O folheto As Cheias de Timbaúba relata uma enchente que marcou a história da cidade, o desespero que acometeu os moradores atingidos. Dessa forma, as estruturas narrativas vêm a comprovar essa preocupação com o estado da cidade em decorrência da enchente e os sujeitos semióticos são representativos. O sujeito semiótico (S1) é representado pelo povo, cujo objeto de valor principal, naquele momento, é a sobrevivência. A natureza aparece como oponente, pois com a água inundando boa parte da cidade, buscar abrigo e salvar seus pertences era uma tarefa difícil para ele. Muitos conseguiram sobreviver, buscando ajuda com vizinhos, aqui desempenhando o papel de adjuvante, contudo, outros não tiveram a mesma sorte, acabaram mortos, fazendo com que a oponência se tornasse exitosa em alguns momentos. Eis os fragmentos:
“Com as casas cheias dagua
O povo em mil desalinhos Começou a carregar troços Grandes e pequenininhos
Gato cachorro e porcos
Para as casas dos vizinhos”
“De lá morreu muita gente
Embaraçadas na cheia Amigos que eu gostava Que me deu almoço e ceia Foram encontrados mortos
Enterrados na areia”
O segundo sujeito semiótico, figurativizado pelos donos das padarias, aparece para exemplificar a consequência econômica do desastre. Tendo como objeto de valor principal o lucro, não conseguia entrar em conjunção com ele porque a cidade havia ficado isolada por causa da inundação, logo, não recebia a matéria-prima para a fabricação dos pães e, por conseguinte, não vendia, não tinha lucro. Mais uma vez a oponência supera as ações do sujeito, que não consegue entrar num estado de conjunção com o seu objeto de valor. Os exemplos ilustram:
“os donos das padarias
Estão a perderem o Juízo Sem farinha para o pão
E o bolço quase liso Porque para todos ele
Foi demais o prejuiso”
No nível discursivo, para transparecer seu ponto de vista no texto, o enunciador utiliza- se de alguns recursos. Detectamos que o enunciador, num primeiro momento, mantém-se afastado do enunciado, quando usa verbos no passado e em terceira pessoa:
“O rio deu uma cheia
Como ninguém nunca viu Muito acima do seu nível
A sua água subiu E em procura das casas
A cheia se dirigiu”
No entanto, para deixar clara sua preocupação com a situação, com a calamidade que havia sido instalada na cidade, irrompe-se numa debreagem enunciativa quando se manifesta no texto através dos pronomes de primeira pessoa. Nas zonas antrópicas, o enunciador é
detectado pela zona de identidade quando diz “eu” e deixa subjacente o “nós”. Na zona de
proximidade não é detectada uma manifestação explícita do enunciatário, sendo, sua dedução, também implícita. A zona de distanciamento é representada por todos os papéis temáticos e sujeitos semióticos que aparecem ao longo do texto: Deus, amigos, povo, humanidade, amigos etc. Nos objetos transacionais, as calamidades que acometem a população, fetiche. Seguem exemplos:
“Vamos fazer um apelo
Para as forças federais Socorrer todo nordeste Que o desmantelo é demais
Não sendo por este meio
Não fica ninguém em paz”
“E aqui eu peço a Deus
Do céu cor de anil Que retire do nordeste Este tempo amargo e vil Pra não ter tanta amargura
Não detectamos atores, apenas papéis temáticos, cuja função maior é representar todos os envolvidos e atingidos pela enchente, portanto, por terem sido prejudicados, são considerados agonistas disfóricos. No que diz respeito aos processos de temporalização e espacialização, prevalecem, respectivamente, o tempo específico e o espaço específico. Foram assim detectados através de expressões que organizam e dão detalhes dos acontecimentos, recursos utilizados pelo enunciador para dar ainda mais autenticidade aos fatos que enuncia. Seguem alguns excertos que confirmam:
“17 de abril
Destaca horas ferinas Que começou a cair Chuvas grossas, medias e finas
Até deixar Timbaúba
Feito um montão de ruinas” “As nove horas da noite
Horas amargas e cruas Que as águas se estenderam
Com todas as forças suas De um modo que ninguém mais
Podia passar nas ruas”
“As ruas mais atingidas
Foram o compo do sete Bairro de Antonio Odocio
Nada de bom se promete Pra construir de novo
Vai dá vaca em vinte e sete” “A barraca de Zé Lapa
Também desceu na enchente E perto a delegacia Um bar que tinha na frente
Também foi de rio abaixo
Não sei se morreu gente”
Ainda na busca pela veracidade dos fatos enunciados, o percurso temático-figurativo são representativos. Os temas principais são enchente, calamidade e religiosidade. A figura de enchente é a própria cheia e a calamidade é representada pelo caos instaurado em decorrência da forte chuva: casas caídas, móveis estragados, ruínas. O tema religiosidade é detectado no texto, representado pela figura de Deus, quando deixa subtendido que a culpa pelos transtornos, a reponsabilidade sobre a calamidade que acometera a cidade foi posta na rebeldia da humanidade por não reconhecer a soberania de Deus. Sendo assim, o conflito, o sentido mínimo do texto, reside na oposição entre humanidade e divindade. Apesar de o homem se achar superior e tomar atitudes, tais como intervenção da natureza e ficar convicto de que sairá ileso, sem consequências, está enganado, pois existe um ser, Deus, que está acima deles, que tem a natureza em seu comando e reage aos atos impensados dos humanos. Os agonistas, por sua vez,
prevalecem a categoria tímica de disforia: sofrido; culpado e falido. Ficando apenas a euforia representada por solidário. Vejamos os fragmentos que corroboram:
“Timbaúba nunca viu
Uma cheia desse jeito Quase se acaba tudo A água deseu de eito Isso é o povo pagando
As miserias que tem feito” “Era triste nesse o povo
Com os moveis estragados Camas boiando nas aguas
Sofais nos lixos enterrados Televisões cheias dagua
Bujões e fogões quebrados” “E isto que está fazendo
O povo todo sofrer E para o povo rebelde
Um dia compreender Que do céu até a terra
Só Deus é que tem poder”
O texto traz o relato de uma triste calamidade que atingiu uma região, ressaltando os infortúnios trazidos pela enchente, ao mesmo tempo que faz uma reflexão sobre a exploração desmedida que o homem faz da natureza, que pode trazer tristes consequências, como o caso das inundações.
DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
TÍTULO: A calamidade da cheia de Timbauba AUTOR: Severino Borges Silva
DATA: S/D CLASSIFICAÇÃO BIBLIOGRÁFICA: Intempéries CATEGORIAS DESCRITIVAS DESCRIÇÃO Enunciação Debreagem: Enunciativa Enunciador: Explícito Enunciatário: Pressuposto
Zona Antrópica: Identidade e distanciamento
Objeto Transacional: Calamidade (fetiche)
Situação espaço-temporal
Tempo: Específico: 17 de abril; seis horas da tarde; duas horas; nove horas da noite
Genérico: Passado e presente
Espaço: Específico:
Timbaúba; Nordeste; Brasil; Campo do sete; ponte do sete; barraca de Zé Lapa; rua de Goiana; Nova Brasília; Poço comprido; bairro de Antonio Odócio; Paraná; Mato Grosso; Santa Catarina; Paraíba; Rio Grande; Piauí; delegacia
Genérico:
Atorialização
Específicos:
Genéricos: timbaubenses; povo; vizinhos; donos da padaria
Natureza dos Agonistas: Eufórico Disfórico
solidário Sofrido; culpado; falido
Valores investidos Enchente; calamidade; religiosidade
3.18 Folheto 18: O terrível castigo para os ladrões que foram roubar Frei Damião