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Transformações geométricas na forma de elementos curvilíneos: Marquises do Ibirapuera

Greg Lynn em seu texto “Architectural Curvilinearity: The Folded, the Pliant and the Supple” discorre que arquitetos, nas últimas décadas, têm produzido arquiteturas heterogêneas e fragmentadas, a fim de encarnar diferentes contextos sociais, físicos e culturais em suas arquiteturas.

O autor observa que uma forma de contornar a contradição e assimilar diferentes contextos é com criação de “misturas lisas” explicadas pelo autor como “misturas feitas a partir de díspares elementos que mantêm uma integridade”. A forma lisa incorpora os diferentes contextos e contradições de onde o projeto está inserido.

A maleabilidade proporciona à arquitetura um envolvimento com a complexidade por meio da flexibilidade (...) o maleável implica, em primeiro lugar, uma flexibilidade interna da forma e em segundo uma dependência de forças externas para a auto definição (LYNN, 1998, p. 24 – tradução do autor).

Formas topológicas são consideradas estruturas superficiais passíveis de transformações contínuas que facilmente

conseguem mudar a sua forma, nas quais são estudados os aspectos mais interessantes e comuns a todo o conjunto. Publicado originalmente em 1917 o livro “On Growth and Form” de D’Arcy Thompson analisa processos de caráter biológico sobre aspectos físicos e geométricos. Thompson analisa a filogênese, o estudo das ascendências e relações evolutivas de organismos, a morfologia, que é o estudo das formas de organismos e segundo o autor das forças que atuam sobre um ser vivo e a taxonomia que é a identificação e classificação sistemática de seres vivos em espécies, classes e filos (THOMPSON, 1961). O propósito do autor em escrever esse livro é correlacionar com princípios matemáticos e físicos certos fenômenos de crescimento orgânico ou da forma.

Força é o termo utilizado pelo autor para designar as causas pelas quais as formas orgânicas e suas mudanças são geradas. Thompson entende que a forma de um objeto ou um organismo pode ser considerada um “diagrama de forças” e sua interpretação é capaz de mostrar as forças que atuam sobre ela. A forma dos organismos vivos é fruto de um equilíbrio e interação de forças.

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Uma parte importante da morfologia analisada pelo autor reside na comparação de formas conexas, ao invés de uma definição precisa de cada uma e na deformação de uma família de formas. Esse processo de comparação, de reconhecer em uma forma uma permutação ou deformação e compará-la com o tipo original ou da mesma família de formas é o que permeia a Teoria das Transformações de Thompson.

A Teoria das Transformações analisa sob um ponto de vista darwiniano as relações entre diferentes espécies de organismos, que podem ser explicadas através de transformações geométricas. O autor analisa a forma de diferentes espécies de peixes, artrópodes e as transformações em suas carapaças (caranguejos, lagosta, camarões e diversos tipos de insetos), cnidários (medusas e anêmonas), aves em relação ao formato de suas asas, invertebrados e folhas de diferentes espécies de árvores. Traça um grid ortogonal sobre cada espécie e observa que existe uma relação de similaridade geométrica entre diferentes classes de organismos. Essa teoria se baseia no método de coordenadas de Descartes (plano cartesiano) (THOMPSON, 1961).

O emprego de um plano cartesiano sobre uma forma facilita o estudo das alternações, transformações e deformações que ocorreram dentro de um grupo de formas ou entre diferentes espécies de organismos, possibilitando relacionar as diferenças e semelhanças nessas formas.

D’Arcy Thompson identifica quatro tipos principais de deformações cartesianas que podem acontecer na natureza. O primeiro tipo é o das deformações axiais em X e Y, que mantém relações de proporção tanto na abcissa, quanto na ordenada. O segundo tipo é definido por transformações axiais que não mantém as mesmas proporções. O terceiro tipo é chamado de transformação obliqua, obtido pela inclinação do eixo X ou Y. O quarto tipo de transformação é definido por coordenadas radiais a partir de um ponto ou foco.

Os organismos analisados possuem uma relação topológica entre si, são formas diferentes que dividem as mesmas relações geométricas. Se tomarmos como exemplo as figuras dos caranguejos (Figura 3.111) é possível observar que mudanças na geometria de suas carapaças, geradas a partir de transformações e mutações, produzem diferentes

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espécies e que por serem variações topológicas de um mesmo organismo podem ser classificados sob a mesma classe animal.

A variação geométrica de parâmetros, tanto na forma de organismos quanto em elementos construtivos cria uma família de formas. A topologia pode ser considerada como um estudo não quantitativo em que são analisadas as relações geométricas entre diferentes elementos. Sendo assim, uma família de formas com propriedades topológicas, mantém semelhanças geométricas entre seus diferentes indivíduos.

Figura 3.111 – Carapaças de diferentes caranguejos. Fonte: THOMPSON (1961) p. 294. Redesenho: Breno Veiga, 2015.

Formas que apresentam geometria topológica são caracterizadas por uma transformação contínua em seus parâmetros. “A topologia considera as estruturas superficiais suscetíveis a transformações contínuas que modificam

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facilmente suas formas, sendo estudadas as propriedades geométricas mais interessantes comuns a toda modificação”

(LYNN, 1998, p.125 – tradução do autor).

Uma família de formas desenvolvida a partir da MP apresenta relações topológicas, isto é, de similaridade. Topologia é definida por Kolarevic (2003) como “o estudo das propriedades qualitativas, intrínsecas na forma geométrica” propriedades e relações que não são alteradas por mudanças no formato da geometria. Carpo (2011) escreve que a topologia é dada por uma função paramétrica e tem como resultado uma variedade de objetos similares. Picon (2013 a) cita que a topologia é fruto de softwares de modelagem digital e cada vez mais parte do vocabulário arquitetônico contemporâneo.

Os edifícios do Parque Ibirapuera são caracterizados por uma série de elementos curvilíneos: é possível analisar a forma orgânica da Grande Marquise e a marquise do MAC através de um estudo sistemático, utilizando o mesmo método utilizado por Thompson (1961): coordenadas cartesianas.

As Figuras 3.112 e 3.113 relatam um estudo morfológico da grande marquise do Parque Ibirapuera e da marquise do MAC. Em (X) é possível observar a forma projetada por Niemeyer sobre um plano cartesiano, as colunas (A, B e C) exibem o processo de transformação formal, as duas marquises foram sujeitas a três tipos de transformações: afunilamento (A), flexão (B) e torção (C), produzidos respectivamente pelos comandos do Rhinoceros: Taper, Bend e

Shear. Foram produzidas novas formas que representam o contorno inicial sobre diferentes aspectos compositivos e de

maneiras mais ou menos harmônicas.

A manipulação de parâmetros produziu nas Figuras 3.112 e 3.113 formas mais e menos interessantes, porém passíveis de se tornarem um projeto arquitetônico. O modo com que Niemeyer projetou as marquises do Parque Ibirapuera, uma sucessão de arcos e tangentes, gerou uma arquitetura passível de adaptação (Vicissitude). 3.6

Na contemporaneidade proliferam amalgamas em forma de amebas e bolhas (MONTANER, 2009). A adaptabilidade contextual é inerente às formas curvilíneas. As linhas retas almejam um único destino e não são as mais adequadas

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para a integração de diferentes contextos. A curva é maleável, flexível, consegue agregar diferentes situações e contextos, não mira em um único destino, mas vários.

Figuras 3.112 – Variações e transformações na marquise do Ibirapuera Figuras 3.113 – Variações e transformações na marquise do MAC Fonte: Breno Veiga, 2015. Fonte: Breno Veiga, 2015.

A grande marquise do Parque serve como elemento conector entre os diferentes pavilhões e por causa de sua sinuosidade não cria uma oposição à ortogonalidade dos demais edifícios. A marquise do MAC se destaca do resto do edifício, não é por acaso que serve como entrada principal da construção. Niemeyer cria um bloco que serve para abrigar todas as funções do programa que alude a uma arquitetura funcionalista, porém desenvolve uma marquise

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curva em sua fachada. Essa combinação obtida pelas linhas retas e curvas, superfícies e volumes, gera a manifestação concreta da forma em um determinado espaço arquitetônico, protagonista da arquitetura.

Notas: 3.1

http://docs.mcneel.com/rhino/5/help/en-us/commands/contour.htm (Acesso em 30/10/2015). 3.2

Curva formada através da localização de uma série de pontos de controle em um plano. Alguns softwares utilizam o nome “Spline”, para descrever uma

curva interpolada. Ver POTTMANN. et al (2007). 3.3

nº P N555_725.91 B 3.4

Pignatari (1981) Cita que a dialética na obra de Niemeyer se expressa na oposição reta, ortogonal, industrial com a curva, orgânica, pré-industrial. “A solução

dialetal é também dialética, na oposição reta/curva, e tenta fazer confluir num mesmo sintagma dois sintagmas contrastantes: o do barroco e o do funcionalismo estrito.” (p.120).

3.5

Proveniente da teoria dos conjuntos é um grupo de operações matemáticas que permite unir, subtrair ou interseccionar dois ou mais elementos dentro de um conjunto de formas.

3.6

Vicissitude em arquitetura é descrita por Lynn (1998) como a qualidade de ser mutável, em resposta a situações favoráveis ou desfavoráveis que possam ocorrer.