definição de El Salvador como um caso de segurança nacional. Não se tratando de uma identificação entre os conceitos, convém, todavia, salientar que ideologia e frame se encontram relacionados em mais do que um aspecto. Parenti (1986) analisou o facto de os media favorecerem a personalidade em detrimento dos assuntos, escolherem o sensacional e o atípico em vez do que é modal e sistémico. Esta é uma escolha consciente feita pela organiza- ções noticiosas para desprover os cidadãos das ferramentas críticas que lhe permitem questionar os consensos produzidos no seio das elites. As campa- nhas são interpretadas como um jogo em busca da vantagem pessoal, resu- mindo-se à escolha de uma liderança. A linguagem e a cultura dos media, nomeadamente da televisão encorajam as campanhas a serem relatadas como um guerra, um jogo, um drama, mas raramente como um debate racional entre visões alternativas (Fiske, 1987).

Na mesma linha, Yengar (1991) diferencia entre frames episódicos e te- máticos. Quando uma notícia é enquadrada episodicamente, os temas são construídos em torno de eventos específicos e seus protagonistas. Curiosa- mente, as experiências levadas a efeito por Yengar demonstram que os es- pectadores de uma cobertura episódica estão mais propensos atribuir a res- Livros LabCom

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ponsabilidade ao indivíduo pela sua sorte (por exemplo, atribuir a sua pobreza à falta de motivação individual). Por contraste, os espectadores de um enqua- dramento temático são mais propensos a aceitarem análises que impliquem causas sociais (como por exemplo, atribuir a pobreza a uma conjuntura de factores ou dificuldades) (Yengar, 1991).

Entman (2004) procedeu à diferenciação entre frames substantivos e pro- cessuais, com os segundos mais focados na avaliação da estratégia política, no plano do que os americanos chamam “corrida de cavalos” e na luta de poder entre as elites do que na natureza substantiva dos assuntos, acontecimentos e actores. Um exemplo de um título e de um superlead que reflecte este enqua- dramento é o seguinte: “Vital à frente de Rangel” titula o Correio da Manhã de 23 de Maio de 2009 que prossegue: O” cabeça de lista do PS às eleições europeias, Vital Moreira, será o grande vencedor da corrida ao Parlamento Eu- ropeu”. A notícia refere-se, claro, a uma sondagem, um elemento geralmente considerado extremamente significativo do tipo de enquadramento focado na «corrida» entre candidatos.

Finalmente, há um nível de análise que não pode ignorar as audiências: dois cenários de risco idênticos podem ser avaliados de forma diferente pelas audiências dependendo de eles serem verbalizados em termos de salvar vidas ou causar mortes. Conceitos como os de counterframing, isto é frames apre- sentados contra os significados dominantes do texto fizeram recordar que é possível haver disputas acerca do frame dominante. Numa linha similar, Pan e Kosicki recorrem às hipóteses de usos e gratificações, nomeadamente a Katz, para questionarem até que ponto não interessa apenas saber o que os media fazem as pessoas mas também o uso que as pessoas fazem dos media e dos frames mediáticos (Reese, 2001, pp. 7-31: pp. 7-8; Pan e Kosicki, 2001, p. 39).

Metodologicamente, há muitos estudos sobre frame que preferem a análi- se qualitativa procedendo a uma abordagem interpretativa dos textos (Downs, 2002). Baseados no paradigma qualitativo, estes estudos baseiam-se, tipi- camente, em amostras de pequena dimensão que representam um tema ou acontecimento. Privilegia-se uma abordagem em profundidade com escassa quantificação. A abordagem de Pan e Kosisky (2001) debruça-se sobre a se- lecção, localização e estrutura de palavras e frases específicas no texto. Os pesquisadores têm de construir uma matriz de dados para cada texto. A ideia é de que as palavras são os tijolos do/s frames. Na abordagem assistida por www.livroslabcom.ubi.pt

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computador, considera-se que os frames estão manifestos em palavras conti- das no texto, pelo que se tenta identificar os frames examinando o vocabulário específico dos textos. As palavras que tendem a correr conjuntamente nos tex- tos são identificadas pelo computador. Por exemplo, as palavras «ambiente», «ecologia», «ecologista», «verde» indiciam um frame. Alguns computadores tentam mais sofisticadamente descobrir relações sintácticas.

Considera-se que a abordagem quantitativa sobre os processos de enqua- dramento simbólico não impede no seu relacionamento com a dimensão críti- ca e compreensiva, procurando as palavras-chave e a linguagem comum que nos permitem identificar um frame. Entre os elementos que, no plano sim- bólico e discursivo, na pesquisa sobre um determinado texto, podem ser ana- lisados contam-se: a) manchetes e títulos; b) subtítulos; c) fotografias d) le- gendas fotográficas; d) leads; e) selecção das fontes; f) citações seleccionadas; g) realce das citações; h) identificação gráfica dos artigos caso seja feita uma série sobre um tema; i) estatísticas e gráficos; j) parágrafos conclusivos (Tan- kard, 2001, p. 101), ou, inclusive, as metáforas e o estilo (Zoch, 2001, pp. 195-205).

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