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O “filho pródigo”: Eduardo de Oliveira e Oliveira nos Estados Unidos (1974-75)

4 BLACK AMERICAS

4.1 O “filho pródigo”: Eduardo de Oliveira e Oliveira nos Estados Unidos (1974-75)

Os estudos raciais no Brasil no século XX possuem a marca constitutiva de uma alteridade histórica: a comparação com os Estados Unidos. De fato, é difícil dizer que tudo aquilo que se pensou e se produziu intelectualmente sobre o assunto, nas Ciências Sociais, na Psicologia, na História, na Literatura, seja efetivamente brasileiro. Não apenas as ideias viajaram por entre a imaginação dos autores e as páginas dos artigos, teses e livros que eles

371 Cf. GUIMARÃES; HAYASHI, op. cit.

372 Assim denominamos de forma genérica o vasto campo do conhecimento que, ao longo do século XX,

dedicou-se, no Brasil e em outros países – principalmente no EUA –, sob diferentes perspectivas teóricas e domínios temáticos, aos estudos da questão racial no Brasil.

escreveram, mas eles mesmos transitaram das mais variadas formas entre o Brasil e os Estados Unidos, em um intercâmbio que pensou e repensou contínua e criativamente o caráter das relações raciais em ambos os países e os desafios e problemas impostos pela confrontação sociológica das semelhanças e das diferenças entre eles374.

De um lado, nomes do campo dos estudos raciais foram aos EUA para realizar seus cursos de pós-graduação, tais como Gilberto Freyre, Arthur Ramos, Oracy Nogueira, Thales de Azevedo, Josildeth Consorte, Antônio Sergio Guimarães; de outro, uma miríade de autores americanos, em diferentes circunstâncias, veio ao Brasil para realizar suas pesquisas, tais como Donald Pierson, Charles Wagley, Marvin Harris, Thomas Skidmore, Mary Karasch, Robert Slenes, e também acadêmicos afro-americanos, como Michael Mitchell, J. Michael Turner, James Kennedy e Dorothy Porter. Baseados nos EUA, outros indivíduos não americanos ajudaram a moldar o campo: entre eles estão o alemão Rüdiger Bilden, o argentino Carlos Hasenbalg, o haitiano Pierre-Michel Fontaine, a cabo-verdiana Maria Luiza Nunes e o ganês Anani Dzidzienyo. Finalmente, personagens negros brasileiros tiveram o mesmo rumo nesse circuito, embora seguindo trilhas e tempos muito distintos: Guerreiro Ramos, Abdias do Nascimento, Orlanda Campos e o próprio Eduardo.

Evidente que esta constelação de nomes é parcial e incompleta, e não é nosso propósito escrutinar as características de cada um deles, embora nos detenhamos em algumas dessas trajetórias. Mas, seja como for, foi através das obras e dos contextos desses autores tão diversos que se construíram e se desconstruíram diferentes concepções de raça e sociedade no Brasil. De uma história escravista abrandada, uma abolição sem conflitos e uma democracia racial como corolário – em oposição aos horrores da escravidão, da Guerra Civil e da segregação racial nos EUA –, passou-se, como já observamos, à constatação de um país com desigualdades raciais assentadas em uma violenta história escravista e na presença e reprodução constante do racismo nas relações sociais no contexto do pós-abolição, ao longo do século XX. Eduardo acompanhava essa discussão, e cumpriu um papel-chave no ambiente transnacional de circulação de referenciais entre Brasil e Estados Unidos.

Essa circulação de referenciais, como nota o historiador Amílcar Pereira, já era antiga na época em que Eduardo fazia suas próprias reflexões sobre o tema. No livro O mundo negro..., Pereira analisa o intenso trânsito de ideias que se constituiu entre ativistas negros dos Estados Unidos e do Brasil nos anos 1920, através, por exemplo, das trocas de informações e

374 Um bom apanhado de alguns dos principais estudos comparativos pode ser encontrado em: ANDREWS,

referenciais entre os jornais O Clarim d’Alvorada, da imprensa negra de São Paulo, e o Chicago Defender, importante periódico da imprensa negra norte-americana375. Nesta mesma obra, Pereira desvela, através de entrevistas com ativistas do Movimento Negro brasileiro contemporâneo, a complexa teia de relações e influências entre este movimento e as chamadas “influências externas” que lhe foram constituintes nos anos 1970, notadamente as ideias e estratégias de ação política e cultural advindas do Movimento Negro norte-americano e das lutas dos países africanos pela descolonização e independência no século XX. O autor analisa diferentes formas de circulação de ideias. Se, por um lado, figuras icônicas como Martin Luther King, Malcom X, os Panteras Negras e o movimento Black Power sempre estiveram no horizonte dos ativistas negros brasileiros, essa circularidade se consumava igualmente por outros meios e referências. No Rio de Janeiro, o movimento musical Black Rio, no final da década de 1970, foi, através do Soul e slogans como “Black is beautiful” e “Say it loud – I’m Black and I’m proud”, importante elemento de afirmação de identidade política negra entre a juventude negra das periferias cariocas376; em Salvador, o grupo cultural

Ilê Aiyê, criado em 1974, “articulava influências africanas e norte-americanas, sempre com um forte caráter político de enfrentamento e afirmação da identidade negra”377.

Eduardo era parte interessada nesse intercâmbio de ideias, como alguns esboços de seus escritos demonstram. Em um texto de 1976, desdobramento das pesquisas para a tese então em curso, o qual tinha o sugestivo título Movimentos políticos negros no início do século XX no Brasil e nos Estados Unidos, ele comenta o impacto das ideias de Marcus Garvey e de acontecimentos da vida afro-americana na imprensa negra paulistana dos anos 1920-30. Casos de violência racial nos EUA, por exemplo, “[comoveram] profundamente alguns elementos negros de São Paulo que já tinham consciência de sua problemática no Brasil e no mundo, como negros”, o que reforçaria sua visão “do Negro como um ser universal, em busca de soluções, que têm base num mesmo nível de identidade e que podem ser compreendidas através do conceito de negritude (nas Américas) [...]”378.

O texto supracitado, ainda que descritivo e não propriamente analítico, demonstra o conhecimento e o interesse de Eduardo pela história intelectual afro-americana em conexão

375 PEREIRA, op. cit., 2010, cap. 3, “Circulação de referenciais: Brasil, Estados Unidos e África”, p. 106-163. 376 Cf. LIMA, Carlos Eduardo de Freitas. Sou negro e tenho orgulho!: política, identidade e música negra no

Black Rio. Dissertação (Mestrado em História) – UFF, Niterói, 2017.

377 PEREIRA, op. cit., 2010, p. 129. O livro de Pereira detalha muitas outras formas de circulação de

referenciais. As entrevistas realizadas com ativistas negros, entre 2003 e 2007, foram reunidas por ele e por Verena Alberti no livro Histórias do movimento negro no Brasil: depoimentos ao CPDOC (Rio de Janeiro: Pallas; CPDOC-FGV, 2007). Cf. capítulo 2, “Influências externas e circulação de referenciais”, p. 69-89.

com a intelectualidade negra brasileira. Seguindo o caminho das fontes, seu interesse pelos Estados Unidos remonta pelo menos ao começo dos anos 1960. É de 1960 a primeira evidência de sua relação com os EUA: uma carta enviada pela amiga Wendy Lehrman, de origem judaica, professora de ensino primário na cidade de Nova York.

Aparentemente, Wendy conhecia Carl Withers, antropólogo americano que Eduardo conheceu em 1966, em Nova York. No seu currículo: “1966 – Entendimentos com o Prof. Carl Withers”379. Withers escreveu foi professor em várias universidades norte-americanas, e

teve também uma passagem pelo Brasil, como professor no Museu Nacional da Universidade do Brasil, no Rio, entre maio de 1953 e outubro de 1954. Dentre seus contatos brasileiros na área de estudos raciais – pelo que pudemos averiguar em um caderno de endereços presente em seu arquivo pessoal380 – encontram-se anotados Thales de Azevedo e Pierre Verger, além de Eduardo – e Wendy Lehrman. É provável que Eduardo estivesse fazendo uma espécie de prospecção acadêmica com Withers para realizar sua pós-graduação nos EUA, pois esse é o ano em que ele pela primeira vez menciona estar interessado em um estudo aprofundado sobre relações raciais no Brasil381, e também porque existe uma idêntica versão em inglês de

seu projeto de mestrado. Em 1970, ano em que Withers faleceria, Eduardo voltou aos EUA, em lugar não identificado. Essa viagem foi a mesma na qual ele assistiu, em Nova York, aos espetáculos teatrais afro-americanos que foram descritos no artigo Black Theatre (1970).

Entre 1968 e 1970, enquanto reunia material para sua dissertação na USP, ele fora também em viagem de pesquisa para a França, Inglaterra e Senegal, como já mencionado anteriormente. Quase não há registros dessas viagens, além da menção em seu currículo. O contrário se dá, contudo, em relação a pelo menos duas viagens aos EUA: uma entre 1974 e 1975 e outra em 1977. Em ambas ele rodou por universidades, arquivos e museus, trazendo de lá um universo de ideias e questões. Por razões diversas, de ordem cronológica e temática, nos deteremos neste capítulo apenas na primeira viagem.

A viagem começou em Washington (D.C.), em 28 de outubro de 1974, e terminou oficialmente em 23 de dezembro do mesmo ano, na cidade de Nova York. Eduardo fora convidado pelo Institute of International Education (IIE), uma organização estatal americana de fomento ao intercâmbio educacional e acadêmico internacional, na qualidade de especialista negro brasileiro em relações raciais, para pesquisar e aprofundar conhecimentos

379 OLIVEIRA, Currículo..., p. 3.

380 Caderno de endereços e números telefônicos de Carl Withers. The Carl L. Withers Manuscript Collection,

RISM MC 1, caixa 22, pasta 1, Research Institute for the Study of Man/New York University Archives.

da sociedade e da história dos Estados Unidos. Acerca do que o havia levado a essa jornada em solo americano, o seu cronograma oficial de viagem assim informava:

Professor de Oliveira is interested in all aspects of Afro-American culture, and is now completing the research of Brazilian and U.S. experiences which will be his master’s thesis at the University of São Paulo.

Professor de Oliveira also is interested in African studies, Latin American studies, other aspects of sociology and a deepening of his present knowledge of American history, political and governmental structures, arts and society382.

Apesar da sugestão de que sua tese analisaria também tópicos de história dos EUA, não há nenhuma indicação clara, no conjunto das fontes, de qualquer estudo comparativo ou que de alguma forma abordasse a história afro-americana. Na realidade, é justamente depois dessa viagem que um approach voltado a um domínio maior de experiências históricas, incluindo a experiência afro-americana, passará a gravitar em seu quadro conceitual.

Entretanto, uma hipótese pode ser suspeitada. Nos primeiros anos da década de 1970, enquanto fazia a pesquisa de mestrado na USP e dava aulas na Associação Cultural do Negro, Eduardo traduziu um livro que lhe seria influente: Les Amériques Noires (As Américas Negras), de Roger Bastide. Publicada em edição brasileira em 1974383, a obra, embora não tenha em seu escopo a história afro-americana em conjunto com outras experiências negras das Américas, dedicando-se, na verdade, ao estudo de sobrevivências culturais africanas no contexto pan-americano, possui uma moldura teórico-metodológica que pode ter influenciado a maneira pela qual ele pensou o continente americano como um continente negro. Todavia, a influência do livro de Bastide ficará mais evidente, bem como uma visão das “Américas negras” de uma perspectiva transnacional, depois da viagem aos EUA.

A viagem em solo norte-americano começou na capital americana, em 28 de outubro, onde o sociólogo visitou a universidade negra Howard, a Biblioteca do Congresso e museus. De lá seguiu para Chicago, onde encontrou o historiador negro John Hope Franklin, então

382 Cronograma de viagem do Institute of International Education, circa 1974, p. 1. Arquivo pessoal de Elbe de

Oliveira. Tradução livre: “O Professor Oliveira está interessado em todos os aspectos da cultura Afro- Americana, e atualmente completa sua pesquisa sobre as experiências brasileira e norte-americana que serão sua tese de mestrado na Universidade de São Paulo. Ele está interessado também em Estudos Africanos, Estudos Latino Americanos, outros aspectos da Sociologia e em aprofundar seus conhecimentos sobre a história Americana, suas estruturas políticas e governamentais, arte e sociedade”.

383 BASTIDE, Roger. As Américas negras: as civilizações africanas no Novo Mundo. Tradução de Eduardo de

Oliveira e Oliveira. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1974 [original francês 1967]. Fernando Mourão, em entrevista, contou-nos que foi ele o intermediador entre Bastide e Eduardo, para realizar a tradução. Eduardo e Mourão se conheceram no Centro de Estudos Africanos da USP.

professor da Universidade de Chicago, e visitou as dependências do jornal afro-americano Chicago Defender. De Illinois foi para Madison, onde se reuniu com o historiador Thomas Skidmore, na época professor da Universidade de Wisconsin-Madison.

De Wisconsin, Eduardo tomou um longo voo até São Francisco, Califórnia, onde foi às universidades Stanford, Palo Alto, e Universidade da Califórnia, Berkeley, conhecendo os programas de Latin American e African-American Studies, além de museus e bibliotecas. Da Costa Oeste foi ao Novo México, onde esteve no St. John’s College, em Santa Fé, e em museus e instituições dedicadas à história dos povos nativos dos Estados Unidos.

Do Novo México ele foi para o Deep South. Chegando na cidade de Jackson, Mississippi, fez pesquisas em arquivos históricos e se encontrou com o educador negro Laurence C. Jones. Em um desses encontros esteve presente o governador do estado na época, o democrata William L. Waller, como se vê abaixo.

Em seguida, já no final de novembro, foi a Natchez, ainda no Mississippi, onde esteve também em arquivos e museus. Deixando o estado, chegou a Nova Orleans. Na cidade, ele visitou lugares icônicos da história afro-americana e foi ao Amistad Research Center, um arquivo dedicado à história e cultura negra do Sul dos Estados Unidos, que se localiza na universidade negra Dillard. Da Luisiana, o próximo destino foi Gainesville, na Universidade

Figura 11 – Eduardo em Jackson, Mississippi Elbert R. Helliard, diretor do Departamento de Arquivos

do estado do Mississippi, Eduardo e o governador William L. Waller, em 25 de nov. 1974.

da Flórida, onde se reuniu com o historiador Charles Wagley. Do extremo sul do país ele foi para Nashville, capital do Tennessee. Esteve no departamento de Latin American Studies da Universidade Vanderbilt, na Universidade Fisk e no Meharry Medical College – estas duas últimas tradicionais instituições afro-americanas de ensino superior.

Do Deep South o sociólogo rumou ao norte da Costa Leste novamente, dessa vez para Boston (Cambridge), em Massachusetts. Nesta cidade ele foi ao departamento de Afro- American Studies de Harvard, onde visitou o historiador haitiano Pierre-Michel Fontaine, e também ao Massachusetts Institute of Technology, onde se encontrou com um amigo, o cientista político negro Michael Mitchell. A última etapa dessa viagem, entre 16 e 23 de dezembro, foi em Nova York. Desta vez, os encontros foram com o psicólogo negro Kenneth Clark, no City College de Nova York, e com o historiador Eugene Genovese, na Universidade Estadual de Nova York (SUNY), Rochester, norte do estado de Nova York384.

Oficialmente, pelo cronograma, a viagem terminou próximo do Natal de 1974. O sociólogo, entretanto, retornou ao Brasil um pouco depois, em janeiro do ano seguinte. Seu regresso marcou também sua volta aos problemas brasileiros.

Em uma carta dirigida ao Jornal da Tarde, de São Paulo, logo após sua chegada dos Estados Unidos, ele comenta em termos irônicos e amargos um episódio de racismo por ele sofrido, ao ser avisado por um porteiro de que deveria usar o elevador de serviço de um prédio em um bairro de classe “alta” em São Paulo. Ele faz aí uma distinção entre o Brasil e os Estados Unidos, a partir de sua recente vivência:

Estávamos, ao que acreditamos, convenientemente apresentáveis. Vestíamos uma suéter Bremer, comprada em Londres; calças de gabardine e sapatos comprados em Nova York (em Barney’s, que agora é muito in), e uma bolsa a tira-colo de Roger- Gallet, de Paris (diga-se, a propósito, que reputamos os produtos brasileiros de moda masculina não só de péssima qualidade como vulgares), e convenientemente barbeados. Enfim, um negro de alma branca!

[...]

Estamos chegando dos Estados Unidos, onde fomos convidados, na qualidade de sociólogo, tendo circulado de Washington a Chicago, de São Francisco a Santa Fé; cruzamos o Estado do Tennessee, Flórida, e coisa como esta jamais nos aconteceu. Nem agora nem em nenhuma das vezes em que lá estivemos anteriormente385.

384 Todas essas informações são retiradas do cronograma outrora citado. 385 Citado em: SOUZA, op. cit., 1981, p. 71.

Esses casos seriam constantes em sua vida, e as entrevistas com as pessoas que o conheceram o corroboram386. Além do racismo, a situação política brasileira naqueles anos de Regime Militar o exasperava. Sob o comando de Ernesto Geisel, em 1974 o Regime começava a dar sinais de enfraquecimento, com o fim do ciclo de crescimento econômico do “milagre econômico” e uma crescente pressão política e social pela redemocratização. Todavia, a vigilância e a repressão aos críticos da ditadura ainda estavam presentes. Eduardo temia estar sendo vigiado, fato que podemos inferir de uma carta que ele recebeu do supervisor de sua viagem nos EUA junto ao IIE, Wright G. Baker, quando ele estava em Madison, Wisconsin. Baker diz: “Your letter arrived. Do not be concerned about the Embassy here. I have not, and will not, send them copies of your itinerary/program”387.

Seus receios tinham razão de ser. Os ativistas negros em São Paulo foram sistematicamente vigiados pela polícia política estadual ao longo da década de 1970, como demonstrou a historiadora Karin Kössling em sua dissertação As lutas anti-racistas de afro- descendentes sob vigilância do DEOPS/SP (1964-1983)388. A autora analisou os prontuários

do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS/SP) para entender a lógica política da vigilância ao ativismo negro paulista, concluindo que essa vigilância, além do temor ao que poderia cheirar a subversão e marxismo, se fundamentava na “perspectiva de preservação da ‘democracia racial’ brasileira, evitando a introdução de ‘antagonismo racial’ pelos movimentos negros”389. Dada sua atuação como um intelectual

negro público em São Paulo, no Brasil e nos Estados Unidos, é provável que Eduardo também estivesse sendo monitorado, embora os registros concretos de que estivesse sob a mira do DEOPS/SP correspondam a atividades realizadas entre 1976 e 1977390.

386 Em 1986, o cientista social Paulo Sérgio Pinheiro relata história semelhante, em artigo intitulado “O elevador

e a paz social”: “Até recentemente o problema não ocorria porque os negros, salvo nas vertigens das favelas, não moravam em apartamento. [...] Meu saudoso amigo Eduardo de Oliveira e Oliveira, sociólogo, negro, se vestia de causar inveja a Marcelino de Carvalho. Estava à vontade numa conferência em San Francisco, aos pegas com o movimento negro, em Paris na École des Haute Études desancando a ‘negritude’. É claro falando em inglês e francês. Não dava outra: quando a visitar amigos brancos em apartamento, era convidado para o [elevador] de serviço. Felizmente fazia escândalo, protestava, enquadrava os energúmenos fiscais. Sinais do tempo morava numa cobertura da rua Sabará elegantíssima, aberta aos militantes negros e seus amigos intelectuais brancos. Subíamos todos pelo elevador social”. O elevador e a paz social. Folha de S. Paulo, 14 jan. 1986, p. 37.

387 Carta de Wright G. Baker para EOO, 7 nov. 1974. Coleção EOO-UEIM/UFSCAR, Série Correspondências.

Tradução livre: “Sua carta chegou. Não se preocupe com a Embaixada aqui. Eu não enviei, e não vou enviar para eles cópias de seu itinerário/programa”.

388 KÖSSLING, op. cit. 389 Ibid., p. 251.

390 A pesquisa de Kössling aponta que ao menos dois eventos encabeçados por Eduardo foram monitorados pelo

DEOPS/SP. Um deles foi o ciclo de atividades “O negro na vida norte-americana: da Independência aos nossos dias”, realizado nos MASP em setembro de 1976; o outro foi a “Quinzena do Negro na USP”, que aconteceu em maio de 1977, na USP. Esses eventos – e os registros do DEOPS – são mencionados mais adiante.

Se os debates do racismo, da mobilização política de ativistas negros brasileiros e de sua relação com o movimento negro norte-americano fossem problemas para a Ditadura Militar, os agentes do regime tinham de fato motivos para preocupação com Eduardo, dentro de sua lógica canhestra de controle. No rascunho do parece ser uma palestra apresentada no Brasil sobre sua experiência viajando pelos Estados Unidos, ele faz comentários acerca de suas razões para um tal empreendimento. “Mas quiçá vocês se perguntem: O que prevaleceu como interesse no meu contato com o mundo negro na América?”, escreve ele, respondendo: