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Objectivos da Teoria da Notícia

No documento O admirável Mundo das Notícias (páginas 47-52)

A Teoria da Notícia não possui ainda as características de uma ciência jor- nalística do modo como foi analisado por Groth. Implica algum ecletismo no seu percurso, para o qual contribuíram várias ciências auxiliares. Esta é alias uma característica que leva o pesquisador brasileiro Elias Machado a afastar-se de propostas interdisciplinares de estudo do jornalismo como se- jam as apresentadas por Barbie Zelizer (2004), quando descreve o jornalismo como um objecto de estudo da Linguística, Ciência Política, Sociologia, His- tória e Análise Cultural. Para este autor, os conceitos utilizados devem ser internos ao objecto, isto é, o jornalismo como prática discursiva, e ao mesmo tempo constitutivos e operacionais. Logo, definir o jornalismo como disci- plina científica, que tem o jornalismo como prática discursiva como objecto exige metodologias e categorias de análise próprias, consideradas o primeiro pressuposto para que o jornalismo possa ser levado a sério (Machado, 2006).

Apesar de tudo, parece-nos que os estudos jornalísticos apresentam o se- guinte corpo de problemas bem definido:

1. A Teoria da Notícia debruça-se sobre a análise da natureza, produção, recepção e efeitos dos enunciados jornalísticos.

2. A Teoria da Notícia procede à análise do enunciado jornalístico como género discursivo e como forma narrativa. O género jornalístico é um relato sobre acontecimentos que decorrem no mundo que obedece a fórmulas e convenções narrativas específicas. Implica uma referência ao enunciado jornalístico como discurso.

3. Um terceiro ponto que importa tornar explícito é o seguinte: para a Te- oria da Notícia, a prática jornalística é uma prática institucional, social e cultural em que convergem múltiplos factores que explicam a confi- guração final dos relatos jornalísticos. Neste sentido, a história dos es- tudos jornalísticos inclui, em larga medida, um esforço em recensear os factores que contribuem para explicarem o porquê da configuração dos relatos jornalísticos. Procede-se, deste modo, à identificação de factores que passam pelo reconhecimento da influência individual dos jornalis- tas; pela análise das rotinas produtivas e organizacionais que se prende com os próprios métodos de trabalho das instituições mediáticas e pela Livros LabCom

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observação dos factores exteriores às organizações mediáticas. A Teo- ria da Notícia surge assim, também, como uma análise das condições de produção dos enunciados jornalísticos. No seu âmbito surgem diver- sas teorias que procuram responder à mesma questão: “porque é que as notícias são como são?”Porque ganham determinada configuração em face dos factores descritos e analisados?

4. A Teoria da Notícia procura identificar as ideologias e cultura profissi- onal que orientam grande parte da comunidade profissional jornalística. 5. A Teoria da Notícia defronta as questões relacionadas com o jornalismo como forma de conhecimento. Procura analisar as relações entre o jor- nalismo e a realidade centradas em torno de noções como as de «objec- tividade» e afins como sejam imparcialidade, rigor, neutralidade, inde- pendência, e outras que se articulam com a ideia central da «verdade» como valor preponderante na profissão jornalística.

6. Um outro aspecto a considerar tem a ver com a Teoria dos Efeitos con- cebida de um modo que pretende responder à questão: como é que o jornalismo influi na distribuição social do conhecimento? As notí- cias resultam de um processo de intervenção dos seus produtores na tentativa de conferirem uma imagem coerente da realidade, ao nível dos efeitos cognitivos (Saperas, 1993; Correia, 2000, 2002, 2004; Me- ditsch, 2002). Tal influência sente-se, mais especificamente, ao nível da configuração da agenda pública, na formação da opinião pública e, consequentemente, no funcionamento do sistema político. A Teoria da Notícia desenvolve grande parte da sua reflexão na análise dos efeitos dos enunciados jornalísticos sobre a sociedade, a esfera pública e o sis- tema político.

7. Em suma, a Teoria da Notícia é uma abordagem interdisciplinar sobre os enunciados jornalísticos produzidos pelas organizações mediáticas. Inclui as seguintes dimensões e vertentes:

a) Estuda os enunciados jornalísticos como géneros discursivos do- tados de convenções narrativas e estratégias enunciativas;

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b) Analisa os constrangimentos que influenciam a configuração des- ses conteúdos, debruça-se sobre as teorias que reflectem sobre es- ses constrangimentos;

c) Reflecte sobre o corpo de saberes, procedimentos e ideologias pro- fissionais que orientam a prática jornalística e a produção de enun- ciados noticiosos;

d) Investiga as relações que tais enunciados têm com a realidade e intervém na sua representação. Por isso, investiga os efeitos dos conteúdos noticiosos na percepção da sociedade.

Capítulo 2

O discurso das notícias

2.1 Linguagem e jornalismo

O estudo do discurso demonstrou que as mensagens jornalísticas não são transparentes mas o resultado de uma actividade construída pelos seus falan- tes. A crença na transparência da linguagem jornalística e na sua capacidade de reflectir a realidade constituiu uma das dificuldades na análise do jorna- lismo, só contrariada por determinadas abordagens dos estudos linguísticos que tornaram possível a compreensão da natureza discursiva das notícias.

Acredita-se que a faculdade humana de conhecer pode ser colo- cada pela notícia diante de factos ou de coisas que se sucederam, ou, inversa e complementarmente, que a realidade pode ser trazi- da diante de nós por meio da notícia. A ideia que sustenta esta pretensão é a de que o conhecimento é especular (no sentido do latim speculum, espelho), no sentido de que espelha, reflecte os factos. Assim, a notícia como narrativa deveria levar a termo uma operação mimética ou tautológica. Mimética porque a narrativa nos daria, uma nova presença, uma representação das coisas já havidas ou que se estão passando em outro lugar; tautológica, porque o evento como que se desdobraria, duplicar-se-ia, dar-se- ia uma segunda vez diante do leitor do relato. (Gomes, 2009, p. 13)

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A análise da linguagem, quando aplicada ao jornalismo, mostra-nos como as notícias são uma representação simbólica do mundo, construída no seio de um determinado contexto cultural, organizacional e social. É através da lin- guagem que o sujeito constrói realidades significativas, verificando-se que os acontecimentos não são anteriores à linguagem nem à sua função constitutiva (McQuillan, 2000, p. 7).

Enunciam-se, brevemente, uma série de abordagens diversas que, ao co- locarem os media e o jornalismo no seu campo de análise, trouxeram consigo contributos essenciais para a sua compreensão. O que resulta destas aborda- gens é que as notícias são uma representação discursiva do mundo e que os enquadramentos por ela vinculados estabelecem os termos e categorias atra- vés dos quais vemos o mundo. Ou seja, os enunciados jornalísticos enfati- zam a dimensão produtiva da linguagem e a incapacidade de apenas reflectir a realidade. A análise de discurso e a linguística crítica, a análise de en- quadramentos, a análise narratológica e a análise de conteúdo são algumas das perspectivas levadas por diante para a análise do discurso jornalístico. A combinação entre a análise de traços formais da linguagem como o léxico, a sintaxe, a gramática combinada com abordagens influenciadas pela retórica, poética e narratologia deram origem a estudos cada vez mais complexos, cuja complexidade crescia, aliás, à medida que o jornalismo conhecia novos supor- tes como a televisão, o cabo, o computador e, de uma forma geral, o digital. Pretendemos, assim, referirmo-nos a uma série de abordagens diversas que, colocando o jornalismo e os media no seu ângulo de análise, trouxeram con- tributos importantes para a sua compreensão.

No documento O admirável Mundo das Notícias (páginas 47-52)