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CAPÍTULO I – REVISÃO DA LITERATURA

1.3 FATORES RELACIONADOS AO PROCESSO DE APRENDIZAGEM DE

1.3.1 Fatores biológicos

Os fatores biológicos são aqueles relacionados aos dois hemisférios cerebrais, ao aparelho auditivo e ao aparelho articulatório (cordas vocais, cavidades bucal e nasal, língua, lábios, dentes), bem como à pronúncia e ao sotaque.

a) A Hipótese do Período Crítico e a Lateralização do Cérebro – De acordo com Ferrari (2007), estudos científicos realizados a partir do final da década de 50 procuraram demonstrar que existe uma idade ideal para a aquisição de uma língua e que essa idade ideal ocorre nos primeiros dez anos de vida da criança. Para os neurocirurgiões Penfield e Roberts (1959) e o psicolinguista Lenneberg (1967), primeiros autores desses estudos, é nesse período que o cérebro apresenta o seu ponto máximo de plasticidade, sendo que, após a puberdade, o órgão perderia esta característica e, em conseqüência disso, ocorreria um recrudescimento da capacidade de aprender uma segunda língua.

Surge, então, a partir de Penfield e Roberts (1959), a polêmica teoria conhecida como Hipótese do Período Crítico (HPC), segundo a qual o cérebro está predisposto para o sucesso da aprendizagem e aquisição, tanto da língua materna quanto de uma língua estrangeira, somente até o período da puberdade. De acordo, pois, com a HPC, o aprendizado de uma língua deva acontecer antes dessa fase.

Uma das explicações para essa limitação da aprendizagem que acomete as pessoas maduras - e até mesmo os adolescentes - é dada pela Hipótese da Lateralização do Cérebro, proposta por Lenneberg (1967).

Os dois hemisférios cerebrais, de acordo com a Neurologia, desempenham diferentes funções. Segundo as pesquisas do referido autor, o lado direito do cérebro é o lado criativo, sensível à música, responsável pelas emoções e especializado em percepção e construção de modelos e estruturas de conhecimento. É nesse lado onde ocorre, também, a assimilação da língua. O lado esquerdo é o lado lógico, analítico e é responsável pela sedimentação da língua, tornando-a uma habilidade permanente. No cérebro de uma criança, ainda de acordo com Lenneberg, os dois hemisférios cerebrais estão mais interligados do que no cérebro de um adulto e essa maior interação entre os dois hemisférios explica a grande facilidade das crianças na aprendizagem de uma língua.

Ferrari (2007) discorre sobre os resultados de, pelo menos, duas dezenas de pesquisas realizadas por diferentes estudiosos, no período de 1969 a 2004, quanto à maior ou menor facilidade para o aprendizado de línguas estrangeiras nas áreas fonético-fonológicas e morfo-sintáticas e a sua relação com a idade.

De acordo com a autora, embora algumas dessas pesquisas tenham demonstrado que parece haver uma dificuldade maior para o aprendizado dos padrões fonético-fonológicos por aprendizes adultos, outras, no entanto, provam o contrário, ou seja, que é possível que aprendizes adultos cheguem a patamares bem elevados nesse domínio, o mesmo acontecendo no que diz respeito à aprendizagem dos padrões morfo-sintáticos. Nas palavras da autora:

Percebe-se que a neuroplasticidade não fica limitada a uma determinada idade. Por certo, o cérebro vai se transformando através das experiências pelas quais o ser humano vai adquirindo ao longo da vida. Observa-se que existe, sim, um período em que o sistema nervoso está mais suscetível a transformações provocadas pelo ambiente externo, que é a infância. No entanto, o aprendizado de novos conhecimentos como, por exemplo, o de uma língua estrangeira, pode ocorrer em qualquer idade, não havendo um calendário maturacional que imponha grandes limitações para isso. (p.41).

A Hipótese do Período Crítico para aquisição de uma LE, por conseguinte, deve, mesmo, ser considerada com as devidas cautelas e reservas. Há que se considerar, sobretudo, como também afirma Ferrari (1967), que:

A linguagem não está isolada e, sim, integrada a vários outros aspectos que poderão influenciar, dessa forma, a aquisição de uma língua ou de uma segunda língua, para que patamares de normalidade possam ser atingidos. (p. 22).

b) A acuidade auditiva – Essa é uma barreira a ser enfrentada, principalmente, pelos adultos com mais de 60 anos de idade. A capacidade auditiva dessas pessoas, por ser inferior à capacidade auditiva dos mais jovens, é considerada um fator de dificuldade para a compreensão de forma clara e a perfeita assimilação dos sons da língua que estão aprendendo.

c) O aparelho articulatório dos sons - a dificuldade fonológica dos adultos pode ser atribuída ao enorme esforço conjunto de diversos órgãos dos aparelhos digestivo e respiratório, como os lábios, a língua, a garganta, a laringe, os pulmões, o nariz e as cordas vocais, entre outros, que são exigidos na emissão dos sons. Uma forma de compensar essas dificuldades e ajudar os alunos a transporem essas barreiras pode ser a utilização, de forma combinada, de recurso audiovisual, material didático, “realia” (objetos reais em sala de aula) e atividades diversificadas para apresentação de vocabulário. Além disso, a sala de aula, principalmente para alunos idosos, deve ser clara, iluminada e, se possível, livre de som externo, uma vez que a perda auditiva dificulta a habilidade de entender a fala.

e) Pronúncia e sotaque - Para uma pessoa adulta que não tenha sido exposta aos sons de uma LE, que são diferentes dos sons de sua língua materna, a pronúncia é carregada de sotaque, pois sua percepção fonética torna-se sintonizada somente com os fonemas pertencentes à sua língua.

Para Flege (1986), os sotaques estrangeiros são fortemente influenciados pela percepção auditiva. A perda das habilidades perceptuais originais dos sons pode ser um fator para que a presença do sotaque estrangeiro ocorra mais fortemente em pessoas que começam a aprender uma LE na idade adulta.

Além da percepção auditiva apresentar um certo comprometimento em relação aos sons originais da língua, alguns aprendizes têm dificuldades em relação a uma língua estrangeira devido à interferência da língua materna. O aprendiz adulto tende a fazer comparações nos níveis sintático, semântico e fonológico de sua língua materna com a língua alvo (PIZZOLATTO,1995). Para Selinker (1972, apud Pizzolatto, 1995), essa interferência da LM influi no sotaque do aprendiz.

Brown (1994, apud Pizzolatto, 1995) afirma que, quanto mais um sujeito vive, mais os músculos envolvidos na fala se acostumam com as articulações dos sons da língua materna, o que dificulta a pronúncia de palavras estrangeiras.

Apesar desses pesquisadores da linguagem afirmarem que alunos adultos apresentam deficiências fonológicas ao aprenderem uma LE, eles também afirmam que é possível encontrar falantes adultos não-nativos com ótima pronúncia e que a competência fonológica, assim como uma boa fluência na língua alvo, pode ser adquirida.

Segundo Leffa (2001), os alunos adultos e/ou idosos não precisam se preocupar em falar a língua que estão aprendendo sem sotaque. Esse autor afirma que, pelo fato do inglês ser considerado uma língua multinacional, professores e aprendizes do inglês não devem se preocupar em falar a língua alvo como um falante nativo, pois o importante é que os indivíduos consigam se comunicar. O autor faz a seguinte observação:

(...) assim como existe o inglês dos Estados Unidos, da Inglaterra, e mesmo da Nigéria, existe também o inglês de Gerard Depardieu, com sotaque francês, o inglês de Antônio Banderas, com sotaque espanhol e pode existir, com toda legitimidade, o Inglês do Brasil. Não há razão para propor que os brasileiros devam falar inglês como falantes nativos. Uma das razões para que o inglês seja uma língua multinacional é aceitar a diversidade da própria língua (p. 346).

De acordo, pois, com Leffa (2001), pode-se afirmar que é fundamental esclarecer para o aprendiz que este não precisa atingir um grau de proficiência e competência linguística igual ao de um nativo. O importante, então, é que o aprendiz desenvolva a competência comunicativa, isto é, seja capaz de se comunicar na língua alvo. A questão da pronúncia sem sotaque estrangeiro não deve interferir no processo de aprendizagem da língua e nem deve ser encarada como uma grande barreira.

Além disso, os fatores biológicos não podem ser encarados como as únicas dificuldades de aprendizagem que devem ser enfrentadas por aprendizes adultos e/ou idosos. Outras dimensões como os fatores cognitivos e emocionais, responsáveis pela composição do ser psicológico, devem ser levadas em conta.