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Ferramentas computacionais como método de concepção e análise de formas curvilíneas

Nas últimas décadas, as ferramentas computacionais têm produzido um impacto substancial no processo de concepção do projeto em arquitetura. O estado da arte no uso de ferramentas computacionais no processo de projeto em arquitetura é chamado por Patrik Schumacher de Parametricismo (Parametricism): “É um estilo enraizado

em técnicas de animação digital e refinamentos baseados em sistemas de desenho paramétrico e métodos de script”

(SCHUMACHER, 2009 a, p. 15 – tradução do autor).

O parametricismo nasce da exploração de sistemas de desenho paramétrico, no sentido de articular complexos procedimentos e peculiaridades do projeto. Esse sistema tem na ênfase visual seu objetivo estético, isto é, a “complexidade ordenada da forma”, que reproduz na arquitetura a fluidez espacial que constitui a marca de sistemas paramétricos.

A arquitetura de tradição contemporânea procura atender demandas impostas pelo meio que a cerca através de uma gama de ferramentas e tecnologias. O desenvolvimento de recursos de simulação, experimentação, modelagem e scripting, produziram novas formas, geometrias, designs, versões, interações e personalizações no discurso arquitetônico.

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Schumacher (2009 a) pondera que métodos paramétricos devem se distanciar de geometrias que ele descreve como “rígidas e primitivas”, como quadrados, círculos e triângulos, devendo se afastar da justaposição de elementos e sistemas desconexos. O parametricismo deve considerar que todas as formas podem ser maleáveis parametricamente e a diferenciação da forma deve ser gradual, assim como as correlações da geometria.

Para Schumacher (2009 b), a articulação é a competência central em arquitetura e padrões de design (design

patterns) e é também o fator que mais promove a articulação em um projeto. Os padrões (patterns) têm revestido

superfícies em arquitetura há séculos, servindo às mais diferentes funções, como decoração, acentuação, identificação totêmica, diferenciação semiótica, camuflagem ou uma combinação deles. Na arquitetura de tradição clássica, o projeto de um edifício se baseava em uma tripartite entre a distribuição espacial da planta, a construção e a decoração. Na contemporaneidade, os dois aspectos centrais do projeto arquitetônico são a organização e a articulação (SCHUMACHER, 2009 b). Organização é a preocupação com a espacialização de ordens de caráter social através de conexões, divisões e proximidades de fluxos e espaços. A articulação é a compreensão da ordem espacial e suas interações, reconhecendo que edifícios funcionam através da leitura e do reconhecimento espacial por parte do usuário.

A distinção entre articulação e organização não devem ser alinhados com a distinção entre forma e função: os dois se cruzam entre si. Ambas organização e articulação apresentam aspectos funcionais e formais. Diagramas de organização e estratégias de articulação precisam ser selecionados com base em sua funcionalidade social e ambos são dependentes da disponibilidade formal de um pertinente repertório (SCHUMACHER, 2009 b, p. 31 – tradução do autor).

Padrões arquitetônicos são poderosas ferramentas para a articulação arquitetônica. Na tradição clássica, ornamentos e molduras eram tipicamente utilizados para ordenar os diferentes eixos de simetria e distinguir diferentes funções, aplicados ao edifício através de moldes preenchidos com argamassa cimentícia à uma alvenaria preexistente. A

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aplicação dos motivos decorativos promoviam o caráter e a expressão da construção, ministrados à edificação seguindo regras e padrões bastante rígidos (SUMMERSON, 2009).

Ornamentos na arquitetura contemporânea não são vistos apenas como motivos decorativos ou de caráter simbólico. Sobre a influência de ferramentas computacionais, os ornamentos apresentam novos atributos. O ornamento reside na superfície, como um envelope sobre o edifício, o qual o computador permite modelar, modular e representar de uma maneira altamente dinâmica, transformando o ornamento em uma parte essencial da concepção do projeto em arquitetura (SCHUMACHER, 2009 b; PICON, 2013).

Antoine Picon (2013) salienta que tradicionalmente o uso de ornamentos não foi muito difundido na arquitetura ocidental, comparado à arquitetura árabe. Atualmente, arabescos e suas variantes são as formas mais comuns de expressão ornamental em arquitetura, como o uso de tesselações em superfícies de fechamento. O autor também cita que o simples movimento de uma fachada pode ser ornamental, criando uma “fluidez barroca”.

Até o começo do século XX, ornamentos permaneceram aos olhos de muitos arquitetos como um essencial suplemento a tectônica. A arquitetura moderna arruinou essa concepção, relegando-o para o estado de mero acessório - muito graças a Le Corbusier (...). Embora o ornamento tenha recuperado importância no desenho contemporâneo, certamente está longe de recuperar esse estado suplementar. Como condição disseminada, tem aparecido como parte inesperada do envelope. Assim, é impossível considera-lo como adicionado e essencial. Esta grande diferença com o passado deve, por si só representar um incentivo para questionar a noção de um mero retorno do que já foi. Existe tanta invenção ocorrendo sobre o assunto, que a invenção de um novo tipo de ornamentação fundamentalmente o diferencia do tradicional (PICON, 2013 p. 41 – tradução do autor).

A invenção de novas formas de ornamentação e o desenvolvimento de tecnologias computacionais na produção arquitetônica contemporânea têm possibilitado a criação de edifícios onde a estrutura apresenta um caráter ornamental. Um bom exemplo disso é a estrutura do Estádio Olímpico de Pequim, conhecido como “ninho de pássaro”, projetado por Herzog & de Meuron em 2008. Um dos objetivos do escritório era evitar a criação de uma pele meramente decorativa. A complexa estrutura cria um espaço intermediário entre o exterior e o interior do estádio. A

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distinção tradicionalmente colocada entre estrutura e ornamento não se aplica a esse projeto, que propõem superar essas categorias (PICON, 2013).

Sob a influência de uma série de fatores que vão desde o desenvolvimento espetacular das ciências dos materiais até a ascensão do computador e as possibilidades que oferecem para visualizar e operar em vários níveis, desde escalas macroscópicas, a nanoscópicas, a nossa compreensão da materialidade está evoluindo rapidamente. O ornamento contemporâneo é inseparável deste movimento. Seu apelo se deve pelo desejo de experimentar em um campo que parece cada vez mais como uma nova fronteira na concepção e fabricação (PICON, 2013 p. 129 – tradução do autor).

O uso de formas curvilíneas em arquitetura, como já observado anteriormente não é algo recente. O que faz parte do contemporâneo é o método de representação, construção e experimentação das curvas contínuas de grande plasticidade. Schodek et. al (2005) traça o desenvolvimento da geometria diferencial e o avanço dos materiais e da representação como os fatores que possibilitaram superar obstáculos e problemas históricos na arquitetura de formas curvas. Os autores explicam que algumas geometrias de projetos da primeira metade do século XX só puderam ser construídas pelo emprego excessivo de estruturas de concreto armado e fechamentos. São exemplos disso o Einsteinturm (1920) de Mendelsohn e o Terminal da TWA (1956) de Saarinen.

Existem alguns métodos de análise digital que possibilitam o emprego de uma geometria curva sem que haja o superdimensionamento de estruturas ou materiais. Um dos principais conceitos é o de desdobramento. Sólidos desdobráveis podem ser desenrolados em um plano, como cubos, cones e prismas, sem que haja deformação na forma. Por outro lado, sólidos não desdobráveis, como esferas, não pode ser estender sobre um plano.

Geometricamente, a diferença entre superfícies desdobráveis e não desdobráveis é que as primeiras são regradas. Superfícies regradas são aquelas criadas a partir de um gerador (curvo ou reto) e uma reta de direção. Elas podem ser descrita como uma linha reta que segue uma trajetória no espaço (SCHODEK et. al, 2005), isto é, geometrias curvas

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desdobráveis possuem uma curvatura simples e em um único sentido, facilitando sua construção. Por outro lado, geometrias não desdobráveis possuem dupla curvatura que constituem uma maior complexidade estrutural.

A análise da curvatura gaussiana – Carl Friedrich Gauss (1777-1855) – é até hoje um conceito fundamental para a aplicabilidade de geometrias curvas. O teorema de Gauss (K) envolve o produto das duas curvaturas principais de uma superfície (K = k1*k2). Se k1 e k2 possuírem o mesmo sinal matemático o produto entre k1 e k2 será sempre positivo e

sempre maior que zero, acarretando em uma curva gaussiana positiva. Se k1 e k2 possuírem sinais diferentes seu

produto será sempre negativo e menor que zero, ocasionando uma curvatura negativa. Se k1 ou k2 for igual à zero (sem

curva) a curvatura gaussiana será também igual à zero (POTTMANN, 2010).

A geometria é o ramo da matemática que estuda as formas e as relações entre os diferentes elementos que as compõe. A avaliação dos projetistas depende do entendimento da geometria contida em uma forma. Entendendo como a geometria foi aplicada ao projeto, se torna possível entender como a organização espacial é compreendida e usada pelo arquiteto.

A melhor maneira de se construir formas de alta complexidade é racionalizar a geometria sucessivamente, para entender melhor as técnicas construtivas que a formatam: a tectônica. Por essa razão, as superfícies de dupla curvatura são onerosas à manufatura. Geometrias regradas são frequentemente preferidas pelos arquitetos (FLORIO, 2007; POTTMANN, 2010).

Analise de curvatura gaussiana são amplamente empregadas em muitos ambientes digitais avançados dentro do mundo CAD/CAM como ferramentas para compreender diferentes propriedades das superfícies. Essas tecnologias digitais e as analises de curvatura permite aos designers um entendimento das propriedades de suavidade das superfícies curvilíneas, incluindo onde possam existir torções ou dobras (SCHODEK et. al, 2005, p. 50).

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O desenvolvimento de tecnologias CAD/CAM na metade da década de 1980 “alisou” a arquitetura. Esse alisamento discutido em Picon (2010) e Lynn (1998) virou sinônimo de uma coerência entre o design arquitetônico, e a tectônica do projeto, fruto de uma vasta exploração paramétrica e digital: um casamento entre forma e tecnologia.

A exploração digital por meio de softwares como, CATIA (Computer Aided Three Dimensional Interactive Application), Rhinoceros, Solid Works e Digital Project, tem privilegiado o estudo das formas inovadoras em arquitetura, resultando em uma “proliferação de novas geometrias”. Pesquisas em geometrias aplicadas à arquitetura visam a criação de novas ferramentas para o estudo de modelos digitais que satisfaçam certos requisitos mínimos na fase de concepção da forma. Visam assim incorporar no modelo digital aspectos relacionados à tectônica e à estrutura da forma e além disso, fornecem os princípios básicos para a fabricação de peças em escala 1:1, a aplicação no processo de projeto e na construção (PICON, 2004; POTTMANN, 2010; COHEN, 2012).

Muitas das ferramentas CAD (Computer Aided-Design) usadas em arquitetura na contemporaneidade foram importadas de outras áreas do conhecimento, como o Maya das artes cinematográficas, o Rhinoceros do desenho industrial e o CATIA da engenharia aeroespacial. Scheurer (2010) relata que formas curvas projetadas nos anos 1950 pelos laboratórios da Renault e da Citroën, como fórmulas matemáticas, começaram a ser geometrizadas por programas de tecnologia NURBS nos anos 90. Caneparo (2014) discorre que a Dassault Aviation começou a produzir seus aviões a partir dos anos 70 usando um sistema de fabricação por CNC chamado CADAM (Computer-aided

Design and Manufacturing), desenvolvido pela Lockheed Corporation. Na década seguinte os primeiros caças de

combate Mirage foram desenvolvidos com o emprego do software (CATIA), desenvolvido pela Dassault Aviation, em colaboração com a IBM.

O desenvolvimento de novas ferramentas CAD/CAM possibilitou a fabricação de novas geometrias. Um dos principais métodos de pesquisa de formas complexas aplicados à arquitetura é o da racionalização. Esse processo computadorizado se baseia em recalcular uma geometria complexa sem que aspectos como suavidade e estética

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sejam brutamente alterados, com o intuito de facilitar a fabricação e a construção, “Sobre um ponto de vista

matemático, a racionalização possibilita a solução de problemas de optimização, muitas vezes caros e não lineares”

(POTTMANN, 2010, p. 74 – tradução do autor).

O método tradicional de concepção de um projeto arquitetônico se divide em seis partes: i) a criação, distribuída entre estudo preliminar (EP); ii) o anteprojeto (AP); iii) a etapa de aprovação, projeto legal (PL); e iv) a fase de desenvolvimento do projeto, caracterizada pelo pré-executivo (PE); v) executivo final (EF); vi) e detalhamentos (D). Após a construção do edifício, uma sétima etapa poderá ser realizada, a análise pós-ocupação (APO) do projeto, onde tradicionalmente são ajustados possíveis problemas de projeto como conforto térmico e acústico, insolação ou possíveis problemas de instalação, aumentando o custo total do projeto.

As novas tecnologias digitais proporcionam uma nova abordagem no processo de projeto. Algumas atividades tipicamente presentes na fase de desenvolvimento do projeto estão sendo antecipadas para a fase de criação. Isso tem ocorrido graças aos novos recursos de simulação cada vez mais acessíveis e fáceis de serem empregados na fase de concepção. Com o uso de técnicas de simulação é possível estar à frente, resolver problemas futuros em potencial, antes que eles aconteçam. Solucionar problemas de projeto na etapa de criação da forma resulta em economia de tempo e dinheiro.

Scheurer (2010) pondera sobre as mudanças na concepção projetual entre o método tradicional e o método digital, paramétrico. O processo de projeto tradicional é ambíguo, informal, preponderante ortogonal, baseado em tentativas e erros. O processo paramétrico é preciso, pois em um algoritmo não há espaço para ambiguidade. Ele é formal, não necessariamente ortogonal, baseado na explicitação de variáveis e na articulação de parâmetros e os problemas são bem definidos. “A informação de milhares de desenhos pode assim ser reduzida a um algoritmo bem definido e

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Cristiano Ceccato (2010 b) argumenta que a concepção de geometrias na arquitetura digital contemporânea se divide em três perspectivas: a pré-racionalizada, a pós-racionalizada e a co-racionalizada. Estratégias de projeto que envolvem a racionalização de uma geometria preestabelecida por um arquiteto, em vez de um conjunto de regras de construção e design, são denominadas geometrias pós-racionalizada. O processo de encontrar uma solução (form-

finding) é guiado através de preocupações com a estética da forma ao invés de uma preocupação inicial com

métodos construtivos ou linguagem geométrica. Geometrias pré-racionalizadas são as derivadas de princípios e regras, um predeterminismo da forma, ordenado por conceitos que auxiliam na produção, fabricação e desempenho de cada elemento do design. A estratégia co-racional é utilizada por escritórios que trabalham com processos de projeto paramétricos, onde a forma é pensada pelo desempenho, possíveis problemas são antecipados na concepção do projeto.

Grandes obras na atualidade são resultado do esforço em conjunto de uma grande gama de profissionais. Cada vez mais a comunicação entre as diversas disciplinas se faz mediante ao extenso uso das tecnologias computacionais. Historicamente, sempre existiu uma cisão entre arquitetos e engenheiros. Os primeiros dominavam a arte de concepção de formas. Os segundos dominavam os métodos construtivos necessários para a realização da obra. A figura do “master-builder" na atualidade é entendido por Ceccato (2010 a) como o conhecedor dos procedimentos de fabricação e construção no canteiro de obras e dos elementos idealizados no projeto de arquitetura. Com o desenvolvimento das tecnologias computacionais, os arquitetos que predominantemente se detinham ao projeto, passam dominar a construção de geometrias complexas, possibilitando uma maior troca de visões, experiências e, sobretudo, facilitando a solução de possíveis problemas de ordem estrutural ou técnica na fase de concepção da forma, viabilizando uma economia monetária e de tempo.

Ferramentas digitais são amplificadoras do intelecto. A boa arquitetura não é só fruto do uso de um tipo específico de programa, método construtivo ou material característico, mas sim fruto de conhecimentos prévios do arquiteto projetista, sua fundamentação arquitetônica, conceitos de escala, proporção, ritmo, harmonia, plástica, geometria,

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identidade, caráter, linguagem, etc. O computador potencializa conhecimentos aprendidos na fundamentação teórica do arquiteto. Métodos tradicionais de ensino de projeto em arquitetura que envolvem a busca da forma através de croquis, desenhos à mão livre e ensaios volumétricos são ainda fundamentais, pois é através desses métodos projetuais que se fundamentam os conceitos mencionados, atuando como base para o uso dos métodos digitais.

Notas: 3.1 http://www.stratasys.com/3d-printers/design-series/dimension-elite (acesso: 19/09/2015). 3.2 http://www.3dsystems.com/quickparts/prototyping-pre-production/plastic-jet-printing-pjp (acesso: 19/09/2015). 3.3 http://cubify.s3.amazonaws.com/Printers/Cube/cube_user_guide.pdf (acesso: 19/09/2015). 3.4 http://www.rolanddg.com.br/downloads/MDX-540_BROCHURE.pdf (acesso: 19/09/2015). 3.5 http://www.glorylaser.com/product1.asp?catid=84 (acesso: 19/09/2015).

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