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3.3 O conceito de “Crença” nas diferentes áreas do conhecimento

3.3.4 Crenças e aglomerados de crenças

3.3.4.1 Floresta terminológica

Price (1969), Pajares (1992), Woods (1993) e Johnson (1999) afirmam que as crenças são um conceito complexo. Parte dessa complexidade, conforme enfatizado por Barcelos (2001), deve-se à existência de inúmeros termos e definições para se referir as crenças. Pajares (1992:309) elenca alguns deles: atitudes, valores, julgamentos, axiomas, opiniões, ideologia, percepções, conceituações, sistema conceitual, pré-conceituações, disposições, teorias implícitas, teorias explícitas, teorias pessoais, processo mental interno, estratégia de ação, regras de prática, princípios práticos, perspectivas, repertórios de compreensão, estratégia social.

Abordando essa mesma questão, Gimenez (1994) e Garcia (1995:61) ampliam a relação previamente definida por Pajares (1992), acrescentando os seguintes termos: teorias populares, conhecimento prático pessoal, perspectiva, teoria prática, construções pessoais, epistemologias, modos pessoais de entender, filosofias instrucionais, teorias da ação, paradigmas funcionais, autocompreensão prática, sabedoria prática, metáforas e crenças.

Barcelos (2001:72), por sua vez, nos alerta de que este fenômeno, ou seja, a existência de diversos termos para um mesmo conceito, acontece em outras áreas de conhecimento (Filosofia, Psicologia Cognitiva, Psicologia Educacional e Educação), mas especialmente na Lingüística Aplicada, onde encontramos termos tais como “representações dos aprendizes” (Holec, 1987), “filosofia de aprendizagem de línguas” (Abraham e Vann, 1987), “conhecimento metacognitivo” (Wenden, 1986), “crenças” (Wenden, 1986), “crenças

culturais” (Gardner, 1988), “representações” (Riley, 1989, 1994), “teorias folclórico- lingüísticas de aprendizagem (Miller e Ginsberg, 1995), “cultura de aprender” (Almeida Filho, 1993; Cortazzi e Jin, 1996), “cultura de ensinar” (Almeida Filho, 1993), “cultura de aprendizagem” (Riley, 1997), “concepções de aprendizagem e crenças (Benson e Lor, 1999) e “cultura de aprender línguas” (Barcelos, 1995).

Esta profusão de termos presentes na Lingüística Aplicada, por um lado reforça a dificuldade apontada por Pajares (1992), por outro, sinaliza o potencial deste conceito, motivando-nos a investigar as questões (inter) relacionadas como o complexo processo de ensinar/aprender uma LE. Segundo Barcelos (2000:30-33), é preciso que as pesquisas que estão sendo realizadas no âmbito da linguagem desvendem a natureza multidimensional e paradoxal das crenças. Concordo com a referida autora e com as sete razões por ela apresentadas.

Primeiro, segundo Barcelos (2000), o verbo acreditar pode ser entendido como certeza, convicção ("eu acredito") e, também, como dúvida ("eu não tenho certeza"). Segundo, crença e conhecimento não têm sentidos distintos. Terceiro, as crenças não são independentes das experiências e, por isso, influenciam as ações. Quarto, as crenças orientam os desejos e regulam as ações. Quinto, as crenças, ao mesmo tempo em que encerram a dúvida, fazem emergir o pensamento. Sexto, as crenças estão baseadas em opiniões, tradições e costumes. E sétimo, as crenças se conservam e podem servir de obstáculo à mudança.

Tanto Johnson (1999) quanto Woods (1993) utilizam metáforas que expressam eficientemente os inúmeros termos que são freqüentemente utilizados para se referir às crenças e a complexa tarefa de investigá-las no contexto de ensino/aprendizagem de uma LE. Para Johnson (1999), as crenças seriam como uma pedra sobre o qual os professores se apóiam. Woods (1993), da mesma forma, utiliza a expressão “floresta terminológica” para se referir ao grande número de termos (mitos, atitudes, conhecimento, interpretações, opiniões, perspectivas, teorias implícitas e explícitas, teorias pessoais, conceitos, conhecimento cognitivo, modelos mentais, ideologia, concepções, estratégias, dentre outros) encontrados na literatura da Lingüística Aplicada para nomear crenças dentro do contexto de ensino/aprendizagem de LE.

A tabela 2, extraída de Barcelos (2004a:130-132) mostra alguns dos vários termos e definições já usados para se referir às crenças sobre aprendizagem de línguas.

Tabela 2: Diferentes Termos e Definições para Crenças sobre Aprendizagem de Línguas

[Fonte: Barcelos (2004a:130-132)].

Termos Definições

Representações dos aprendizes (Holec, 1987)

“Suposições dos aprendizes sobre seus papéis e funções dos professores e dos materiais de ensino” (p.152).

Filosofia de aprendizagem de línguas dos aprendizes (Abraham & Vann, 1987)

“Crenças sobre como a linguagem opera, e conseqüentemente, como ela é aprendida” (p. 95).

Conhecimento metacognitivo (Wenden, 1986a)

“Conhecimento estável, declarável, embora às vezes incorreto, que os aprendizes adquiriram sobre a língua, a aprendizagem, e o processo de aprendizagem de línguas, também conhecido como conhecimento ou conceitos sobre aprendizagem de línguas...” (p. 163).

Crenças (Wenden, 1986) “Opiniões que são baseadas em

experiências e opiniões de pessoas que respeitamos e que influenciam a maneira como eles [os alunos] agem.” (p. 5).

Crenças culturais (Gardner, 1988) “Expectativas na mente dos professores, pais, e alunos referentes a toda tarefa de aquisição de uma segunda língua” (p. 110). Representações (Riley, 1989, 1994) “Idéias populares sobre a natureza, estrutura

e uso da língua, relação entre linguagem e pensamento, linguagem e inteligência, linguagem e aprendizagem e assim por diante” (1994, p. 8).

Teorias folclórico-linguísticas de aprendizagem (Miller & Ginsberg, 1995)

“Idéias que alunos têm sobre língua e aprendizagem de línguas” (p. 294).

Cultura de aprender línguas (Barcelos,

1995) “Conhecimento intuitivo implícito (ou explícito) dos aprendizes constituído de crenças, mitos, pressupostos culturais e ideais sobre como aprender línguas. Esse conhecimento compatível com sua idade e nível sócio –econômico, é baseado na sua experiência educacional anterior, leituras prévias e contatos com pessoas influentes” (p. 40).

Cultura de aprender (Cortazzi & Jin, 1996) “Os aspectos culturais sobre ensino e aprendizagem; o que as pessoas acreditam sobre atividades e processos ‘normais’ e ‘bons’ de aprendizagem, onde tais crenças têm origem cultural” (p. 230).

Tabela 2: Diferentes Termos e Definições para Crenças sobre Aprendizagem de Línguas

[Fonte: Barcelos (2004a:130-132)] (Continuação)

Cultura de aprendizagem (Riley, 1997) “Um conjunto de representações, crenças e valores relacionados à aprendizagem que influencia diretamente o comportamento de aprendizagem dos alunos” (p.122).

Concepções de aprendizagem e crenças

(Benson & Lor, 1999) Concepções: “referem-se ao que o aprendiz acredita que são os objetos e processos de aprendizagem”.

Crenças “referem-se ao que o aprendiz acredita ser verdadeiro sobre esses objetos e processos, dada uma certa concepção do que eles são” (p. 464).

Segundo Barcelos (2004a:132), ao analisar estes termos é possível fazermos duas observações gerais. Em primeiro lugar, “todas as definições enfatizam que as crenças se referem à natureza da linguagem e ao ensino/aprendizagem de línguas”. Ou seja, há um consenso de que as crenças sobre aprendizagem de línguas são aquelas relacionadas com as concepções de língua(gem), aprendizagem e ensino de línguas, que por sua vez, estão relacionadas com o complexo processo de aprender/ensinar uma LE. Em segundo lugar, “as outras definições enfatizam mais o aspecto cultural e a natureza social de crenças, colocando- as como ferramentas que ajudam os alunos a interpretar suas experiências” (Barcelos, 2004a:132). Assim, as crenças não seriam somente um conceito cognitivo, antes “construtos sociais nascidos de nossas experiências e de nossos problemas (...) de nossa interação com o contexto e de nossa capacidade de refletir e pensar sobre o que nos cerca” (Barcelos, 2004b:20)

Depois de um repasso na literatura em Lingüística Aplicada, encontramos outros termos utilizados para se referir às crenças sobre o ensino de línguas, já que a tabela extraída de Barcelos aborda na perspectiva da aprendizagem de línguas. São eles: “teorias populares” (Lakoff, 1985), “conhecimento prático” (Elbaz, 1981), “perspectiva” (Janesick, 1982), “conhecimento prático pessoal” (Elbaz, 1981), “teoria prática” (Handal e Lauvas, citado em Cole, 1990), “teoria implícita” (Breen, 1985; Clark, 1988) e “imagens” (Calderhead e Robson, 1991). Estes termos e as definições dos referidos autores podem ser melhor visualizados na tabela abaixo e que se encontram também em Gimenez (2003).

Tabela 3: Termos e definições para crenças sobre o ensino de línguas

[Fonte: Gimenez (2003)]

Termos Definições

Teorias Populares (Lakoff, 1985) As teorias populares são o substrato dos pressupostos e da postura do indivíduo dentro de sua cultura.

Conhecimento Prático (Elbaz, 1983) Conjunto de entendimentos complexos e orientado para a prática de professores.

Perspectiva (Janesick, 1982) Interpretação reflexiva e socialmente derivada que serve de base para ações subseqüentes.

Conhecimento Prático Pessoal (Elbaz, 1981)

Um tipo de conhecimento que é experiencial, que faz parte e pode ser reconstruído a partir das narrativas de professores.

Teoria Prática (Handal e Lauvas, citado em

Cole, 1990) Um sistema particular, integrado, mas mutável de conhecimento, experiência e valores relevantes para a prática pedagógica em qualquer tempo.

Teoria Implícita (Breen, 1985; Clark, 1988) As agregações ecléticas de proposições de causa-efeito, que não são claramente articuladas, mas inferidas e reconstruídas por pesquisadores” (Clark, 1988). “O aprendizado de uma LE se dá (...) através dos significados dados pelos participantes desse processo – através de seus fundamentos lógicos para o que eles estão fazendo dentro da estrutura da sala de aula. (Breen apud Rolim, 1998).

Imagens (Schön, 1983; Calderhead & Robson, 1991)

O conhecimento formado por convicções, conscientes ou inconscientes, surgidas da experiência, que são íntimas, sociais, tradicionais, e que são expressas nas ações da pessoa (Schön, 1983:362).

Representam o conhecimento sobre ensino que podem também servir de modelos para ação. Elas geralmente incluem um componente afetivo.

Acreditamos que essa profusão de termos e que caracterizam as crenças no processo de ensino/aprendizagem de línguas, por si mesma, já justifica a importância desta variável nos estudos de Lingüística Aplicada e mostra que ainda há um grande caminho a ser percorrido neste campo de pesquisa.

Depois de apresentaremos os diferentes termos que são empregados para crenças sobre o ensino e aprendizagem de línguas, segue abaixo as definições atribuídas por inúmeros estudiosos da Lingüística Aplicada e das ciências de contato (Educação, Psicologia Cognitiva

e Psicologia Educacional). As definições serão apresentadas nos parágrafos abaixo e colocaremos as mesmas em ordem cronológica. Logo a seguir, discutiremos os pontos em comuns nas definições.

Para Horwitz (1987) as crenças são opiniões ou noções preconcebidas sobre aspectos da aquisição de segunda língua e/ou LE. Segundo a autora, aprendizes teriam uma certa “filosofia” a respeito da maneira como uma língua é aprendida, e esta filosofia, conforme enfatizado por Conceição (2004:74), influenciaria as ações dos alunos nas situações de aprendizagem. Wenden (1986:5), por sua vez, define crenças como “opiniões baseadas na experiência e em opiniões de pessoas respeitadas que influenciam a maneira de agir dos aprendizes de língua”. Essa experiência educacional anterior, pode fazer com que os alunos encarem o aprendizado de línguas (neste caso, Inglês), como o estudo de biologia e história, ou o de esperar aprender toda a língua em pouco tempo.

Tanto Wenden (1986) quanto Horwitz (1987) afirmam que as crenças seriam processos gerados na mente dos aprendizes de línguas. Tais processos seriam estáveis e imutáveis, sendo que em algumas vezes seriam corretos, outras vezes incorretos. Viana (1993) define algumas crenças como “mitos”, ou seja, “concepções populares estereotipadas”, fruto da falta de reflexão ou do desconhecimento, por parte do professor, das teorias científicas sobre a tarefa de ensinar/aprender uma LE. Para Carvalho (2000:85), os mitos “costumam ser frutos de concepções errôneas e estereotipadas, às vezes veiculadas pela mídia e passadas de geração para geração sem que as pessoas parem para refletir ou mesmo buscar na literatura especializada elementos que justifiquem ou não esses mitos”.

Para Pagano (2001:9), as crenças seriam “todos os pressupostos a partir do qual o aprendiz constrói uma visão do que seja aprender e adquirir conhecimento”. Vale lembrar aqui que o termo pressupostos tem sido usado para se referir as crenças tornadas explícitas, muitas vezes como hipóteses aguardando evidências fortalecedoras ou plena confirmação. Segundo Pagano (2001), as crenças variam de pessoa para pessoa e estão relacionadas às experiências de cada indivíduo e ao contexto sócio-cultural com o qual interage. Por se tratar de idéias e pressupostos que o aprendiz formula a partir de sua experiência, as crenças são passíveis de mudança, seja pelo próprio acúmulo de vivência do aprendiz, seja pela intervenção deliberada por parte de algum agente (professor, empregador, colega, amigo, membro da família, etc.) no seu processo de aprendizagem.

Para André (1996), as crenças são entendidas como posicionamentos e comportamentos embasados em reflexões, avaliações e em julgamentos que servem como base para ações subseqüentes. Segundo Félix (1998:26), crenças seria uma “opinião adotada

com fé e convicção baseada em pressuposições e elementos afetivos que se mostram influências importantes para o modo como os indivíduos aprendem com as experiências e caracterizam a tarefa de aprendizagem (do aluno, no caso do professor)”.

Borg (2001) também interessado em crenças de professores, concorda com Pajares (1992) ao afirmar que não há um consenso conceitual. Entendendo-a, como um construto geral, Borg (2001:186) seleciona quatro características comuns ao conceito: (1) O elemento da verdade: a crença, para o referido autor, seria um estado mental, cujo conteúdo é aceito como verdade pelo indivíduo que a possui; (2) A relação entre crença e comportamento: as crenças guiam o pensamento e a ação dos indivíduos; (3) Crenças conscientes versus crenças inconscientes: Para Borg (2001), algumas pessoas mantêm a posição de que consciência é inerente à crença, outros mantêm a posição de que o indivíduo pode ser consciente de algumas crenças e inconsciente de outras; (4) Crenças como valores de comprometimento: Levando em consideração esta premissa, o autor reconhece o aspecto avaliativo do conceito crença.

Portanto, para Borg (2001:186) crença é “uma proposição que pode ser consciente ou inconsciente, além de possuir um caráter avaliativo”. Para esse autor, as crenças são “aceitas como verdade pelos indivíduos que a possuem”. As mesmas possuem “um comprometimento afetivo, que pode, por sua vez, guiar o pensamento e o comportamento dos indivíduos”. Na perspectiva de Borg (2001), uma crença contempla algum tipo de avaliação, consciente ou inconsciente, e alguma forma de envolvimento emotivo, os quais um indivíduo evoca para fundamentar seu pensamento e ação.

Barcelos (2001:73) define crenças como “idéias, opiniões e pressupostos que alunos e professores têm a respeito dos processos de ensino/aprendizagem de línguas e que os mesmos formulam a partir de suas próprias experiências”. Para esta autora, conforme apresentado e discutido nas seções anteriores, as crenças têm suas origens nas experiências e são pessoais, intuitivas e na maioria das vezes implícitas. Dessa forma, as crenças não são apenas conceitos cognitivos, mas são “socialmente construídas” (cf. Barcelos, 2000, 2001, 2004a; 2004b) sobre “experiências e problemas, de nossa interação com o contexto e da nossa capacidade de refletir e pensar sobre o que nos cerca” (Barcelos, 2004a:132).

Para Mastrella (2002:33) crenças “são interpretações da realidade socialmente definidas que servem de base para uma ação subseqüente”. Seguindo este mesmo viés, para Perina (2003:10-11), crenças são “verdades pessoais, individuais, baseadas na experiência, que guiam a ação e podem influenciar a crença de outros”.

Osório (mimeo:1), por sua vez, define crença como “uma verdade particular que podem ser manifestadas coletivamente, produto da cultura e/ou história de vida de cada indivíduo, influencia as ações e dá origem a certas atitudes. Pode ser modificada de acordo com o momento histórico que se vive”.

Olhando para essas definições, é possível fazermos duas observações. Primeiro, grande parte das definições levam em consideração o contexto social em que tanto professores quanto alunos estão inseridos. Segundo, para os referidos autores, às crenças variam de pessoa para pessoa, são mutáveis e estão relacionadas às experiências de cada indivíduo e ao contexto sócio-cultural com o qual interage. Assim, as crenças podem ser pessoais ou coletivas, intuitivas e na maioria das vezes são implícitas, ou seja, não conhecidas pelo próprio portador. Mas, afinal, o que entendemos por crenças e aglomerados de crenças no ensino e na aprendizagem de línguas nesta pesquisa? Esta importante questão será analisada e discutida na próxima subseção.

3.3.4.2 Crenças e Aglomerados de Crenças no ensino e na aprendizagem de línguas: