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2.2 Fatores associados a aglomerados

2.2.3 Fator governança/coordenação e instituições de apoio

O termo “governança” surgiu da teoria das firmas e da denominada “governança corporativa”, sendo inicialmente utilizado para descrever novos mecanismos de coordenação e controle de redes internas e externas às empresas, proporcionando um entendimento dos níveis de hierarquização nos sistemas (LASTRES; CASSIOLATO, 2003). Uma definição mais voltada para os aglomerados empresariais apresenta que:

[...] governança diz respeito aos diferentes modos de coordenação, intervenção e participação, nos processos de decisão locais, dos diferentes agentes — Estado, em seus vários níveis, empresas, cidadãos e trabalhadores, organizações não- governamentais etc. — ; e das diversas atividades que envolvem a organização dos fluxos de produção, assim como o processo de geração, disseminação e uso de conhecimentos (LASTRES; CASSIOLATO, 2003, p. 14).

Para o SEBRAE (2003) é de extrema relevância a criação de um comitê de governança (independentemente do nome que tenha - comitês gestores, fóruns, pactos, agências, consórcios, dentre outros) e o estabelecimento de um modelo de gestão para a condução das atividades. Esse comitê tem a função executiva de coordenar e alinhar as iniciativas, observando prazos, atividades, atribuições e responsabilidades, motivação, comprometimento, entre outros.

O comitê poderá ser formado por empresários e representantes de instituições presentes no arranjo, como por exemplo: representantes de sindicatos, parceiros tecnológicos, instituições de ensino e pesquisa, órgãos governamentais (municipais e estaduais) e órgãos de fomento ao empreendedorismo e desenvolvimento local (SEBRAE, 2003). Apesar de haver um comitê com vários membros, o SEBRAE (2003) recomenda que seja escolhido um coordenador para representar e tomar a frente em algumas de suas responsabilidades que são:

a) apoiar a mobilização dos meios necessários à implantação do programa;

b) representar o arranjo junto a lideranças, órgãos e entidades públicas, privadas e do terceiro setor;

c) articular-se, localmente, com lideranças, órgãos e entidades públicas, privadas e do terceiro setor, com vistas à execução e ao êxito do arranjo;

d) animar os integrantes do arranjo;

e) apoiar na identificação de demandas e novas oportunidades de promoção do arranjo.

O princípio de uma boa governança na coordenação de clusters está baseado no aparecimento de tomadores de decisões estratégicas e na correlação de suas decisões com os objetivos e metas dos atores que fazem parte do aglomerado, sendo que as melhores decisões sobre o modelo de governança são baseadas na análise do cluster em um contexto muito bem definido e na coleta de informações específicas para cada caso (PĂUNA, 2015).

Outro fator importante para uma boa coordenação, conforme recomendado por autores como Amaral Filho (2008) e Păuna (2015), é que a governança seja entendida pelos atores envolvidos sob o foco da corresponsabilização, de modo que haja cooperação e participação ativa nas tomadas de decisão e no fluxo de comunicação e de conhecimentos. O envolvimento dos membros tem um forte impacto na estratégia e devem haver mecanismos por meio dos quais todos se sintam seguros ou incitados a se relacionar, ou interagir e o excessivo poder detido dentro do sistema por algum agente, ou por um número reduzido de agentes, pode colocar o arranjo em risco de sobrevivência.

Lastres e Cassiolato (2003) apresentam dois tipos de governança em sistemas produtivos locais: i) as hierárquicas, que são as formadas por uma autoridade destacada no grupo, geralmente constituída por uma grande empresa, com competência para coordenar as relações econômicas e tecnológicas, esses aglomerados geralmente surgem de situações em que a própria liderança provoca tal fenômeno; ii) e as em formas de “redes” que são caracterizadas pela formação de aglomerações de micro, pequenas e médias empresas e sem a presença de grandes empresas, é formada por uma forte intensidade de relações entre um extenso número de atores, sendo que nenhum destes se sobrepõe. O primeiro tipo possui uma forma de poder centralizada e o segundo descentralizada.

As governanças em redes, que possuem como atores econômicos as micro, pequenas e médias empresas, necessitam de interações com instituições locais, pois elas fornecem às empresas uma série de serviços avançados, apoiam o cluster e estão conectadas a redes externas e, assim, facilitam o acesso das empresas dentro do cluster a todos os tipos de informações e conhecimentos externos (PEZOA-FUENTES; VIDAL-SUÑÉ, 2017).

As instituições locais são entendidas como organizações de base (públicas e privadas) que oferecem apoio coletivo às empresas do agrupamento, como universidades, escolas vocacionais, faculdades e instituições de pesquisa, agências de política industrial, organizações de assistência técnica e associações empresariais e profissionais (PEZOA- FUENTES; VIDAL-SUÑÉ, 2017). As relações entre empresas e instituições em um cluster formam um sistema de governança que afeta as perspectivas não apenas de trocar informações, mas também de gerar e transferir conhecimento (GANCARCZYK; GANCARCZYK, 2015).

Outra classificação de governança, que apresenta uma estrutura mais detalhada foi apresentada pelos autores Storper e Harrison (1991). Nesta classificação são usadas as imagens de core (centro – que são as firmas) e ring (anel – que são os fornecedores), ela foi desenvolvida para lidar com a ascensão e poder evidente das grandes empresas sobre seus fornecedores (geralmente menores). O core significa uma situação em que o poder é assimétrico, ou onde algumas firmas centrais têm a capacidade de determinar a existência de outras. O ring significa o oposto, onde o poder é simétrico ou onde a existência de um conjunto de firmas ou unidades não é determinada por decisões tomadas em outra firma ou unidade específica. No primeiro caso, há mais hierarquia, no segundo caso, menos. Os autores, porém, estabeleceram ainda algumas situações intermediárias entre estes extremos, os quais estão apresentados no Quadro 3.

Quadro 3 – Tipos de governança

Tipo de estrutura Definição

1 - All Ring, No Core Não há a liderança sistemática de uma firma, ou mesmo uma liderança rotativa. Não há hierarquia.

2 - Core-Ring, with Coordinating Firm

Há certa influência sistemática de algumas firmas sobre outras, porém, não é determinante para a sobrevivência das outras empresas. Ocorre certo grau de hierarquia.

3 - Core-Ring, with Lead Firm

Há uma liderança dominante, em que os participantes dependem da estratégia do líder, de modo que a empresa líder tem substancial independência dos fornecedores e capacidade de reconfigurar parte do anel de subcontratados. O poder é assimétrico e há considerável hierarquia.

4 - All Core, No Ring Verticalmente integrados. Todas as tarefas de produção e distribuição de mercadorias são assumidas por uma grande empresa verticalizada.

Fonte: Storper e Harrison (1991)

Percebe-se que as estruturas 1 e 4 são situações extremas de falta de hierarquia e hierarquia total, respectivamente, e as estruturas 2 e 3 são as situações intermediárias. Sacomano Neto e Paulillo (2012) apresentam outras dimensões, que vão além da simples relação de empresa-fornecedor, abrangendo outros atores que podem fazer parte de um processo de governança: i) governança pública (envolvendo atores públicos como prefeituras municipais, secretarias estaduais e municipais, ministérios federais etc.); ii) governança privada (envolvendo grandes empresas detentoras de poder de influência no arranjo); iii) governança de ator coletivo (com entidades de representação coletiva como sindicatos, associações de interesses, SEBRAE, SENAI, dentre outros); iv) governança a montante (envolvendo fornecedores das empresas do arranjo com influência no processo de coordenação local); e v) governança a jusante (com distribuidores e clientes possuidores de poder de barganha nas negociações com as empresas do arranjo local).

Sobre o envolvimento dos atores no processo de coordenação, Păuna (2015) relata que para uma governança eficiente é necessário entender as relações entre os atores instalados na região do cluster, mas também é importante interações com atores parceiros de outras localidades, porque o objetivo da boa governança é engajar tomadores de decisões estratégicas, e eles podem estar na localidade ou fora da localidade em que o cluster está instalado, dentro ou fora das fronteiras da nação. Assim, a abordagem é diferente da tradicional, limitada geograficamente ou do ponto de vista de pertencer a um ramo industrial, evitando as limitações impostas pelas metodologias usuais de análise de cluster relacionadas ao crescimento econômico interno.

Uma pesquisa realizada por Sacomano Neto e Paulillo (2012), buscando investigar as características e modos de participação de atores em um processo de governança, pesquisou os seguintes APLs brasileiros: Arranjo Produtivo Local de Birigui (APLB), produtores de

calçados e vestuário; Arranjo Produtivo Local de Jaú (APLJ), produtores de calçados; e Arranjo Produtivo Local do Álcool de Piracicaba (APLA), produtores de álcool. Dentre os vários resultados, alguns chamaram bastante atenção, entre os quais se destacam:

• a governança em todos os APLs foi o mecanismo fundamental para o estímulo da troca de recursos e cooperação produtiva e inovativa, isso mostra o quão importante é um mecanismo de coordenação. Sacomano Neto e Paulillo (2012) reforçam a ideia deste resultado dizendo que cada vez mais, a governança influencia em um APL, de modo que as mudanças na produção de uma região surgem de uma forma específica de governança, podendo envolver tecnologia, política pública e uma nova organização. Assim, o desenvolvimento de um APL depende fortemente dos atores e suas relações de poder;

• no APLA houve maior interferência do poder público (Secretaria Municipal de Indústria e Comércio de Piracicaba) para juntar os atores em torno do projeto, até sua formalização;

• no APLJ e APLB, os atores de elevada representação destacam-se nos sindicatos patronais, sendo que o poder público apresentou menor interferência;

• as políticas públicas no nível estadual e federal representam um importante papel para o estímulo dos arranjos e fornecem diretrizes para as instituições locais. Segundo Hoffmann, Lopes e Medeiros (2014), estudos anteriores apontaram também que políticas públicas que promovam relações de cooperação entre as empresas em uma aglomeração territorial podem ter um efeito positivo no desenvolvimento de tais relações;

• no APLB e APLA há maior participação das grandes empresas. Entendida como governança privada, tais empresas possuem representação política, participação nas decisões e dominam parte significativa da divisão do trabalho entre as pequenas empresas;

• na governança a jusante há maior dependência das empresas dos APLJ e APLB com os distribuidores de calçados, tais atores têm grande interferência no que, como e quando produzir.

Os resultados desta pesquisa mostram a heterogeneidade nas governanças dos APLs, mostrando que não há um padrão, pois, cada aglomerado possui inúmeras variáveis que os divergem, além da importância no histórico de surgimento e desenvolvimento de cada um.

No entanto, ficou bastante claro e comum, em todos os APLs, a importância de uma coordenação para o sucesso na obtenção dos resultados coletivos.