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CAPÍTULO I – REVISÃO DA LITERATURA

1.3 FATORES RELACIONADOS AO PROCESSO DE APRENDIZAGEM DE

1.3.2 Fatores cognitivos

De acordo com Bonfim e Alvarez (2008, p. 308), “o termo cognitivo refere- se às operações intelectuais do indivíduo, através das quais ele adquire

conhecimentos sobre idéias e percepções”. As autoras acrescentam, ainda, que os fatores cognitivos englobam todos os processos internos ativados durante a percepção, a compreensão, as práticas, a organização, a armazenagem, a memorização, a transferência e a manipulação da informação. Neste estudo, abordaremos os seguintes fatores cognitivos: memória; transferência; interlíngua; fossilização; input; monitoramento.

a) Memória - De acordo com Hamilton (2002), a memória é o processo de recuperar a informação que já foi armazenada e pode ser classificada em: memória sensorial (MS), memória de curto prazo (MCP) e memória de longo prazo (MLP).

A memória sensorial (MS) capta a informação que nos chega pelos sentidos. A memória de curto prazo (MCP), também denominada de memória de trabalho, serve como um depósito temporário para pequenas quantidades de informações e apresenta duas grandes funções: armazenamento temporário e armazenamento geral. A MCP, desse modo, seleciona informações para mantê-las, momentaneamente, em seu próprio depósito e posteriormente as transfere para a MLP.

A MLP organiza e mantém disponível a informação durante períodos mais longos. Caracteriza-se por não possuir limites nem em sua duração e nem em sua capacidade de armazenamento da informação. A MLP é composta pelo menos de dois outros tipos de memórias: declarativa ou explícita e procedimental ou implícita.

Segundo Hamilton (2002), a memória declarativa é a memória de fatos, idéias, situações e informações que podem ser trazidos ao conhecimento consciente. Ela é também denominada memória explícita, por se referir a todos os fragmentos do conhecimento que foram adquiridos durante uma vida de experiência e aprendizado. A memória procedimental ou implícita resulta da experiência, envolvendo um conhecimento que não exige reflexão e pautando-se na pergunta “como?”, uma vez que está relacionada às habilidades mais automáticas (tocar um instrumento, dirigir um carro e comer usando garfo, entre outras).

Aprendizagem e memória são dois processos cognitivos que devem ser considerados juntos. A aprendizagem ocorre quando um indivíduo é capaz de recuperar a informação armazenada em sua memória. Por outro lado, se um indivíduo não pode recuperar a informação de sua memória, presume-se que a aprendizagem não aconteceu adequadamente.

As explicações sobre memória, embora de forma breve, mostram a necessidade de se questionar como a memória do aprendiz idoso influencia no processo de aprendizagem de um idioma. Para Hamilton (2002), o envelhecimento está associado a um declínio das aptidões da MCP que, por sua vez, coloca limites a outras aptidões cognitivas complexas, como o raciocínio e a recordação de informação nova. Assim, é fundamental que o ensino de uma língua estrangeira para alunos idosos seja permeado de significado e que o ritmo de aprendizagem seja respeitado, como formas de compensar o declínio natural da memória. Pessoas mais velhas precisam ter mais exposição às novas informações.

b) Transferência, interlíngua e fossilização - Estes três conceitos apresentam relações entre si. Um está envolvido no outro, o que torna necessário entender cada um deles para que se obtenha uma compreensão mais abrangente das dificuldades que pessoas adultas e idosas enfrentam ao iniciarem o processo de aprender uma língua estrangeira.

Transferência – De acordo com Ellis (1997), a transferência refere-se à influência que a língua materna exerce sobre a aquisição de uma língua estrangeira. Esta influência pode atuar de forma facilitadora (transferência positiva) ou de forma interferente (transferência negativa).

De acordo com Durão (2008), pesquisas realizadas por Lado, em 1957, demonstram que a essência da transferência consiste na capacidade de trasladar estruturas da língua materna para a língua estrangeira. Portanto, a transferência positiva ou negativa pode ocorrer em quaisquer dos âmbitos da gramática: fonética, morfologia, sintaxe e semântica.

A transferência linguística positiva seria a utilização produtiva da LM no desempenho de uma LE. As semelhanças existentes entre as formas e as estruturas da LM em relação à língua alvo facilitariam a compreensão e a aprendizagem. Um exemplo de transferência positiva seria a situação na qual um estudante brasileiro, ao aprender inglês no estágio inicial, poderia traduzir, com facilidade, enunciados do tipo “The car is comfortable”, tomando por base, simplesmente, palavras e estruturas bastante conhecidas desse idioma e as de sua própria língua. A facilidade, nesse caso, deve-se à forma coincidente da LM em relação à forma da LE:

O carro é confortável – artigo + substantivo + verbo ser + adjetivo.

A transferência negativa seria o emprego não produtivo da LM no desempenho da LE, caso em que a transferência de dados da LM - completamente diferentes da LE - pode levar a erros. Um exemplo de transferência negativa seria o hábito de colocar o adjetivo no plural, como na frase “The girls are beautifuls”. Neste caso a transferência da LM para a LE é negativa, pois na estrutura da língua inglesa os adjetivos não possuem a forma plural.

Interlíngua – Segundo Paiva (2005), o termo “interlíngua” foi criado pelo lingüista Larry Selinker em 1972. Selinker reconhece o fato de que aprendizes de uma LE constroem um sistema linguístico intermediário entre a sua primeira língua e a língua em estudo, quer dizer, o aprendiz de uma LE cria um sistema de transição ao longo de seu processo de assimilação da nova língua. Esse processo de transição se caracteriza pela interferência da língua materna. Assim, os aspectos sintáticos, fonológicos, semânticos e lexicais da língua materna influenciam os aprendizes ao estruturarem ideias e ao articularem sons na língua que estão aprendendo.

De acordo com Schütz (2006), como a LM está profundamente enraizada, é natural que os estudantes sejam influenciados pela sua forma. Por esta razão, alunos adultos, ao aprenderem uma LE, apresentam maior dificuldade para evitar a transferência/interferência da LM. Para uma criança, este problema é menor porque seus hábitos linguísticos não se encontram tão desenvolvidos. Ainda segundo Schütz (2006), a interlíngua criada por brasileiros que estudam inglês como língua estrangeira, que em linguagem comum é chamada de “Inglês aportuguesado”, cria estruturas intermediárias entre a LM e a LE, ou seja, os estudantes usam seus conhecimentos da LE, mas resistem às regras da mesma.

Um exemplo citado por Schütz (2006), de interlíngua criada por brasileiros aprendendo Inglês como LE, refere-se à interferência no vocabulário, mais especificamente no contraste idiomático entre os verbos TER e o verbo TO BE.

O verbo TER, em Português, é largamente utilizado no cotidiano e frequentemente assume um papel idiomático. O verbo TO HAVE, que seria seu correspondente em Inglês, tem um uso mais restrito, não aparecendo muito em formas idiomáticas. O verbo TO BE, por outro lado, abrange, em Inglês, uma grande área de significados, aparecendo em muitas expressões do dia a dia, de forma semelhante ao verbo TER do Português. É comum estudantes brasileiros criarem a

interlíngua ao usarem o verbo TER. Na construção de uma frase relacionada à idade, por exemplo, em língua portuguesa usamos o verbo TER: eu tenho 25 anos. Assim, muitos estudantes transferem essa mesma estrutura idiomática ao se expressarem em Inglês e usam a forma incorreta: I have 25 years old. Embora, haja compreensão ao se usar a interlíngua, esta forma não é a correta em língua inglesa. Portanto, muitas vezes, com a utilização da interlíngua, TER corresponde ao verbo TO HAVE, quando deveria corresponder ao verbo TO BE, conforme os exemplos apresentados no Quadro 1.

Quadro 1 – Exemplificação do uso da interlíngua

Forma na LM Interlíngua Forma correta em Inglês

Quantos anos você tem? how old do you have? How old are you?

Eu tenho 25 anos I have 25 years old I´m 25 years old

Você tem certeza? Do you have sure? Are you sure?

Você tem razão you have right You are right

Não tenho medo de cachorro I don´t have fear of dogs I´m not afraid of dogs Fonte: SCHÜTZ, R. Interferência, Interlíngua e fossilização. English made in Brazil, 2006.

Fossilização ou cristalização – o conceito de fossilização (ou cristalização) tem relação estreita com o conceito de interlíngua. Como foi visto anteriormente, a interlíngua é um sistema linguístico construído pelo aprendiz no seu processo de assimilação da LE e que carrega em si uma forte influência da LM.

De acordo com Ellis (1997), a fossilização é uma dificuldade que o aprendiz pode apresentar na fixação de novos parâmetros em LE, o que o leva a transferir os parâmetros da sua LM para a língua em estudo.

A fossilização refere-se, portanto, a erros no uso da língua estrangeira, que são internalizados e difíceis de serem eliminados.

O erro, por sua vez, é uma forma não desejada pelo professor, de acordo com a norma estabelecida na comunidade em que ele está inserido (ALLWRIGHT; BAILEY, 1991), podendo ocorrer nos aspectos fonético-fonológicos, morfossintáticos e semântico-lexicais.

Schütz (2006) destaca que os erros fonéticos e fonológicos podem ser facilmente fossilizados. Enquanto o erro fonético é aquele que causa apenas sotaque estrangeiro, podendo tornar o falante cansativo ao nativo que o ouve, o erro fonológico é aquele que pode causar mal-entendido na comunicação.

Os erros mais prováveis com vogais, causados por estudantes de Inglês cuja LM é o Português, são aqueles relacionados à área das vogais anteriores altas. Os fonemas /Iy/ e /I/ do Inglês muito provavelmente serão percebidos e reproduzidos como /i/ do Português causando um erro fonológico. Exemplos:

Leave /liyv/ (partir, ir embora) - live - / lIv / (morar, viver) Reach /riytsh/ - (alcançar) - rich - /rItsh/ (rico)

Sheep /shiyp/ - (ovelha) - ship /shIp/ (navio)

A pronúncia das consoantes, da mesma forma, também pode causar erros fonéticos e fonológicos. O erro mais comum cometido por estudantes brasileiros, no que diz respeito à pronúncia das consoantes, é o acréscimo de um som vocálico em palavras com as consoantes oclusivas /p/ /b/ /t/ /d/ /k/ e /g/. Dessa forma, back /baek/ e knife /nayf/ poderão vir a ser pronunciadas /baeki/ e nayfi/, com o acréscimo de uma sílaba que não existe e um consequente erro fonético.

As fricativas interdentais /Ø/ e /ð/, o famoso "th" do inglês, não encontram qualquer similar no português. A pronúncia só soará certa se a língua for colocada entre os dentes. Estudantes brasileiros de Inglês como LE necessitarão de orientação e exercícios articulatórios para se habituarem a pronunciar estes fonemas de forma aceitável. O aluno normalmente apela para a combinação de consoantes /ts/ ou /dz/ como substitutos, o que não é aceitável, pois neutraliza o contraste entre palavras como:

Math [mætØ] - (matemática) mats [mæts] - (esteiras) Breathe [briyØ] - (respirar) breeds [briydz] - (raças)

Há alunos que substituem as consoantes interdentais do inglês por /s/ e /z/, o que é ainda menos aceitável, uma vez que estes fonemas têm uma alta carga funcional, podendo causar erro fonológico, como por exemplo:

Thin / ØIn/ (magro, fino) - sin /sIn/ (pecado) Thick / ØIk/ (fino) - sick /sIk/ ( doente)

Faith /feyØ/ (fé) - face /feys/ ( rosto, face)

Os erros morfossintáticos relacionam-se a: classes de palavras; ortografia; singular/plural; pronome relativo; concordância sujeito/verbo; ordem sintática; tempo verbal; supergeneralização da regra do passado simples para verbos regulares (-ed); supergeneralização da formação de adjetivos; uso excessivo de determinante; omissão de determinante; seleção errônea de determinante; preposição e conjunção. No quadro 2, abaixo, tem-se alguns exemplos desses erros.

Quadro 2 – Erros morfossintáticos

Os erros semântico-lexicais ocorrem quando são empregados os verbos específicos “ser” e “estar”, “ter” e “haver”, “chegar” e “vir”, além de falsos cognatos. No quadro 3, abaixo, exemplificam-se alguns desses erros.

Quadro 3 – Erros semântico-lexicais.

Semântico – lexicais Forma errada Forma correta

Ser e estar She has 9 years old She is 9 years old Ter e haver Have a big supermarket on the

corner There is a big supermarket on the corner Falso cognate Push the door to open it O verbo to push, que significa empurrar, foi usado com o sentido de puxar

Fonte: SCHÜTZ, R. Interferência, Interlíngua e fossilização. English made in Brazil, 2006.

De acordo com Nakuma (2005, apud BONA, 2008) é possível questionar a ideia, defendida por outros autores, de que aprendizes de uma LE não conseguem reverter os erros internalizados durante o processo de aprendizagem da língua. Para Nakuma, itens que foram fossilizados podem ser superados, se forem dadas as

Forma errada Forma correta Concordância sujeito/verbo There was many people on the

beach There were many people on the beach Ordem sintática Everybody knew the answer,

except I and my best friend Everybody knew the answer, except my friend and I. Supergeneralização da regra do

verbo regular no passado simples.

The sun shined strong. The sun shone strong

Uso excessivo de determinante The Great Wall is a famous sightseeing of the China

The Great Wall is a famous sightseeing of China*

*Não se usa o artigo definido “THE” antes de nomes próprios Fonte: SCHÜTZ, R. Interferência, Interlíngua e fossilização. English made in Brazil, 2006

oportunidades para que o aprendiz perceba os erros e consiga uma produção lingüística mais correta.

c) Input – A hipótese do input, formulada por Krashen (1982), postula que a língua estrangeira (LE) ou a segunda língua (SL) são adquiridas quando aquele que está aprendendo compreende a mensagem, ou seja, recebe “input” compreensível. Nas palavras do autor, “Language that is not understood cannot help, it is too advance, just noise in the system” (1982, p. 242).

Contudo, para que a aquisição de uma LE ou SL se processe, é preciso que o input esteja um pouco além do estágio atual em que se encontra o indivíduo. De acordo com Krashen (1982), se a competência do estudante na língua é o nível i, o input deve conter informação linguística além dessa competência para que ele possa passar para o nível subseqüente, ou seja, i+1. A compreensão de mensagens transmitidas através de formas linguísticas novas, ainda não adquiridas, é que permite o crescimento linguístico. Quanto mais o aprendiz receber uma quantidade de input compreensível nos aspectos lexical, morfológico, sintático e fonético, mais fácil se tornará seu processo para aprender a língua. Essa compreensão é conseguida graças ao contexto de situação em que a comunicação está inserida. Assim, a produção do aprendiz será mais natural, pois a língua, uma vez contextualizada por meio de situações criadas em sala de aula, será produzida de forma significativa.

A hipótese do input afirma, ainda, que primeiro adquirimos o significado da mensagem e, como resultado, a estrutura gramatical da língua é adquirida por meio da contextualização. Se o significado é compreendido, a fala (output) é desenvolvida naturalmente, possibilitando a contextualização da mensagem. No caso da aprendizagem da língua em ambientes formais (cursos livres de idiomas, por exemplo) a contextualização da mensagem pode ser criada pelo professor, em sala de aula, por meio de diálogos que envolvam diferentes situações, por meio da leitura de textos ou por meio de uma música. Krashen (1982) afirma que quanto maior e mais adequado for o input fornecido ao aprendiz, melhor será sua produção linguística. Nas palavras do autor:

If input is understood, and there is enough of it, the necessary grammar is automatically provided […] input is the essential environmental ingredient (p. 2-3)

Krashen (1982) considera a hipótese do input uma das mais importantes teorias por ele produzida, uma vez que muitos indivíduos aprendem uma LE fora do ambiente natural e têm contato com a LE somente em sala de aula, caso em que o input fornecido se restringe a esse contexto. Cabe, portanto, ao professor, fornecer o input necessário e apropriado para a aprendizagem da língua por meio de atividades dentro da sala de aula.

d) Monitoramento - o monitoramento atua como correção. Ocorre quando o falante acha que cometeu algum erro e considera necessário corrigi-lo. Esse monitoramento ajuda a empregar, de forma consciente, o uso das regras gramaticais da língua que está aprendendo. Krashen (1982) destaca que o monitoramento só é posto em prática em dois momentos: quando há foco na estrutura da língua e quando há conhecimento das regras. Em outras palavras, o falante só se corrige se tiver consciência de seu erro e se quiser ou for solicitado a corrigir-se. O monitoramento depende, ainda, das características da personalidade de cada indivíduo.

Segundo Schütz (2005), pessoas que tendem à introversão, à falta de autoconfiança ou ao perfeccionismo utilizam o monitoramento em excesso, podendo até desenvolver um bloqueio comprometedor da espontaneidade devido à consciência da alta probabilidade de cometerem erros. Segundo o autor, pessoas que tendem à extroversão, que tendem a falar muito, ou que tendem a falar de forma espontânea e impensada, pouco utilizam o monitoramento, devido às suas espontaneidades de expressão. Os que mais se beneficiam do monitoramento da aprendizagem são as pessoas que conseguem equilibrar a ansiedade de aprender, aplicando a função do monitoramento de forma moderada e tendo consciência de seus erros.

Schütz (2005) afirma que o professor, ao ter ciência dessa função, passa a compreender melhor que o processo de aprendizagem se dá de forma diferente para cada pessoa. Segundo este autor, também é importante o professor detectar quais os alunos que são introspectivos, quais os que são extrovertidos, bem como os que são “equilibrados”, para que haja uma diversidade na forma de expor a língua, de propor atividades em sala de aula e de propor exercícios escritos.